Certa ocasião, Dr. Plinio encantou-se com a descrição feita por Antero de Figueiredo de um mendigo espanhol que, cônscio de sua dignidade de filho de Deus, pedia com tal distinção a caridade de uma esmola, que mais se assemelhava a um fidalgo maltrapilho do que a um esmoleiro.

Semelhante impressão causou-lhe a réplica de uma simples camareira a uma das filhas de Luís XV. Ao ver-se obrigada a se opor a um abuso de autoridade, a fiel servidora ouviu de sua senhora a ameaçadora pergunta: “Não sabes que sou filha do Rei?”

A humilde mucama retrucou, num tom respeitoso, mas firme: “E não sabeis, Alteza, que sou filha de Deus?”

Contudo, maior admiração experimentou Dr. Plinio ao tomar conhecimento de que a Bem-aventurada Anna Maria Taigi, mera dona de casa e cozinheira dos Príncipes de Colonna, causava encanto ao caminhar pelas ruas de Roma, devido a seu porte que muito se assemelhava ao de uma rainha.

De onde vinha tanta dignidade que conferia nobreza a pessoas do povo? Antes de tudo, concluía Dr. Plinio, de almas habitadas pela graça divina.

Sempre lhe foi muito cara a tese — mencionada na seção “Hagiografia” da presente edição1 — de que um dos principais fatores de enobrecimento é a prática da virtude. De modo correlato, a situação de pecado, escandalosa e duravelmente sustentada, constitui grave razão para destituir alguém de suas dignidades nobiliárquicas.

Tese essencialmente contrarrevolucionária, pois apresenta o fundamento divino de tudo o que é nobre e elevado, enquanto aponta como uma das principais tarefas da nobreza dar exemplo das virtudes cristãs.

Assim como um religioso, por vocação, deve tender à perfeição, também “a condição de nobre — dizia Dr. Plinio — é a de quem deve ser perfeito no plano espiritual, quer dizer, exímio no cumprimento dos Mandamentos, no amor a Deus, à Igreja e ao próximo, de um lado. De outro lado, ele deve ser exímio do ponto de vista temporal, procurando fazer tudo perfeitamente bem, até mesmo as mínimas coisas, como o modo de servir-se de um peixe ou de suspender um copo para tomar água, porque a missão dele é ser o homem arquetípico.”2

Dentro desta perspectiva católica, torna-se completamente vazia de sentido a luta de classes promovida pela Revolução, pois o que impede a verdadeira harmonia entre nobres e plebeus, como também entre ricos e pobres, não são as diferenças existentes entre essas camadas da sociedade, mas o prurido igualitário que eventualmente domine seus membros.

Com efeito, o mesmo espírito revolucionário que impele o plebeu ou o pobre a se revoltar contra o nobre ou o rico leva estes a desprezar e, por vezes, explorar aqueles, pois ambos os extremos estão impulsionados pelo orgulho — uma das molas propulsoras da Revolução3 — e não pela graça de Deus.

Eis a razão pela qual o Magistério da Igreja sempre apontou como contrária ao verdadeiro espírito cristão a promoção da luta de classes.

Em 19 de março de 1993 era publicado o último livro de Dr. Plinio, “Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana”4, no qual o Autor, baseando-se em pronunciamentos do Magistério eclesiástico, trata do importante papel das elites na sociedade contemporânea.

Essa obra, profundamente imbuída do autêntico espírito católico, o qual sempre inspirou o amor à hierarquia, promove a cooperação e a harmonia entre as classes sociais.

Desse espírito de harmonia nos falam as duas grandes festas celebradas pela Igreja no mês de março, respectivamente nos dias 19 e 25: São José, Esposo da Bem-aventurada Virgem Maria, Padroeiro da Igreja Universal, e a Anunciação e Encarnação do Verbo.

Poderiam existir diferenças mais extremas do que aquelas que conviviam harmoniosamente no seio da Sagrada Família?

Ali estava um Menino no qual a majestade divina se unira à pobre natureza humana. O sacrário onde se operou tal união foi o claustro virginal da humilde esposa de um carpinteiro, ambos descendentes da estirpe real de Davi, e que, ao se tornar Mãe de Deus, foi elevada à dignidade de Rainha dos Anjos, dos homens e de todo o universo.

São José, por sua vez, o menor de todos, era quem exercia a autoridade sobre a Mãe e o Filho de Deus.

Como comentava Dr. Plinio, “três perfeições que chegaram todas ao auge ao qual cada uma devia chegar. Três auges desiguais que se amavam intensamente e se intercompreendiam, e onde Deus quis que reinasse uma hierarquia com uma ordem admiravelmente inversa: o chefe da casa no plano humano era o menor na ordem sobrenatural, e o Menino que devia obediência aos dois era Deus. Inversão que faz amar ainda mais as riquezas e as complexidades de toda ordem verdadeiramente hierárquica. Eram perfeições altíssimas, maravilhosas, mas desiguais, realizando uma harmonia de desigualdades admirável como não houve jamais no resto da Terra, dando assim lugar a que toda a alma fiel que quisesse fazer uma reflexão sobre esse assunto, pudesse entoar um hino de grandeza, de admiração e de fidelidade a todas as hierarquias e a todas as desigualdades.”5

1) Cf. p. 26.

2) Conferência de 10/11/1989.

3) Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Revolução e Contra-Revolução. Parte I, cap. VII, 3 – A.

4) Porto: Livraria-Editora Civilização.

5) Conferência de 2/11/1992.