Multidão de fiéis reunidos na Praça de São Pedro, Roma, para celebrar o Domingo de Ramos com o Papa

Quaresma de 1938. Aparecia na França o primeiro número de um jornal católico cujo programa inicial se assemelhava à orientação dada por Dr. Plinio ao “Legionário”, a tribuna em que expressava seu amor à Igreja e ao Papado. Assim, aproveitando o ensejo do período litúrgico próprio à meditação e à penitência, escreveu o artigo transcrito a seguir, no qual dirige aos católicos brasileiros um vibrante apelo para que honrem sua autêntica condição de membros da Esposa Mística de Cristo.

Não podemos deixar de fazer alguns comentários a respeito do programa com que apareceu, [em Paris], o primeiro número do hebdomadário Temps Présent. Considerado em si, esse programa resume de modo tão fiel o pensamento das Encíclicas e coincide de tal maneira com a orientação do Legionário, que julgamos indispensável levá-lo ao conhecimento de nossos leitores. Se Temps Présent vier a se manifestar católico não só na aparência, mas na sincera, obediente, íntima e afetuosa união de pensamento e de ação com o Papa, seja este nosso artigo uma homenagem àquela folha. Se, pelo contrario, Temps Présent não é católico ou — o que seria pior — é apenas pseudo-católico, servimo-nos de suas palavras como uma homenagem que o erro presta à verdade.

O programa, como dissemos, é excelente. A prática demonstrará qual a interpretação e a aplicação que receberá de seus autores. Fazendo reserva quanto a esta segunda parte, é de nosso dever elogiar a primeira.

Os princípios sociais da Igreja pedem uma realização concreta

Começa Temps Présent por acentuar uma grande verdade: os princípios sociais da Igreja não foram traçados para permanecerem eternamente no mundo das idéias, sem realização concreta. É preciso, finalmente, descer da teoria à realidade e fazer com que a vida concreta das sociedades modernas seja realmente animada pela doutrina católica. Que as nuvens densas da palavra de Deus, portadoras da fecundidade, chovam efetivamente sobre a terra sedenta, penetrando-a até nas suas camadas mais profundas, a fim de fazer com que sua fertilidade potencial se transforme em esplêndida colheita.

Já se foi, para os católicos, o tempo dos congressos e das reuniões meramente doutrinárias. Ao estudo sólido e sério da doutrina, é preciso aliar um conhecimento objetivo, claro, preciso, da realidade. E a este duplo estudo é preciso aliar uma ação viva, enérgica, eficaz e profunda. Sem isto, os católicos no século XX não terão cumprido o seu dever.

Todo católico é um portador de Cristo em si

Esta ação supõe e exige a participação efetiva dos católicos, não apenas na vida política, mas nos setores mais importantes da economia e das atividades intelectuais.

Todo o católico é um Christophorus, isto é, um portador de Cristo em si, ele O leva onde quer que vá. E onde ele se recusa a ir, o Cristo Salvador e Redentor, muitas vezes, deixa de entrar.

A presença é, pois, um dever para o católico, e a ausência, uma traição. E esta regra é tão absoluta e tão grave que só comporta uma restrição ainda mais grave e mais absoluta: o interesse de sua própria salvação e santificação. Um católico só tem o direito e, mais do que isto, o dever de estar ausente dos lugares onde corra risco sua santificação, a juízo exclusivo de seu diretor espiritual.

A necessária união dos católicos

A este princípio verídico e eficaz, Temps Présent faz seguir outro. A união dos católicos deve existir em todos os pontos em que se tenha pronunciado a Igreja. No entanto, a aplicação prática dos princípios católicos podem ter licitamente opiniões divergentes.

Isto posto, é incontestável que, se os católicos se mantiverem em irredutível divergência nestes pontos, sua união para o trabalho pelos pontos fundamentais nunca será conseguida.

A união dos católicos é um escopo que todos devem almejar. Mas qual o meio para evitar divergências que a prática, inevitavelmente, suscitará?

A resposta, Temps Présent a dá magistralmente. Em primeiro lugar, a caridade que coloca o amor de Deus e de sua Igreja acima de todas e quaisquer opiniões políticas ou econômicas, e que inspira a benignidade no trato com todos, mas especialmente com os irmãos na Fé. Em segundo lugar, o senso católico. Se todos os católicos tiverem verdadeiramente o espírito da Igreja, incontestável é que eles estarão unidos, não apenas nos pontos fundamentais da Fé e da moral, mas ainda em uma multidão de outros pontos que a Igreja deixa entregues ao juízo dos fiéis. Se, entre os católicos, reinar a paz de Cristo no amor de Cristo, estará andado meio caminho para a realização do Reino de Cristo no mundo inteiro.

Agir sempre com a aquiescência da Igreja

Não para aí a fecunda exposição de princípios. É incontestável, diz Temps Présent, que há muitos assuntos em que os católicos deverão agir como tais, sem agir em nome da Igreja, posto que em nome desta só se pode pronunciar quem tem a necessária autoridade da Hierarquia Eclesiástica.

É preciso, pois, que os católicos, chamando sobre si toda a responsabilidade em assuntos em que o Episcopado não queira intervir, guardem, no entanto, em relação a este, toda a docilidade necessária para ensarilhar as armas, depor as mochilas e abaixar a bandeira ao mínimo sinal do Episcopado. Bem como que mude de rumos a qualquer momento, desde que o Episcopado assim pense.

Agir com a aquiescência da Igreja, e com o espírito da Igreja, sem agir em nome da Igreja, é linha de conduta que se tivesse sido adotada em ocasiões anteriores, teria salvo não só a França, mas o Brasil, de crises cujos dolorosos efeitos se farão sentir talvez durante séculos inteiros.

O católico deve conhecer bem a realidade de seu tempo, e aliar à sua sincera piedade uma ação enérgica e eficaz, mantendo-se numa inteira fidelidade à Hierarquia da Igreja

A Santa Sé e a pátria, objetos de nosso amor

Aí ficam os princípios. Quem conhece o trabalho do Legionário poderá ver até que ponto eles correspondem exatamente à nossa linha de conduta. E quem conhece de perto nossa vida política, econômica, intelectual e, sobretudo, religiosa, poderá dizer como essa linha de conduta é aconselhada e até imposta pelas circunstâncias em que vivemos.

Deixamos expressamente para o fim um último traço de analogia entre o programa de Temps Présent e o nosso. Temps Présent é irredutivelmente alheio a partidos políticos, procurando criticar o mal ou aplaudir o bem onde quer que o encontre. (…) O princípio em si é profundamente verdadeiro. Sirva ele de motivo de reflexão para os que gostariam de pintar no Legionário cores partidárias de diversos matizes, quando suas únicas cores são o branco, o amarelo e o verde que se encontram nas bandeiras da Santa Sé e do Brasil, porque são estes os únicos objetos de seu amor.

D. Domingues
À direita: O Papa Bento XVI preside uma ordenação episcopal na Basílica de São Pedro

Cumpre executarmos esse programa

A Quaresma é um tempo de reflexão e de contrição. Reflitamos sobre a magnífica síntese de nossos deveres para com a Igreja e a Pátria, que publicou Temps Présent.

E depois, façamos nossa emenda e nossa penitência. Se todos os católicos do Brasil executassem este programa, quanta glória extrínseca para Deus! Quanta grandeza para nossa Pátria!

Mas se tu, leitor, achas que todos os católicos deveriam cumprir este programa, porque não dás o teu primeiro passo neste caminho, arrastando os outros católicos pela oração, pelo exemplo, pela palavra?

(Extraído do “Legionário” de 13/3/1938. Título e subtítulos nossos.)