Dona Lucilia em 1892, aos 16 anos de idade

Analisando as fotografias de Dona Lucilia, percebe-se que ela possuía uma luz, pela qual estava continuamente voltada para a consideração de altos horizontes; e um de seus maiores sofrimentos era ver as devastações que a ausência dessa luz produzia nas almas.

Dona Lucilia era uma pessoa que tinha uma confiança heroica na Providência, e com um matiz diferente da confiança que possuímos.

Confiança de que certo lumen a acompanhará até o fim de seus dias

A vocação nos pede que confiemos em que tal coisa se dará, ou tal outra não acontecerá. Com ela não era propriamente assim; suceda o que suceder, um certo lumen da vida dela a acompanhará até o fim. Ainda que esse lumen entre em ocaso, não desaparecerá de seu horizonte sem que ela tenha entrado no Céu. E por isso ela vivia nessa confiança. No fundo, não queria dizer que não acontecerá nada de ruim, mas, por pior que seja a situação, tudo se arranjará em função dessa confiança. Era essa a posição dela.

E acredito que a ação dela nas almas produz certo reavivar disto e, se pedirmos bastante, pode chegar ao reacender da chama. Ou seja, ela torna mais leve a situação, mais agevole, mais praticável, encurta os caminhos pelo deserto etc. Não aludo a mim, não era eu esse lumen. Se eu morresse, ela continuaria a confiar na Providência. Uma coisa é o relacionamento dela comigo, outra são as relações minhas com meus discípulos. Não podemos confundir as duas coisas.

O Quadrinho

Por exemplo, há fotografias dela nos tempos de moça, antes de se casar, nas quais se pode ver um olhar… Aquilo era o lumen dela. Era algo que mamãe via, procurava e que ela maturou ou que maturou nela… e para o qual ela olhou até o último instante de sua vida.

É difícil definir o que era esse olhar, mas isso está presente em todas as fotografias dela; no fundo, está considerando esse lumen.

No “Quadrinho1”, ela não está olhando nada de concreto. Aliás, mamãe sofria de uma catarata avançada, por causa da idade, e creio que ela via muito pouco, mas nunca quis perguntar-lhe. Eu a levei ao médico, que me disse baixinho: “Isso se resolve apenas com uma operação”; mamãe não ouviu. Ela já estava numa idade em que uma intervenção cirúrgica poderia ser um trauma; por isso, não a fiz operar. Apesar disso, no “Quadrinho” mamãe olha para um ponto indefinido, e que acende uma luz nela.

Uma graça que lhe fazia ver um horizonte pleno de sublimidade

Mas o que era esse lumen?

Evidentemente era algo de substância, de fundo religioso, mas como uma senhora o concebe, não, portanto, teologicamente expresso. Tratava-se de uma graça que produzia efeitos na fisionomia dela, fazendo-lhe ver um horizonte longínquo, cheio de sublimidade e, ao mesmo tempo, exigindo dor e dando afabilidade. E que lhe permitia relacionar muito as coisas, de maneira a achar bonitas, agradáveis, belas, quando eram criadas por Deus.

Ela era muito pormenorizada em tudo. Por exemplo, ao comentar o franzido das pétalas de um cravo e como era diferente de outra, mostrando a bonita variedade que isso possuía. Eu não me lembro em concreto que ela tenha falado isso sobre os cravos, mas seus comentários eram nessa clave.

Assim mamãe via todas as coisas da natureza. Ela era mais sensível à natureza do que eu, e menos sensível à arte do que eu. Isso se explica porque, no fundo, vejo na arte um fenômeno de opinião pública, e isso ela pegava de um modo muito vago, incompleto, como era vocação dela, tão ligada à minha, mas era outra. É compreensível, e até absolutamente natural.

Tomem, por exemplo, uma fotografia dela tirada em Paris, à maneira daquele tempo, sentada num banco de madeira laqueado de branco, muito pouco bonito. Ela sabia que estava sendo fotografada e tomou uma atitude conveniente, como se fazia naquela época.

Dona Lucilia em Paris, no ano de 1912
O Salão Azul, tendo ao fundo a imagem do Sagrado Coração de Jesus, onde Dona Lucilia rezava por longos períodos. No detalhe a mesma imagem do Sacratíssimo Coração.

Percebe-se que ela está prestando atenção, mas seu olhar está noutra cogitação, que era continuamente a consideração de altos horizontes e uma interpretação da humanidade, da vida, portanto, dos próximos dela, em função de uma desilusão que vinha crescendo. De minha parte, fiz o possível para que não houvesse essa desilusão a meu respeito. Um de seus maiores sofrimentos era ver as devastações que a ausência desse lumen produzia nas almas.

Modo como Dona Lucilia rezava

No convívio com mamãe, eu recebi muito disso; e ela devia ver em mim, mas dava manifestações mínimas. Demonstrava muito carinho, mas palavras faladas, não.

Não me consta que mamãe me tenha feito um elogio a ninguém. As cartas dela transbordam de afeto e de carinho altamente elogioso, de maneira implícita; dizem muito como ela me quer bem, mas não fundamenta a razão do querer bem.

Quando ela afirmou “eu só tenho a você, mas você eu tenho inteiramente”, não era um elogio, mas uma manifestação de afeto; e isso ocorria a toda hora, mas era diferente de um elogio.

Presenciei muitas vezes mamãe rezar. Nunca a vi orar com fisionomia romântica, sonhadora, sorrindo para a imagem… Nada disso, absolutamente. Mas ela sempre estava muito recolhida, muito respeitosa. O afeto transbordava dela, especialmente quando estava de pé, rezando próximo à imagem do Sagrado Coração de Jesus, no salão azul.

O olhar dela era de uma grande elevação, mas, por assim dizer, nunca paramos para nos olhar um ao outro, a não ser uma vez ou outra, quase mais por gracejo, instantaneamente, uma coisa muito fugaz.

Mas eu peregrinei muito nesse olhar, como uma ave voa no céu!

(Extraído de conferência de 2/5/1981)

1) Modo como Dr. Plinio chamava o pequeno quadro que retratava Dona Lucilia, e que fora pintado por um de seus discípulos na década de 1970.