Se lhe fosse permitido por Deus, Dona Lucilia desceria do Céu para consolar os que sofrem nesta Terra a fim de que seus sofrimentos cessassem ou, em certos casos, que aguentassem a dor, com resignação e dignidade.

Dona Lucilia tinha um horror ao Inferno, que era um misto de temor reverencial e de asco. Parecia-lhe — e com muita razão — que são pessoas repugnantíssimas que caem lá. E ela fazia expressões de fisionomia que exprimiam o asco de um modo muito categórico.

Horror aos réprobos e compaixão pelas almas do Purgatório

De maneira que não devemos supor, nem um pouco, que ela tivesse o menor movimento de compaixão para com aqueles de quem nem Deus tem compaixão; foram condenados e mandados para o Inferno, está tudo acabado.

Mas ela sentia muita compaixão pelas almas que estavam no Purgatório, e gostava de rezar por elas. E uma ou outra coisa que mamãe tinha lido em livros de piedade, sobre o Purgatório, de vez em quando ela comentava. Mas a atenção principal dela orientava-se para o Céu e o Sagrado Coração de Jesus.

Eu me pergunto se ela, no Céu, pediria para descer à Terra a fim de nos consolar. Acho que é certo que ela pediria e teria um gosto enorme em fazer isso. Mas com o cuidado de não fazer tantas vezes que nos tirasse o mérito. Ela tinha uma concepção dura das coisas, quer dizer, era preciso sofrer nesta Terra. E, portanto, toda ideia de transformar a bondade num fator de desaparecimento da dor, seria uma coisa que ela não veria com bons olhos.

Dona Lucilia seria, isto sim, muito propensa a descer à Terra — se lhe fosse permitido — e consolar os que estão sofrendo para que, em alguns casos, o sofrimento cessasse; e, em outros casos, que as pessoas continuassem a padecer e aguentassem a dor com resignação e dignidade.

[Perguntam como eram comemorados os aniversários de Dona Lucilia.]

Comemoração do aniversário de Dona Lucilia…

Mamãe tinha certeza absoluta de que eu compareceria para comemorar o aniversário dela. Morávamos na mesma casa, e ademais ela sabia bem o quanto eu a queria e, portanto, era certíssimo que estaria presente.

Laurenz Bobke

Ela poderia ter um certo receio de que, levado por preocupações do escritório, eu chegasse tarde, mas não começaria a refeição comemorativa do seu aniversário sem minha presença. Os convidados já sabiam disso, e não insistiam. Embora ficasse às vezes um pouco preocupada, ela não me dizia nada para não me contrariar.

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Aspectos de Wiesbaden, Alemanha

O que havia de minha parte nessa ocasião era algo que pareceria impossível fazer, mas cabia numa circunstância assim: um redobramento de carinho. O carinho mesclado com um pouco de brincadeira que eu fazia com ela sobre um ponto ou outro, e que ela sabia muito bem ser gracejo.

Por exemplo, já contei que frequentemente — acho que devido a essa temperatura aqui de São Paulo —, quando a osculava, eu sentia no meu rosto a ponta do nariz dela ligeiramente fria; então eu perguntava: “Como é, está com muito frio no nariz?”; são brincadeirinhas que se fazem para dar um pouquinho de alegria à vida de família.

…e o de Dr. Plinio

Ela festejava muito mais o meu aniversário do que o dela, mas isso não dependia de mim. O meu aniversário era comemorado no almoço e no jantar, com um menu redobrado; enquanto no aniversário dela havia só uma ceia em que compareciam os parentes mais chegados.

Para mim ela sempre mandava fazer um pombinho, porque quando estávamos na Alemanha, no hotel de uma estação de águas medicinais, chamada Wiesbaden, serviam pombinhos com certa frequência. E quando vinha esse prato à mesa, eu, sempre muito interessado em assuntos gastronômicos, já percebia de longe e dizia em voz alta, batendo palmas: “Mamãe, pombinhos!”

Dona Lucilia fazia-me sinal para não fazer barulho numa sala de jantar de um hotel solene. Basta dizer que nessa grande sala de jantar havia um ambiente, separado por um cortinado, com uma mesa montada para o Kaiser e pessoas da corte. Quando o Kaiser chegava, corriam as cortinas, tocavam o hino da Alemanha, batiam palmas, o Monarca agradecia, sentava-se e depois o almoço corria.

Mas, apesar da atenção dos empregados sempre voltada para a ideia de que, nos períodos de férias, o Kaiser poderia aparecer de uma hora para outra, o copeiro ficava muito contente quando tinha pombinhos porque gostava de ver a minha reação. Ele procurou traduzir a palavra pombinhos por “pimbinchen”. Não existe em alemão nem em português essa palavra; é uma mescla de subalemão e de nulo-português… E ele mostrava de longe o prato para mim e dizia: “Pimbinchen!”, e eu ficava muito contente.

Então, quando chegava o meu aniversário, ela mandava comprar “pimbinchens” na feira e os preparava segundo uma receita especial, e ficava uma coisa muito gostosa. Colocava três ou quatro “pimbinchens”, além de uma sobremesa. Tudo adequado. E quando vinham os pombinhos, ela dizia: “Filhão, seus ‘pimbinchens’.” E eu, às vezes, manifestava maior alegria para contentá-la também.

Isso era a nossa despretensiosa vida comum, mas que para mim consistia um tesouro com valor sem nome!

No tocante ao aniversário dela, Rosée se incumbia do presente, porque eram, em geral, artigos de senhora, dos quais eu não tinha a menor ideia. Eu combinava com minha irmã, acertávamos as contas e ela fazia a compra. De maneira que, às vezes, eu nem tomava conhecimento do que tinha sido dado. Mamãe sabia que isso era assim.

Evidentemente, fazíamos mais orações um pelo outro, mas não dialogando. São coisas do modo de ser paulista antigo. Isso não quer dizer que seja o ideal, mas também não acho reprimível; creio ser um modo de proceder que poderia ser melhor, mas estava bem.

(Extraído de conferência de 22/4/1993)

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