O mês de março se inicia com o primeiro domingo da Quaresma. Tempo destinado pela Igreja para a penitência e para impetrarmos graças especiais a Deus. Período próprio, pois, à mortificação dos sentidos, em união com os padecimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, em memória dos quarenta dias de jejum praticado por Ele no deserto.
Ora, costumes nascidos na decadência da Cristandade medieval implantaram, nos dias que antecedem a Quarta-feira de Cinzas, os folguedos de Carnaval. Estes, ao longo dos tempos, foram se degenerando até os atuais e inqualificáveis desregramentos.
Em 1935, quando tais festejos ainda se achavam longe dos desmandos de hoje, Dr. Plinio, já influente líder católico, ressaltava a benemérita iniciativa da Igreja de congregar os jovens, nesses dias, para um retiro espiritual. E salientava o contraste entre as festas que as ruas daquele tempo viviam, e a atitude desses moços e moças dispostos a praticar louvável penitência:
“Enquanto a imprensa diária consagra longas colunas ao noticiário dos festejos carnavalescos, com grande abundância de detalhes sobre os mais insignificantes bailes de várzea, que se desenrolarão neste São Paulo oficialmente enlouquecido por três dias, todas as referências ao retiro promovido pela Federação Mariana são cuidadosamente relegadas para pequenas notícias nas seções religiosas.
“Por quê? Dos dois fatos, nos tristes dias que vivemos, qual o mais digno de atenção e de louvor: que uma população, oficialmente estimulada para isto, se entregue aos prazeres fáceis do Carnaval, ou que uma numerosa mocidade, vencendo a resistência do ambiente, renuncie a todos estes prazeres, tão atraentes quando se é jovem, para se entregar voluntariamente à austeridade de um retiro espiritual? (…)
“[Nos desfiles do Carnaval], alguns usam máscaras de pano ou papelão. Mas a grande maioria usa a máscara de carne do seu próprio rosto. Todas estas máscaras riem. E não poderiam deixar de rir, uma vez que é preciso rir no Carnaval. Atrás destas máscaras, porém, algumas almas choram, muitas bocejam entediadas, outras se contraem ansiosas, e outras mantêm a impassibilidade das irremediáveis desilusões. Poucas riem de verdade. E, quando riem, não sabem os prantos que estão acumulando para amanhã… No seu pedestal, o Rei Momo ri sempre; poucos, porém, percebem porque ri. Ele, porém, o sabe. Ele ri da cegueira humana.
“Passemos, subitamente, para o Liceu Coração de Jesus. Centenas de moços. No silêncio da noite, terminam-se as últimas orações. “‘Perdoai, Senhor, os pecados do mundo. Aceitai o sacrifício que Vos oferecemos na manhã de nossa vida. É o sacrifício dos divertimentos que poderíamos fazer sem Vos ofender, mas de que não nos aproveitamos para resgatar os pecados dos que Vos ofendem. É o sacrifício, também, dos divertimentos que Vos ofenderiam, e que, por isto mesmo, nós queremos afastar para muito longe. Aceitai, ó Pai de misericórdia, a reparação que depositamos sobre vosso altar. Muitos riem, outros choram, quase todos, rindo ou chorando, pecam porque sofrem ou se divertem longe de Vós. Quando suportamos no silêncio o riso dos que não compreenderam nossa piedade, perdoai Senhor, as gargalhadas dos que Vos insultam no deboche e na imoralidade.
“‘Quando choramos com lágrimas amargas nossos pecados, aliviai, Senhor, as dores dos que sofrem longe de Vós. Quando ouvirmos as palavras do sacerdote que nos prega o retiro, fazei, Senhor, que seus ecos penetrem, sobre forma de íntimas inspirações, até o âmago de tantos corações que não Vos querem ouvir. Quando, enfim, descansarmos no sono das consciências tranqüilas, dai um pouco de nossa paz àquelas almas que se agitam longe de Vós, procurando no pecado uma felicidade que só em Vós se pode encontrar.
“‘Perdoai, Senhor, perdoai nossa Pátria. Para vô-Lo pedir, não Vos trazemos, nós, corpos gastos pela vida ou almas maculadas pelo pecado. É a manhã de nossa vida que oferecemos, é o nosso sacrificium vespertinum. Senhor! É o Brasil de amanhã que Vos fala. Perdoai o Brasil de hoje!’”
(Transcrito do “Legionário”, de 3/3/1935)