Líder mariano e guia do movimento católico nos idos de 30 e 40, Dr. Plinio sempre se preocupou com o progresso espiritual dos seus seguidores, bem como com a fecundidade de seu apostolado. No intuito de melhor orientá-los, ofereceu-lhes, em diversas ocasiões, conselhos de vida interior e piedade, como estes aqui transcritos.

Aobra da Redenção não se fez para um pequeno número de aristocratas do espírito. Pelo contrário, o anelo de Nosso Senhor é que “todos fossem um”, isto é, que todos os povos, sem distinção, fossem beneficiados com os frutos do Santo Sacrifício da Cruz.

Apostolado e caridade não conhecem limites

Não há, pois, ponto do globo que não deva ser atingido pelos pregadores da Boa Nova. Não há classe social, não há setor de opinião, não há grupo, corrente, facção ou partido para o qual não se deva voltar a solicitude evangélica. “Todos” devem ser evangelizados. E o apostolado católico — o da Ação Católica inclusive — deve ter necessariamente essa imensa extensão. O apostolado só conhece um limite: o do mundo. E a caridade para com o próximo, nem ante esse limite se contém, pois que ainda se estende, como torrente caudalosa e benéfica, sobre os que, tendo deixado a vida terrena, ainda expiam no Purgatório os pecados cometidos.

Todos os povos do globo devem ser atingidos pelos pregadores da Boa Nova, e cumpre ao apostolado católico ter essa imensa extensão

Pio XI disse certa vez que, se se devesse aliar ao próprio demônio para conquistar as almas para a Igreja, ele o faria. Essa deve ser a norma do apostolado da Ação Católica: todos os apoios, todos os recursos, todas as simpatias que encontrar em seu caminho devem ser por ela minuciosamente aproveitadas até o último ponto. E, no dia do Juízo Final, cada membro da Ação Católica será responsável pelo que, por preguiça, indolência ou mal compreendida intransigência, tiver deixado de aproveitar.

Fotos: Arquivo revista
À esquerda: Dr. Plinio quando presidente da Ação Católica de São Paulo; abaixo: ele (o 5º da esquerda para a direita) na sede do “Legionário”

Quanto mais intensa a vida interior, maior a fecundidade apostólica

Como se vê, a característica de um apostolado bem desenvolvido deve ser uma grande largueza de movimentos, e um imenso descortínio no encarar os problemas sugeridos pela atividade evangelizadora. Neste sentido, há lacunas imensas a preencher. E a preencher logo, porque caritas Christi urget nos.

Isto posto, perguntamos: como chegar a tão almejado resultado?

A resposta, a meu ver, só pode ser uma: pela seleção precedida por uma boa formação.

Mil circunstâncias conspiram para apagar, mal grado nosso, a noção fundamental que deve presidir a todas as obras de apostolado, e é que a eficiência deste está na razão direta da vida interior de quem serve à Santa Igreja de Deus.

Enquanto o leigo que faz apostolado não se persuadir de que é um mero reservatório da graça divina, que deve transmiti-la depois aos outros, enquanto ele não estiver ciente de que a conversão não é obra dele, mas de Deus, e que portanto, como mero instrumento que ele é, deve ter Deus presente em si para irradiá-lo aos outros, seu apostolado será ineficaz.

A este respeito, ainda, gostaríamos de enumerar alguns princípios fundamentais:

I – Quem converte é Deus. A pessoa que faz apostolado não é senão um veículo da graça. Mas essa graça, Deus não a dá senão àqueles que têm uma vida interior autêntica;

II – Quanto mais intensa a vida interior, tanto maior a fecundidade do apostolado; em razão inversa, quanto menos intensa a vida interior, tanto menos eficaz o apostolado.

Sem vida interior os dons naturais serão inúteis

III – A inteligência, a cultura, a habilidade, são qualidades pessoais que podem e devem ser aproveitadas para o apostolado como preciosos dons de Deus. Mas todos esses dons naturais serão inúteis sem a vida interior. E, pelo contrário, uma vida interior intensa pode suprir a ausência desses dons.

Elevadas ao auge pelo zelo e coroadas pelas virtudes que só vêm da vida sobrenatural, as qualidades naturais constituem a realização da obra da vida interior

Fotos: S. Hollmann / T. Alarcón
Acima: São Tomás de Aquino – Museu de Sevilha (Espanha); na página 8: Santo Inácio de Loyola – Catedral de Santiago do Chile

IV – Aplicando a outro campo o mesmo princípio, uma associação pode e deve munir-se de todos os recursos naturais para a perfeição do seu apostolado. Mas deve lembrar-se sempre de que obras perfeitíssimas a esse respeito têm fracassado miseravelmente, porque não havia em seus promotores verdadeira vida interior. E que, inversamente, Nosso Senhor tem dado triunfos brilhantes a algumas associações privadas de tais recursos naturais, mas em cujas fileiras estuava e superabundava a vida interior.

Pensar como a Igreja pensa e agir como ela manda

V – A vida interior não significa só prática assídua dos Sacramentos, mas prática viva, sincera e esclarecida, que gera na inteligência uma perfeita conformidade com a doutrina católica, uma aptidão maravilhosa para discernir entre tudo que é e não é católico, e um zelo vivo para manter sempre exatas essas fronteiras. Na vontade, essa vida interior deve gerar um amor intenso por tudo aquilo que a Igreja manda, um zelo de obediência que se manifesta não apenas nos atos, mas nos sentimentos, não apenas nas linhas gerais, mas nas minúcias, não apenas nos conselhos, mas sobretudo no exemplo. Pensar como a Igreja pensa, sentir como a Igreja sente, agir como a Igreja manda, e depois reconhecer em tudo isto a obra de Deus em nós, eis o ideal da vida interior;

A vida interior valoriza as qualidades naturais

VI – Longe de diminuir a própria aptidão das faculdades e qualidades naturais para o apostolado, a vida interior as valoriza imensamente. Se São Tomás foi tão sábio, deve-o em grande parte ao fator de ter sido imensamente ativo no sentido intelectual. Ativo, diligente e metódico. Ele aplicou em seu estudo todas as suas qualidades naturais com o máximo de sua intensidade. E se o fez, foi porque a vida interior exigiu isto dele. Se Santo Inácio de Loyola foi tão ativo, deve-o em grande parte ao fato de ter a vida interior valorizado nele todas as suas qualidades naturais, sua energia incomparável, sua penetração de espírito soberana, sua combatividade sem reservas. Essas qualidades naturais, elevadas ao auge pelo zelo, e coroadas pelas virtudes que só vêm da vida sobrenatural, constituem a realização da obra da vida interior.

A vida interior não é só a valorização das qualidades naturais, nem sequer é principalmente isto. Mas é também isto.

Autenticidade do espírito: razão do progresso no apostolado

Se quisermos ter apóstolos enérgicos, zelosos, prudentes, ativos, inteligentes, hábeis, queiramo-los real e sinceramente piedosos. Todas as qualidades naturais e sobrenaturais, postas a serviço da santificação das almas, é este o ideal do apóstolo;

VII – Com esta autenticidade de espírito católico, o apostolado pode ter uma maravilhosa liberdade de movimentos. Mas, sem este espírito, qual a qualidade que não corre o risco de uma pronta transformação em defeito? Qual a habilidade que não se transforma facilmente em perfídia? Qual a caridade que não se transforma em vã complacência? Qual a concessão que não se transforma em capitulação?

VIII – Se, pois, a Ação Católica quer progredir, ela deve velar primordialmente pela autenticidade do espírito em seus membros. Que cada um deles renuncie realmente às seduções do mundo, às insinuações do demônio, às exigências da carne, e siga Nosso Senhor Jesus Cristo com a cruz às costas. O mais virá por acréscimo, que Nosso Senhor prometeu aos que O amam.

(Extraído do “Legionário” de 30/4/1939. Título e subtítulos da redação.)