Cidade alemã bombardeada na II Guerra Mundial

Há setenta anos, no dia 15 de setembro de 1938, de modo inesperado o primeiro-ministro inglês, Neville Chamberlain, tomou um avião e aterrissou em Munique ao meio-dia. Pouco depois, um trem o deixou em Berchtesgaden, na residência de Hitler. Este lhe expôs o plano decidido e irreversível de invadir a Tchecoslováquia. Houve então um acordo pelo qual a imprensa e o mundo inteiro se sentiram aliviados: cedendo nessa anexação, Chamberlain teria evitado a guerra mundial.

Mas, Dr. Plinio, com sua clara percepção dos acontecimentos, pelas páginas do Legionário fez um alerta contra esse exagerado otimismo e previu o próximo desencadear dos confrontos bélicos:

Por mais que se procure impedir que o grande público tenha uma visão direta de todas as conseqüências das últimas negociações de Berchtesgaden, tudo leva a crer que se o espectro da guerra for realmente afastado em virtude do encontro Hitler-Chamberlain, a conflagração não será propriamente “evitada”, mas adiada.

Se, de um lado, um povo quer tudo e, por outro lado, povos há que não querem nem podem, no final das contas, ceder tudo, a guerra é uma questão de dias ou de meses, mas fatalmente explodirá.

Que extensão poderá ela tomar? Não o sabemos. Quando poderá ela explodir? Amanhã? Daqui a 6, 10, 12 ou 24 meses? Não o sabemos. Mas enquanto Hitler estiver no poder, ela será inevitável.

Nessa condicional que aventamos, está o sentido profundo da missão de Chamberlain.

A guerra significaria necessariamente o desabamento da civilização européia, e o Velho Continente se transformaria, caso a Alemanha vencesse, em um montão de ruínas policiadas pelos camisas pardas. O nazismo acha que ainda assim “vale a pena”. Mas a Inglaterra, a França e — este é o ponto capital — uma grande parte da própria opinião alemã acha que não, colocando Hitler no papel evidente de provocador, papel este que o gesto de Chamberlain tornou claro até à evidência. ­Hitler aparece, para todas as mães, esposas, filhas e irmãs dos futuros combatentes, como o instigador da morte dos seus parentes. Enquanto tudo estiver em mobilizações e desfiles, isto não tem importância. Mas quando os lares começarem a se encher de luto, a posição de Hitler começará a se tornar difícil.

Depois, adiando-se a guerra, Hitler será forçado a perpetuar o duríssimo regime de mobilização, de privações alimentares e de impostos pesadíssimos, com que vem mantendo a Alemanha em incessantes e duras privações. Durante um ano, durante dois, durante três, isto se agüenta. Mas quando o povo estiver exausto desse regime que privou o alemão até de sua estimadíssima manteiga, o que será de Hitler?

É com tudo isto que joga o “premier” inglês. Ele quer adiar a guerra ainda à custa dos mais pesados sacrifícios, certo de que, se a paz durar, o hitlerismo morrerá asfixiado dentro do regime de mobilização sem o qual não pode viver. Resolver-se-á a política inglesa a acompanhar o “premier” nessa aventura? O futuro o dirá.

Hitler e Chamberlain jogam, pois, uma partida de vida e de morte. E, no entanto, todos os jornais acentuaram a cordialidade risonha do aperto de mão com que se saudaram os dois estadistas. Mas é preciso não confiar demais nos apertos de mão risonhos. É o que mostra a história de outros países que não o Reich e a Inglaterra.

(Extraído do “Legionário”, nº 314, de 18/9/1938)