Wellington e Gerhard von Blücher durante a Batalha de Waterloo - Museu Vittoriano, Roma.

Dirigindo-se a um auditório composto por jovens, em sua maioria, Dr. Plinio, de forma lógica e atraente, explica a diferença entre os conceitos de honra e glória. Busca ele apresentar, a par dos princípios, exemplos concretos para, desta forma, além de iluminar a inteligência, mover também a vontade.

Há um pequeno episódio, célebre na História francesa — eu diria até, na História do mundo.

Napoleão estava derrotado, pois, em Waterloo1, Wellington destroçara seus últimos exércitos. A França estava desgovernada, e perto da fronteira francesa se encontrava um irmão de Luís XVI, o Conde d’Artois.

Luiz XVI, o rei que fora decapitado pela Revolução Francesa, não deixara herdeiro direto2. Tinha ele dois irmãos: o Conde de Provence e, outro mais moço, o Conde d’Artois. Se o Conde de Provence morresse sem filhos, o Conde d’Artois herdaria o trono3.

O Conde d’Artois estava aguardando o momento de entrar em seu país. Mas, dado que a França acabava de sofrer uma derrota espetacular, e as forças nacionais tinham sido drenadas por Napoleão nesta última resistência contra o adversário, o Conde d’Artois não queria tomar o trono às custas de uma convulsão social e política que pudesse exaurir ainda mais seu país. Ele preferia usar um meio jeitoso, político, para que, sem derramamento de sangue, fosse atendido seu ancestral direito ao trono.

Havia na França uma “velha raposa”, um homem que foi o mais hábil de seu século em matéria de diplomacia: Talleyrand, bispo apóstata de Autun, pertencente a uma família quase principesca.

Entre as suas inúmeras habilidades, estava a de manusear incomparavelmente bem as mil finuras da língua francesa. Possuía também muito prestígio político.

Certo dia, alguém veio à sua presença e lhe disse: “O Conde d’Artois está na fronteira, mas declarou que não entrará no país sem um chamado de alguém com influência na França. Estou aqui para saber se o senhor mandaria um cartão, convidando-o a entrar na França.”

Talleyrand — muito indolente na hora do descanso, mas uma águia no momento da ação — tomou um papel e escreveu com uma letra negligente o seguinte bilhete, que ficou célebre: “Monseigneur, nós estamos fartos de glória; traga-nos de volta a honra.”

O homem levou o bilhete para o Conde d’Artois, o qual afirmou: “Isto é um apelo.” E entrou na França.

Casamento da Santíssima Virgem – Louvre, Paris.

Honra e glória

Qual a diferença entre honra e glória?

Houve tempo em que o homem prezava acima de tudo o fato de ser honrado. A honra valia mais do que a fortuna, a inteligência, ou qualquer qualidade natural.

Mas, além da honra, existe a glória. Por que a França estava farta de glória e não tinha honra? O que vale a glória sem honra? E a honra sem a glória? Uma pessoa possuidora de ambas, o que mais deve prezar: sua honra ou sua glória? O que vêm a ser esses dois valores?

A análise disto nos remonta a uma cogitação mais profunda. A mente humana é formada de um modo singular. Não há quem não tenha ouvido falar de honra e de glória. Porém, creio que a imensa maioria das pessoas não sabe qual a diferença existente entre honra e glória. E não tenho vexame de dizer que eu, às vezes, tinha curiosidade de conhecer no que os dois conceitos se diferenciavam…

Com a minha perpétua falta de tempo, embora tivesse certa curiosidade de saber, nunca consultei isto num dicionário. Hoje, sabendo que deveria tratar da honra e da glória, procurei os dois conceitos. Mas são eles apresentados de tal modo, que apenas consegue verdadeiramente entender os significados de cada um desses conceitos quem já tenha pensado sobre o assunto. Quando não se refletiu anteriormente sobre algo, muitas vezes não se entende a explicação do dicionário.

Menção honrosa

Dizia o dicionário: “Honra é a consideração e homenagem à virtude, ao talento, à coragem, às boas ações ou qualidades morais de alguém.”

O pai de uma noiva sente-se honrado em levar sua filha ao altar; e a noiva, por sua vez, sente-se honrada em ser conduzida pelo braço do pai.

Façamos algumas aplicações para bem compreender o sentido da palavra “honra”. Por exemplo, no meu remoto tempo de aluno do Colégio São Luiz, a cada seis meses davam-se prêmios para os melhores alunos. Havia uma conferição de medalhas: a de ouro para o aluno que tivera um desempenho excelente; a de prata para quem conseguira nota muito boa.

Àquele que estava acima do comum, dava-se “menção honrosa”, quer dizer, seu nome era mencionado com honra, mas não recebia medalha. Tratava-se de um diploma escrito: “Menção honrosa em tal matéria.”

A honra, no caso concreto, era a avaliação de um talento ou de um esforço que o aluno fez para estudar.

Casamento honrado

Outro exemplo. Hoje estive na Igreja do Coração de Jesus4, a qual estava toda enfeitada para um casamento. Imaginemos a cerimônia: entra o pai da noiva, levando-a pelo braço. Ele se sente honrado em levar a sua filha ao altar. E a noiva se sente honrada em ser conduzida pelo braço do pai. Qual a razão?

Quando a filha tem uma virtude real e seu pai é um homem que se mostrou respeitável, por uma capacidade ou uma qualidade especial, ela lhe dá o braço contente: “Aqui está meu pai.” E o pai também fica satisfeito: “Esta é minha filha, que vai virgem às núpcias”, e a entrega ao noivo no altar, com cabeça alta: “Íntegra ela sai das minhas mãos para as suas.”

Nisso há honra porque está presente um talento ou uma qualidade moral especial. O ideal é estarem juntas ambas as coisas. É muito apreciável que um homem ou uma senhora tenha um talento marcante e, ao mesmo tempo, uma capacidade, uma virtude especial.

Família honrada

Suponhamos que, no entardecer da vida dos progenitores, uma família está reunida. Casa confortável, filhos numerosos em torno de uma mesa, alegres. É um jantar opulento, comemorativo das bodas de prata ou de ouro, quer dizer, os pais casaram-se há 25 ou 50 anos; felicidade de todos.

Estão honrando os pais. Por quê?

O pai, digamos, era um homem pobre e que fez alguma fortuna à força de negócios honestos, tendo revelado capacidade e, ao mesmo tempo, caráter, e todo o mundo na cidade diz dele: “Homem honesto é o Sr. fulano de tal.”

A mãe, muito dedicada — qualidade moral —, hábil dona de casa, conseguiu arranjar a casa de modo primoroso, sendo o jantar muito bem servido.

Têm honra por ambas as razões juntas: qualidade moral e talento, cada um a seu modo. O homem como chefe de família, ela como esposa fiel, cada um tem seus talentos e qualidades. Isto dá realce à festa das bodas, e torna saborosos os alimentos distribuídos que, sem isto, não teriam graça.

Dr. Plinio durante uma conferência.

O prêmio Nobel

Alfred Nobel, inventor da dinamite, deixou uma fortuna enorme para premiar todos os anos quem se assinalasse por seu talento, ou por sua virtude, em alguma coisa especial.

Uma comissão internacional indica os nomes daqueles que devem receber o prêmio — uma boa fortuna em dinheiro —, o qual é conferido na Suécia pelo rei, havendo depois um banquete com homenagens, no palácio real.

Vemos aqui aparecer uma noção que vai para além da honra: é o conceito de glória. No que a glória difere da honra?

Glória

É fácil compreender o que é glória quando se apanham os conceitos essenciais. Diz o dicionário: “Glória é a fama adquirida por ações extraordinárias, feitos heróicos, grandes serviços prestados à humanidade, às letras, às ciências, etc.”

A honra é o brilho distinto, digno de nota, da virtude ou do talento. A glória é o fulgor de um talento extraordinário ou de uma grande virtude.

Não se refere, portanto, apenas ao bom chefe de família ou à boa senhora que se distingue.

Um homem erudito merece honra, mas não glória, porque não empreendeu uma ação extraordinária. Ele demonstra uma capacidade distinta; porém, distinção não é celebridade. Célebre é o distinto visto através de uma forte lente de aumento. E o Prêmio Nobel existe para premiar apenas as celebridades.

Imaginemos um homem inteligentíssimo, mas que nunca produziu nada, porque, por exemplo, tem muito má saúde. Ou então porque precisa trabalhar para manter a família, o que lhe impede de fazer uma grande produção intelectual da qual seria capaz. Eu poderia perceber que é um gênio. Para mim ele mereceria glória e eu o trataria com muita distinção. Mas é desconhecido pelo público. Para ter glória é preciso ser conhecido. Para ser conhecido é necessário fazer alguma coisa.

A glorificação de um santo

Então, além de possuir qualidades eminentes, ele precisa ser conhecido. Dou um exemplo característico: São José, o qual teve uma existência inteiramente apagada, porque foi desígnio de Deus que vivesse na humildade.

Ele merecia todas as glorificações possíveis: fez ações extraordinárias, foi verdadeiramente o pai legal do Menino Jesus porque, embora Nossa Senhora fosse virgem antes, durante e depois do parto, São José tinha um direito, como esposo de Maria Santíssima, ao fruto das entranhas d’Ela. Porém, poucas pessoas souberam disso, enquanto ele estava vivo. Resultado: glória São José não teve.

Mas quando a Igreja começou a se expandir, e a reflexão sobre o Evangelho passou a ganhar corpo, os católicos se deram conta de quem foi ele. São José já possuía tudo para ser célebre, porém suas grandes ações não eram conhecidas. Quando o foram, ele se tornou célebre.

O que distingue a honra da glória?

A honra é o brilho distinto, digno de nota, da virtude ou do talento. A glória é o fulgor de um talento extraordinário ou de uma grande virtude.

Wolfgang Amadeus Mozart

Voltemos ao texto escrito por Talleyrand. Napoleão possuiu glória, pois revelou um talento militar extraordinário e alcançou vitórias de que todo o mundo fala até hoje.

Mas não teve honra, porque foi desprovido de virtude. Se houvesse feito em favor de um poder legítimo aquilo que realizou em favor de si mesmo, ele teria tido honra. Mas ele não exercia um poder legítimo, era um usurpador, e isso não traz honra.

Graus de honra

Se o respeito, o apreço que se deve à virtude, merece ser chamado honra, todo homem que pratica a virtude de modo suficiente, e vive habitualmente na graça de Deus, é honrado. E “homem honrado” está muito bem qualificado, porque ele merece essa honra de quem cumpriu a Lei de Deus, e uma coroa o espera no Céu.

Porém, há dois graus de honra: uma é esta honra comum que todo homem deve ter, porque cada um precisa viver conforme a Lei de Deus.

Existe, entretanto, uma honra mais distinta, maior, que faz com que o homem seja admirado pelos que estão na graça de Deus. Estes dizem: “Ele realiza o que nós fazemos, mas vai mais longe. Não chega a praticar ações célebres, mas é bem mais virtuoso do que a média.” Então, entre os honrados, esse é um homem que tem uma honorificência especial. Isso supõe um esforço especial, porque toda virtude é difícil. Não há virtude fácil. Nas nossas condições, ela não teria beleza se não fosse difícil.

Napoleão possuiu glória — pois revelou um talento militar extraordinário e alcançou vitórias de que todo o mundo fala até hoje — mas não teve honra, porque foi desprovido de virtude.

Napoleão Bonaparte – Palácio Pitti,Florença.

Mas não é só isto. Há também qualidades naturais, as quais Deus concede para quem quer, e que podem merecer honra. Por exemplo, o talento musical.

Alguns músicos nasceram com tal dom que, desde pequenos, fizeram obras-primas. O exemplo mais célebre foi Mozart, o famoso músico do século XVIII que, aos sete anos de idade, realizava concertos em público! Era um gênio! Essa qualidade musical decorreu de um conjunto de circunstâncias naturais, atavismos etc., bem como, provavelmente, de algum desígnio da Providência.

Ainda que Mozart fosse um homem de uma virtude comum, ele mereceria honra pelo fato de ter talento. E recebeu glória porque levou, pelo esforço, esse talento a um grau eminente.

Se ele tivesse sido um inconsequente e, por isso, não se dedicasse ao estudo da música, poderia, na idade madura, se apresentar num teatro, ocasião em que se diria: “Aqui está Mozart, um homem que aos 10 anos de idade compunha música. Ele agora tem 30 anos e vai tocar para nós.” Ele, então, dedilharia no piano uma música sem graça… O fato de se saber que ele nasceu com talento, mas não fez nenhum esforço, foi um “bicho preguiça”, provocaria desprezo.

Glória sem honra

Pode acontecer que uma pessoa seja de tal maneira dotada, do ponto de vista natural, que, sem esforço, brilhe de modo insigne. Pergunta-se: ela merece glória?

Merece. E se ela for preguiçosa? Terá uma glória sem honra.

Poder-se-ia perguntar o que é bom para um país: ter grandes gênios com glória, mas sem honra, ou possuir muitas pessoas com talento mediano com honra, embora sem glória.

Dr. Plinio no início dos anos 90.

Respondo: o homem com grandes qualidades e sem virtude, na maior parte dos casos, é um malfeitor. Exemplo, Talleyrand, que era dotado de qualidades políticas únicas. Ele praticou algum bem, mas, de fato, a soma de males que fez na vida foi enorme, porque usou mal seu talento, conforme convinha a seus interesses.

Um homem que tenha um talento oratório ou jornalístico muito grande será um benefício para seu país se ele usar bem o dom que recebeu para servir a Causa de Deus, de Nossa Senhora, da Igreja. Se não fizer isso, escreverá artigos de jornal, livros, fará conferências, orientando as pessoas para o mal. Nessas condições, será um malfeitor. É melhor para um país ter muita gente honrada, embora não gloriosa, do que muitas pessoas gloriosas, mas sem honra.

Peçamos a Nossa Senhora a graça de nunca buscarmos a glória, pois, na maior parte dos casos, compromete-se a glória quando a pessoa a procura para si. É preciso procurar a honra, a qual muitas vezes custa o sacrifício de qualquer possibilidade de glória. O caminho da honra nos espera. Se Ela quiser, será também a via da glória.

(Extraído de conferência de 22/3/1986)

1) Localidade da Bélgica onde, em 1815, ocorreu a batalha na qual Wellington derrotou as tropas de Napoleão.

2) Deixou o Delfim, que seria Luís XVII, que em sua infância, em consequência da Revolução Francesa, teve destino até hoje ignorado. Talvez tenha sido assassinado, após a execução de seus pais.

3) Ambos se tornaram reis da França: o Conde de Provence, com o título de Luís XVIII, e o Conde d’Artois, de Carlos X.

4) Situada em São Paulo, no bairro dos Campos Elíseos.