Continuando suas considerações acerca dos novíssimos do homem, Dr. Plinio ressalta os dois caminhos diante dos quais todo homem deve fazer a sua escolha: os horrores das penas imputadas aos réprobos, ou as maravilhas contempladas pelas almas eleitas.

No Juízo Final, quando os réprobos forem com seus corpos para o inferno, estes não estarão sujeitos à lei da gravidade. E aquelas chamas farão as pessoas rolarem, de um jeito e de outro, no meio das imprecações, das maldições e dos ódios recíprocos, porque eles se odeiam, se atracam e se maltratam entre si.

É a cidade eterna do ódio e do desespero. Não haverá remédio para nada. Nunca, nunca, nunca! E os condenados ali ficarão eternamente, eternamente, eternamente!

Isso causa terror, porém há mais.

É o próprio Deus que determina os tormentos

Eles terão no inferno — ao menos certos santos viram assim — como que vermes horríveis, corroendo-os e enchendo-os como que de doenças, as quais não os matam, não os consomem, mas os atormentam ainda mais. No meio dessa dor tremenda, os precitos sabem que Deus é o Autor de tudo isto, porque Ele é a causa primeira de todas as coisas. Se Deus é o Criador do Céu e da Terra, é também o Criador do inferno. Não houve outro ser que tenha criado o inferno. Ele é o motor primeiro de todas as coisas. Todas as coisas se movem, em última análise, pelo movimento comunicado por Deus. Portanto, Deus — talvez através dos anjos bons — está animando continuamente todos os tormentos do inferno.

São João Bosco, narrando os célebres sonhos dele — que, no fundo, eram revelações privadas —, conta que Deus lhe deu ordem para descer e ver o inferno; ele foi e, chegando próximo do inferno, deparou-se com uma muralha. Então um anjo disse-lhe que pusesse a mão na muralha. O santo sentiu que a muralha estava quentíssima — era a muralha mais externa, portanto a mais fresca do inferno —, ficou com medo e não quis colocar sua mão. Mas o anjo ordenou que o fizesse e ele apenas encostou a mão na muralha. Consequência: São João Bosco passou vários dias com a mão queimada e inutilizada…

Houve santos que receberam a ordem de Deus de verem o lugar que lhes estava destinado no inferno, caso não correspondessem à graça. A grande Santa Teresa de Jesus viu o local onde ela ficaria como uma prancha dobrada em dois, com pregos atravessando seu corpo; entraria numa espécie de forno, e dali somente seria tirada para padecer outros tormentos.

Como é verdadeira a expressão “Medita nos teus novíssimos e não pecarás eternamente”

Todos os sentidos do homem sofrem no inferno. Os cheiros são nauseabundos. Os espetáculos, hediondos. Os ruídos, o que pode haver de mais cacofônico. A música moderna, por mais medonha que seja, não dá senão uma ideia do que é o eterno ranger de dentes do inferno. As coisas mais pútridas enchem a boca. O tacto é desolado pelo fogo. Quantos outros horrores lá existem! E se pecarmos mortalmente, de um momento para outro, poderemos ir para o inferno.

Como é bom pensar nisso na hora da tentação!

Se todas as pessoas fizessem de manhã, logo após se levantarem, uma meditação rápida de um ponto a respeito do inferno, e durante o dia se lembrassem, de vez em quando, desse ponto, seria ótimo. Há despertadores que soam de tantas em tantas horas; quando ele tocasse, a pessoa se recordaria: inferno!

Li as revelações de Sóror Mariana de Jesus Torres — não está canonizada, mas morreu em odor de santidade —, à qual apareceu Nossa Senhora do Bom Sucesso, em Quito.

Ela aceitou ficar espiritualmente no inferno durante cinco anos, padecendo, para pagar os pecados e evitar que se perdesse uma freira, a qual havia se revoltado contra ela, que era a superiora. O que ela sofreu durante esse tempo, não há palavras que possam exprimi-lo! Nesse sentido, o inferno de vez em quando dá uma lambida e com a ponta da língua pega os que estão na Terra…

Considerem os martírios mais cruéis promovidos pelos imperadores romanos. Por exemplo, São Lourenço que foi assado vivo e sentia, entre outras coisas, a gordura de seus braços suspensos cair sobre seu peito em chamas. Causa horror! Ninguém aguentaria esses tormentos se não fosse uma graça especial de Deus. Isso não é nada em comparação com o inferno!

Não compensa correr o risco de esperar a misericórdia final

E a todo momento estamos a um fio disso.

Alguém poderia dizer: “Não é bem assim! Há tanta gente que peca e não vai para o inferno. Deus, na sua infinita misericórdia, leva a maior parte dos homens para o Céu. À última hora, vem uma graça e a pessoa se arrepende.”

Conta-se a história de um santo que viu um pecador cair de uma ponte, talvez tenha cometido suicídio. Presumo que era uma ponte alta, para a história ser verossímil. Então uma pessoa perguntou-lhe se o pecador tinha ido para o inferno. O santo respondeu: “Da ponte ao rio há algum tempo. Nesse tempo, é possível que a graça de Deus interviesse.” É verdade.

Mas São Luís Grignion de Montfort dá um princípio muito verdadeiro: estes são os casos excepcionais. Normalmente a alma, no estado em que vive, ela morre. E essas graças de última hora existem e são maravilhas da misericórdia de Deus; porém, são raras. Queremos correr o risco?

Se, fazendo algo, pudéssemos ficar com câncer, não quereríamos correr o risco. O inferno é muito pior do que isso!

A visão de Deus face a face

Viremos agora a página de nossas cogitações, e passemos para um campo completamente diferente: o Céu. É o contrário.

No Céu, a alma do eleito vê Deus face a face. Daqui onde estou sentado, vejo esses estandartes suspensos ao teto e um escudo com o leão rompante; conheço-os, porque estou vendo-os diretamente. Aqui na Terra, não podemos ver a Deus, a não ser que, por um fenômeno místico reservado a quão poucos dos seus eleitos, Ele nos aparecesse — isso nunca me aconteceu. Ele sabe a quem aparece! Não vemos Nosso Senhor Jesus Cristo, que recebemos na Eucaristia.

Ver Deus face a face é a maior alegria e o maior contentamento que um homem possa ter. Literalmente, inunda o homem de um gáudio, um gosto, de que não conseguimos fazer ideia, porque excede a tudo quanto seja possível imaginar.

Podemos usar umas comparaçõezinhas, de certa utilidade para que nossos sentidos, nossa fantasia, nos ajudem a imaginar o Céu, mas sabemos desde logo que não há nenhuma comparação possível.

Imaginemos que uma pessoa fosse colocada num astro — quem sabe se isso existe! —, o qual fosse o ponto por onde ela pudesse ver o universo com maior beleza. E ali pudesse contemplar um fulgor da pulcritude do universo, pela ordenação, pelo brilho, pela graça, força, grandeza, sabedoria que o ordena; ela ficaria pasma. Suponhamos ainda que esse astro fosse ele mesmo lindíssimo, todo feito de cristal, e de cristal transparente, através do qual passariam os raios de luz de todos os astros luminosos, de maneira que, de vez em quando, olhando para dentro dele, veria em ponto pequeno o jogo de luz que contempla em volta.

Inundados por uma felicidade que não se pode imaginar

Para recorrer a uma fantasmagoria de Platão, imaginemos que esse astro, girando, produzisse uma música inebriante. E dele desprendesse um pó com um perfume magnífico, e proporcionasse um sabor extraordinário e infatigável. Suponhamos também que a pessoa pudesse sentar-se numa elevação desse astro, com uma comodidade tal como nenhum assento na Terra lhe pudesse fornecer.

Após o Juízo Final, quando os réprobos forem com seus corpos para o inferno, passarão a compor a cidade eterna do ódio e do desespero. Não haverá remédio para nada.

Durante algum tempo, ela ficaria encantadíssima, mas depois quereria uma criatura humana para conversar. Temos razões para estarmos fartos um do outro; porém, colocados num astro, porque nossa natureza é sociável, desejaríamos um ser inteligente a fim de mantermos conversação.

Digamos que Deus misericordioso não lhe enviasse um homem para aborrecê-la, e sim um anjo que, num agitar de asas encantador, lhe aparecesse em forma humana, magnífico. A pessoa se poria em oração diante do anjo, o qual sentando-se perto dela lhe dissesse: “Vamos conversar.”

Sabemos que a natureza angélica é tal que o menor dos anjos é mais inteligente, sábio, poderoso, majestoso, afável, íntimo e grandioso do que o mais perfeito dentre os homens.

A pessoa começa a conversar maravilhada e, de vez em quando, o anjo canta louvores a Deus para ela ouvir. Dá jornais falados do Céu, pois ele está também no Paraíso e narra o que vê: “Nesta hora a gloriosa falange dos serafins desfila diante de Nossa Senhora, aclamando-A. Está acontecendo isso, aquilo etc.” E ela percebe no anjo o gáudio de tudo isso.

Diante dessa hipótese, pensamos: “Poderíamos passar uma eternidade conversando com esse anjo, pois sempre haveria temas para se tratar com ele.”

Ilusão!

Ao cabo de mil anos, nós o teríamos conhecido e lhe perguntaríamos com muito jeito: “Não tendes um companheiro?” E com jeitinho brasileiro: “Como é vosso superior?”

Digamos que esse anjo, com muita bondade, nos obtivesse a vinda do superior dele. Depois de mais mil anos, o fato se repetiria. Quando toda a fileira dos anjos fosse esgotada, no final diríamos: “Como o Céu é enorme, entretanto eu vi tudo e ainda não me saciei!”

Mas isso não sucede com Deus, que é absoluto, perfeito, eterno. Somente Ele nos sacia inteira e perfeitamente! E quando o beneplácito d’Ele desce sobre nós e nos chama pelo nosso nome, Plinio, Pedro, Antônio, sentimos o nexo e semelhança com Ele, bem como sua glória. O Criador nos glorifica, acaricia, ama, sem um minuto de interrupção, nem de diminuição de intensidade.

Eternamente afagado por Deus

Sendo infinito e absoluto, Deus é totalmente insondável para nós. E poderíamos passar — se se pudesse dizer no plural a palavra eternidade, pois ela é uma só — uma eternidade de eternidades olhando para Ele, que sempre seria para nós inteiramente novo.

Não é só!

Deus se mostraria a nós e nos faria saber o que a Fé nos ensina: se olharmos para os outros bem-aventurados, veremos algumas coisas que Ele não nos revela. Contemplando Nosso Senhor Jesus Cristo, teremos razões de encantamento inexcedíveis; Ele é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, hipostaticamente unida à natureza humana. Em Nossa Senhora, teremos o espelho perfeito de Deus. E depois os nove coros de anjos; cada anjo, a seu modo, nos diz mais alguma coisa de Deus; eles estão continuamente se dando os jornais falados, ou melhor, cantados, de Deus. Isso para o elemento principal de nosso ser, que é a alma.

Juízo Final – Museu São Pio V (Valência, Espanha).

Mas, haverá também, depois da ressurreição, maravilhas para o nosso corpo.

O auge do deleite para todos os sentidos

O grande e incomparável Cornélio ensina que, além do Céu onde se vê Deus, há um local físico no qual ficarão os corpos dos bem-aventurados unidos às suas almas. Enquanto a alma vê a Deus face a face, o corpo — o homem ressurrecto está totalmente vivo, sem doenças, sem misérias, nem sujeito à morte —, que não produz mais podridão como sucede nesta Terra, se encontra num lugar de felicidade perfeita. E para adestrar e dar alegria aos seus sentidos — uma vez que os sentidos dos condenados têm tormentos, é justo que os dos bem-aventurados tenham alegria —, neste Céu empíreo há todo um mundo material que enche o homem de encantos mil, muito superiores ao Paraíso Terrestre; é o que se chama Paraíso Celeste.

O Paraíso Terrestre é tão lindo! O Paraíso Celeste é incomparavelmente mais belo! Os sentidos do homem terão uma festa constante e perfeita, dentro da temperança mais exemplar, da satisfação mais inteira; o auge da beleza para os olhos, da harmonia para os ouvidos, da delicadeza para o tacto, o pináculo de tudo que se possa imaginar existirá inebriando o corpo, ao mesmo tempo em que o homem contempla a Deus face a face.

Mais ainda, Cornélio cita autores os quais dizem que os anjos se comunicarão de maneira a serem percebidos pelos sentidos do homem. Então formarão jogos de cores, de nuvens etc., que são mensagens deles, porque o olho humano não pode ver o puro espírito. E acrescenta ele que, assim como o músico comunica seu pensamento pelo som, os anjos, por essas figuras, comunicarão seu ser, seu amor, e estaremos continuamente inebriados de toda espécie de alegria possível.

Então, meus caros, não haverá mais quem nos diga aquela frase Fugit irreparabile tempus1; pelo contrário, tudo cantará uma palavra maviosa: Eternidade!

Quando formos convidados para um sacrifício, um ato de virtude, devemos pensar o que eles nos vão conquistar na eternidade.

Li um livro do século XIX, que tinha imprimatur — não sei o que a sã Teologia diz hoje a respeito disso, e eu me conformo com a sã Teologia —, escrito pelo Abbé de Broglie, francês, que sustentava que o homem no Paraíso Celeste tem a circulação sanguínea, respiração e se alimenta de vinhos e comidas deliciosas, que o regalam sem depois se transformar em podridão, porque o corpo do bem-aventurado está na glória e não tem misérias. Podemos, assim, imaginar o auge das delícias que um homem tem no Céu empíreo.

(Extraído de conferência de 23/7/1983)

1) O tempo foge irreparavelmente. Com frequência Dr. Plinio terminava suas exposições para os mais jovens pronunciando essa frase.