Dona Lucilia me fazia perceber, continuamente, a beleza da retidão. De modo especial, ela o manifestava através do olhar, muito expressivo nesse sentido. Mais. Além de ressaltar o que existe de belo na retidão, dava-me a conhecer o repouso e a serenidade que a alma humana experimenta ao ser reta.

Preocupação na calma

No próprio exemplo de mamãe, ao se analisar as fotografias dela, pode-se constatar essa verdade. Mesmo naquelas em que aparece preocupada, não se nota qualquer agitação de sua parte. Pelo contrário, o olhar continua a transmitir uma disposição de espírito inteiramente serena. A preocupação com calma representa, aliás, um grande equilíbrio de alma. Qualquer homem, nesta terra de exílio, passa por preocupações. Uma coisa, porém, é ficar preocupado, outra é deixar-se tomar de nervosismo, ansiedades, etc. Atitudes estas que mamãe procurava, e conseguia, afastar de seu coração.

Alma sofredora, repousando na paz

Maneira peculiar de se perceber a paz que havia na alma de Dª Lucilia era observá-la enquanto dormia. Com a intimidade de filho, naturalmente, eu a vi inúmeras vezes nos seus momentos de repouso. Via-a também na hora em que despertava, sobretudo no meu tempo de menino e adolescente, quando me despedia dela antes de ir para o colégio: não fazia cerimônia, acordava-a e com ela trocava uns minutos de prosa. Depois que fiquei mais velho, moderei um tanto esse hábito. Mas, naquela época, depois de tirá-la do seu justo descanso, perguntava-lhe:

— Meu bem, bom dia, como vai a senhora?

E eu notava que, nela, a passagem do repouso para o estado de acordada era serena, e com o primeiro olhar já todo aberto para a realidade à sua volta. Tinha-se a impressão de que o sono dela era profundo, restaurador, reparador. A tal ponto que eu a fitava e me vinha este pensamento: “Como deve ser agradável dormir o sono dela”. Mamãe, aliás, costumava dizer que o sono era um imenso benefício que Deus concede aos homens, porque suspende sobre estes as infelicidades da vida.

“Mamãe me fazia perceber a beleza da retidão, e ela o manifestava de modo especial através de seu olhar muito expressivo nesse sentido”

J. C. Dias
Dona Lucilia em 1968; na página anterior, Plinio aos 8 anos

Via, então, uma alma à qual não eram poupados sofrimentos, mas que sabia dormir na paz. Portanto, muito distante de ser uma alma agitada e nervosa por causa das preocupações que sempre nos colhem ao longo da existência terrena.

“Ela nunca fazia comparações com os outros, a não ser quando se tratava de uma boa emulação na virtude, a fim de educar os filhos”

Fotos: Arquivo revista
Dona Lucilia aos 80 anos; na página seguinte, seus dois filhos, Rosé e Plinio, em 1912

Emulação na virtude para formar os filhos

A esse propósito, acredito ser oportuno ponderar que uma das atitudes que mais aflige o homem é a inveja. E esta nasce das comparações. A experiência na vida espiritual nos mostra que o costume de nos compararmos com os outros é um dos erros mais funestos que se pode cometer. Fazendo-o, logo nascem a inveja, as feridas do orgulho, as más ambições, e uma cascata de desejos perniciosos que, não raro, darão entrada às tentações contra a virtude da pureza.

Fotos: Arquivo revista

Ora, essa forma de comparação é algo que nunca vi em Dª Lucilia, fosse em relação a ela, fosse em relação aos filhos. A única ocasião em que ela se permitia de nos comparar com outros era quando nos passava alguma repreensão. Se havia uma criança que procedia melhor do que nós em determinado ponto, ela então a apontava como exemplo e dizia: “Veja tal pessoa!”

Tratava-se, porém, de uma boa e compreensível emulação na virtude, própria a nos educar. A não ser essa atitude formativa, ela jamais se comparava, nem a nós, com ninguém.

Era uma disposição de espírito em tudo coerente com a serena e invariá­vel retidão de sua alma.

(Extraído de conferência em 13/6/1982)