Rosseau, a nobreza frívola de 1789 e uma cena da Revolução Francesa

Em Revolução e Contra-Revolução, Dr. Plinio aponta a razão profunda pela qual anteriores tentativas de fazer face ao avanço revolucionário não lograram êxito: isto é, a dificuldade de discernir, nos primeiros movimentos de tendências desordenadas, o desencadear de conseqüências que chegariam até os fatos.

Quais são as profundidades da Revolução?

“Podemos (…) distinguir na Revolução três profundidades, que cronologicamente até certo ponto se interpenetram”: nas tendências, nas idéias, nos fatos (pp. 40-41).

Como se desenvolvem as tendências desordenadas?

As “tendências desordenadas, que por sua própria natureza lutam por realizar-se, já não se conformando com toda uma ordem de coisas que lhes é contrária, começam por modificar as mentalidades, os modos de ser, as expressões artísticas e os costumes, sem desde logo tocar de modo direto — habitualmente, pelo menos — nas idéias” (p. 41).

Simulacro de harmonia entre idéias novas e antigas

Como surgem as idéias revolucionárias?

“Dessas camadas profundas, a crise passa para o terreno ideológico. Com efeito — como Paul Bourget pôs em evidência em sua célebre obra Le Démon du Midi — ‘cumpre viver como se pensa, sob pena de, mais cedo ou mais tarde, acabar por pensar como se viveu’ 1.

O jogo das tendências, das idéias e dos fatos no processo revolucionário se manifestou de modo marcante, por exemplo, no histórico da Revolução Francesa

Fotos: Arquivo revista
Fotos: Arquivo revista

“Assim, inspiradas pelo desregramento das tendências profundas, doutrinas novas eclodem” (p. 41).

Como atuam as novas idéias revolucionárias em relação às anteriores?

“Elas procuram por vezes, de início, um modus vivendi 2 com as antigas, e se exprimem de maneira a manter com estas um simulacro de harmonia que habitualmente não tarda em se romper em luta declarada (p. 41).

Como das idéias a Revolução se alastra aos fatos?

“Essa transformação das idéias estende-se, por sua vez, ao terreno dos fatos, onde passa a operar, por meios cruentos ou incruentos, a transformação das instituições, das leis e dos costumes, tanto na esfera religiosa quanto na sociedade temporal. É uma terceira crise, já toda ela na ordem dos fatos” (p. 42).

O processo revolucionário não é incoercível

Essas três profundidades se manifestam em ordem cronológica?

Elas “são, de algum modo, escalonadas. Mas uma análise atenta evidencia que as operações que a Revolução nelas realiza de tal modo se interpenetram no tempo, que essas diversas profundidades não podem ser vistas como outras tantas unidades cronológicas distintas” (p. 42).

As diferenças entre as três profundidades são sempre nítidas?

“Essas três profundidades nem sempre se diferenciam nitidamente umas das outras. O grau de nitidez varia muito de um caso concreto a outro” (p. 42).

O processo revolucionário se caracteriza pelo fatalismo?

“O caminhar de um povo através dessas várias profundidades não é incoercível, de tal maneira que, dado o primeiro passo, ele chegue necessariamente até o último, e resvale para a profundidade seguinte. Pelo contrário, o livre arbítrio humano, coadjuvado pela graça, pode vencer qualquer crise, como pode deter e vencer a própria Revolução.

“Descrevendo esses aspectos, fazemos como um médico que descreve a evolução completa de uma doença até a morte, sem pretender com isto que a doença seja incurável” (p. 43).

1) Librairie Plon, Paris, 1914, vol. II, p. 375.

2) “Modo de viver”, contemporização.