Embora se trate de um tema delicado e pouco passível de consenso, o bom gosto envolve, contudo, uma circunstância que eu diria indiscutível. Explico.

Quando consideramos as nações nas quais floresceram renomados sistemas artísticos, percebe-se que estes não foram elaborados por especialistas, senão num sentido muito particular da palavra. Podemos comprová-lo nas expressões da cultura católica e da civilização cristã, como também nas de outras civilizações que enriqueceram, com seus belos contributos, o precioso acervo artístico da Cristandade.

Uma arte da China milenar conquistou a Europa e ali se desenvolveu com admirável bom gosto, ornando palácios reais e pontifícios

Fotos: G. Kralj
Jarro gótico e serviço de chá, porcelana de Sèvres (França) – Museu Metropolitan, Nova York

Por exemplo, é inegável o valor de certas obras de arte da China e o bom gosto que as modelou, conferindo-lhes tal formosura que são dignas de figurar, no Ocidente, em qualquer palácio real, imperial ou mesmo pontifício. Assim, em diversos lugares nos é dado admirar jarros, tapetes, marfins, gravuras, leques e, de modo todo particular, porcelanas engendrados pelo talento chinês.

Cavalos com serventes, porcelana de Meissen, Alemanha – Museu Metropolitan, Nova York
Jarro e prato de porcelana chinesa, período da dinastia Qing, séc. XVIII – Galeria de Arte de Washington (EUA) e Museu Metropolitan, Nova York

Quanto a estas últimas, narram as crônicas que teriam sido descobertas pelos jesuítas na China: maravilharam-se com o produto e desejaram trazê-lo para a cultura ocidental. Não lograram, porém, que os artistas chineses lhes revelassem a fórmula e os procedimentos para elaborá-lo.

Jarro de cabeças de elefante, porcelana de Sèvres (França) – Museu Metropolitan, Nova York

Mas, a conhecida sagacidade dos filhos de Santo Inácio não se desarmou diante daquela recusa. Zelosos apóstolos e astutos observadores, ao exercerem seus trabalhos de missionários junto ao povo, notaram que outras pessoas, mais humildes, também confeccionavam porcelana. Com finura e tato, eles acabaram por obter da gente miúda o segredo dessa arte tão esplendorosa. Na primeira oportunidade, enviaram à Europa a fórmula e toda espécie de objetos chineses, para que os ocidentais tivessem idéia das possibilidades de cultura e de civilização que aquela China lhes oferecia.

Não tardou muito, e os europeus começaram a fabricar sua própria porcelana. Surgiram as magníficas peças francesas, inglesas, alemãs e outras, de extraordinária categoria, que logo passaram a competir com a preferência pelos objetos à base de metais preciosos. As baixelas de ouro e de prata, até então soberanas, viram-se ombreadas pelos delicados aparelhos de jantar, pintados em matizes róseos e níveos, bordejados de azuis e vermelhos intensos, ornados de pinturas com paisagens bucólicas, com buquês e guirlandas de extremo bom gosto. Bom gosto…