Farol da Barra - Salvador, Bahia.

Embora fosse bondosíssima, Dona Lucilia sabia ser intransigente, quando necessário. Porém, ao tomar uma atitude de firmeza em relação aos defeitos de alguém, ela o fazia à semelhança de um farol: iluminava sem ferir.

Mamãe exercia uma ação a mais tranquilizante, a mais sobrenaturalizante que eu tenha conhecido. Vê-la rezar para o Sagrado Coração de Jesus ou para Nossa Senhora significava para mim como se eu rezasse duas vezes.

Várias vezes notei que atos de virtude dela eram incompreendidos por certas pessoas, embora fossem verdadeiramente atos de muito valor; e que essa incompreensão gerava em relação a ela uma espécie de censura, de má vontade, que era de inspiração nitidamente revolucionária. Ela percebia isto de um modo confuso, mas algo notava e tinha para com isto um perdão sublime e muito tranquilo.

Eu não procurava acentuar o que ela via, porque é preciso que as pessoas observem o que Deus permite. Às vezes ela comentava alguma coisa e lamentava muito. Entretanto, mesmo comigo, a esse respeito ela se abria pouco, porque não gostava de falar mal de ninguém. Para comentar a respeito deste ou daquele que tinha para com ela certa incompreensão, Mamãe teria que fazer uma censura a essa pessoa, e isso era contrário ao temperamento dela.

Encontro harmonioso entre dois temperamentos

Havia um encontro sumamente afetivo e harmonioso entre o temperamento dela e o meu.

Em que sentido?

Sendo uma senhora, uma mãe de família, ela deveria representar dentro da casa, antes de tudo, o afeto, a doçura. Eu sou um homem chamado pela minha vocação para a luta, devendo representar em torno de mim a batalha. De maneira que muitas vezes, quando nós falávamos de uma pessoa ou outra, eu comentava com um calor, um vigor que está ligado ao meu modo de ser. E ela mais de uma vez intervinha e dizia:

“Não, coitadinho, ele é bonzinho, tem tal lado assim…” E encontrava algum aspecto por onde atenuar os defeitos daquela pessoa. E isso a levava a quase não falar senão com muita moderação. A moderação era uma das grandes características que Mamãe possuía.

Palavras de fogo e suavidade

Lembro-me de que, passando eu de adolescente para moço, os meus olhos começavam a se abrir para as pessoas com quem convivíamos: parentes, amigos da família, pessoas da mesma categoria social, etc.

E de vez em quando eu comentava com ela essa ou aquela pessoa. Mas eu o fazia logo com palavras de fogo. E ela tinha um modo muito suave de atuar… Ela e eu almoçávamos numa mesa quase redonda, um diante do outro. E minha mão ficava ao alcance da mão dela. Então quando eu sapecava uma pessoa qualquer com um comentário, ela batia com os dedos ligeiramente na minha mão, querendo dizer: “Meu filho, tenha prudência, tenha paciência, veja bem, isso não é exatamente assim.”

Ou significava pelo menos: “Não fale, porque é uma pessoa a quem nós devemos respeito, por tal vínculo de amizade, tal tradição de família, etc.”

E eu, que estava na minha mocidade e na minha truculência natural — meu pai era pernambucano e os pernambucanos são muito facilmente truculentos —, falava no duro. Recordo-me de que, numa ocasião, referindo-me a uma pessoa que conhecíamos, eu disse para ela: “Mamãe, andei prestando atenção nele e notei que é um sacripanta, um sem-vergonha, não vale nada!”

Imediatamente ela tomou uma atitude como quem queria dizer: “É, mas não diga tanto assim, porque é uma pessoa a quem nós devemos algo.” E falou-me:

— Coitadinho — o coitadinho já era avô… —, ele é assim mesmo, mas não devemos olhar tanto para isso.

— Mas, meu bem, como não olhar? Saltam aos olhos as “tratantices” que ele faz. Diga-me a senhora: Ele presta ou não presta?

Lembro-me da saída que ela encontrou. Estávamos almoçando e ela comendo algo de que não me recordo, mas que exigia que ela enrolasse com o garfo, digamos que fosse macarrão. Antes de pôr o garfo na boca, ela disse: “Coitadinho, ele é muito ‘à toinha’ mesmo.”

E eu: “‘À toinha’ não, sem-vergonha!”

Eram os modos de ser próprios a cada um, e ao papel que cada um deveria representar no meio em que estava. E ela, como mãe de família, nas circunstâncias em que se encontrava, desempenhava bem o seu papel.

Dona Lucilia, poucos meses antes de sua morte.

Martelo e farol

Ela era muito bondosa, mas também muito intransigente. Quer dizer, quando se fazia algum mal, ela não transigia, não elogiava e, às vezes, afirmava: “Aquilo é ruim por tal razão. E fiquem cientes de que eu não estou de acordo com aquela pessoa.”

Mamãe tomava atitude bem firme, porém não ficava sempre martelando. Uma coisa é martelar com insistência, outra é a maneira como uma mãe de família chama atenção para algo. O martelo é bem diferente do farol. O farol ilumina e, às vezes, até cega quem, no mar, está dirigindo um navio. Mas ilumina, não espanca. Ela fazia o papel de farol.

(Extraído de conferência de 2/10/1993)