Dr. Plinio no início da década de 30

Aceitei com verdadeiro entusiasmo a árdua incumbência de defender os princípios da Santa Sé em um problema complexo e delicado que tem aureolado com a coroa de espinhos do sofrimento a fronte veneranda dos últimos Pontífices que se têm sucedido no Trono de São Pedro. Trata-se das relações a serem estabelecidas entre a Igreja e o Estado, no genuíno regime republicano.

Assim iniciava Dr. Plinio seu discurso no II Congresso do Centro Dom Vital de São Paulo, realizado no salão nobre da Cúria Metropolitana, em 12 de fevereiro de 1932. Após recordar que, nos séculos áureos da Cristandade, “todas as formas de governo viviam à sombra da Igreja, aprovadas por Ela, e freqüentemente formadas lentamente ao sopro vivificador das próprias autoridades eclesiásticas”, Dr. Plinio evocava, a esse propósito, a indiscutível doutrina estabelecida por São Tomás de Aquino:

O homem, sociável por natureza, foi criado por Deus com qualidades tais que sua vida em sociedade só se torna possível mediante a existência de um poder público que governe e coordene para o bem comum as atividades indivi­duais. Decorre daí que a autoridade existe no Estado por disposição da vontade divina, e que obedecer à autoridade pública é obedecer indiretamente ao próprio Deus. Nisto e só nisto consistem a origem e o caráter divino da autoridade, segundo a doutrina católica.

A escolha, no entanto, dos indivíduos que devem ser investidos das funções da autoridade pode ser processada indiferentemente por transmissão hereditária ou por eletividade. E as funções inerentes à autoridade podem ser acumuladas nas mãos de uma só pessoa, como nas monarquias; de uma classe, como nas aristocracias; ou distribuídas pela coletividade, como nas democracias. Portanto, o caráter divino da autoridade reside na própria autoridade, independentemente de seu modo de transmissão e de exercício. (…) Como, por outro lado, a monarquia, a aristocracia e a democracia apresentam respectivamente vantagens que lhes são peculiares, servem todas à sua finalidade, que é o bem comum. Todas elas são, portanto, legítimas.

Eram estes os princípios professados pela inteligência serena e luminosa de São Tomás, em plena Idade Média. E estes princípios encontravam a aquiescência, quer de tratadistas e doutrinadores, quer de homens de Estado, que os concretizavam na estupenda diversidade de formas de governo, que há pouco comentávamos.

Fatos de uma notoriedade incontestável provam, portanto, a neutralidade tradicional da Igreja em relação às diversas formas de governo.

(Transcrito de A Ordem, nº 25, março de 1932)