Poucas palavras no léxico moderno possuem tantos significados quanto a expressão “cultura”. Estudiosos chegaram a contabilizar mais de 160 acepções diferentes para o termo.

Na vida cotidiana, costuma-se associar o adjetivo “culto” a diversos predicados individuais. Este adjetivo é comumente usado como correlato de instrução, ciência, erudição, ilustração e sabedoria.

Aplicada à sociedade, seu sentido atual parece significar progresso, desenvolvimento ou tudo aquilo que corresponderia ao avanço técnico e social. Há ainda a distinção entre “cultura erudita” e “cultura popular”.

O antepassado etimológico da palavra tinha o sentido de “agricultura”, significado que a palavra mantém ainda hoje em determinados contextos biológicos e arqueológicos.

Durante o século XVIII, o vocábulo foi associado por autores católicos ou anticatólicos ao conceito de “civilização”. Nesta época a cultura muitas vezes se confundiu com noções de educação, requinte e elegância. E, de fato, a Europa daquele tempo — inclusive nas camadas populares da sociedade — estava repleta de delicadeza, bons costumes e comportamentos aristocráticos.

No século XIX, o antropólogo britânico Edward Burnett Tylor definiu cultura como “aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. No entanto, esta definição parece ser tão abrangente que poderia ser aplicada por cientistas ao modo de viver dos primatas, considerados por alguns como portadores de uma “espécie de cultura”…

Hoje o significado técnico-científico, aliado ao desenvolvimento social, predomina no uso da palavra. O homem imbuído desta forma de considerar o termo “cultura”, num contato superficial com a Igreja, pode julgar que a espiritualidade borbulhante das manifestações populares de Fé e a dedicação incondicional às obras de caridade e evangelização não se coadunam com a cultura. Pela mentalidade contemporânea, o apreço pela humildade e pela liturgia, a adesão às verdades de Fé — embora de fato razoáveis mas não evidentes à razão — e a preocupação com a moralidade dos atos humanos parecem contrariar a atual noção de cultura.

Assim, tais atividades, ditas essencialmente eclesiásticas, podem, como é evidente, tolher o tempo para o estudo e para uma consideração crítica do Universo. Este é o motivo pelo qual, num primeiro contato com a Igreja, pode-se apressadamente julgar que ela não prima pela cultura no sentido corrente. A salvação das almas e a santificação da ordem temporal parecem assim ser contrárias a tudo aquilo que se define como cultural. A Igreja é, portanto, classificada como anticultural.

A Fé e a evangelização são de fato um obstáculo à cultura? O ideal da Igreja, que é a santidade, é contrário à realização da cultura? A vida interior, o apostolado e o amor à Fé e à moral podem existir sem cultura? Pode haver cultura sem santidade? Pode haver santidade sem cultura?

No artigo “Verdadeira cultura e santidade”, Dr. Plinio traça brilhantes considerações sobre as misteriosas relações entre estas duas irmãs que parecem separadas pelos séculos como inconciliáveis inimigas. Em verdade, a cultura e a santidade só alcançam a plena realização de si mesmas quando caminham numa indissolúvel união.