Sendo um estilo artístico expressão da mentalidade de um povo ou de uma área de civilização em determinada época, pode ele sofrer variações, ser copiado ou substituído por outro? Dr. Plinio aborda estas e outras interessantes questões em torno do tema “arte”.
Se houvesse uma arte moderna, contemporânea, boa, teria propósito restaurar as coisas coloniais? Não é legítimo que, artisticamente falando, as coisas evoluam e que cada época tenha o estilo que lhe é próprio? Não é isso uma coisa adequada, conveniente? Nós não vemos cada país ter seu estilo próprio? Não notamos como, na civilização ocidental, o gótico foi substituído pela arte da Renascença e depois por outras formas artísticas sucessivas? Então, se cada época criou um estilo próprio, por que haveremos de rejeitar um estilo suposto bom de nossa própria época? Isso pareceria ser uma coisa antinatural, um conservantismo levado ao excesso.
Distinção entre os estilos e os seus matizes
Imaginemos uma construtora que fizesse casas de estilo antigo, bonitas, confortáveis, porém, que se prestassem à seguinte crítica de caráter artístico e não funcional: são cópias, em nossos dias, de um estilo que não é de hoje. Portanto, um estilo morto. Ora, copiar é intrinsecamente uma falta de originalidade. É até uma coisa artificial copiar algo que morreu. E nesse sentido, essa ação conservadora é um mal.
Parece-me que é preciso fazer uma distinção entre o estilo e os matizes dentro do mesmo estilo. Quer dizer, o estilo pode continuar igual a si mesmo, passando por matizes, por variantes. Mas ele é sempre o mesmo estilo. Então, a pergunta se desdobra: Primeiro, o estilo deve variar? Em segundo lugar, ele deve mudar em seus matizes internos? Em terceiro lugar, um povo, uma civilização devem variar de estilo?
Seria mais interessante tratar da questão da variação de estilo para depois abordar a mudança de matizes, que é um assunto menos importante e que se resolve dentro da questão da variação de estilo.
Todo estilo é o produto de um estado de espírito. E eu chamo estado de espírito um conjunto de verdades fundamentais ou de princípios — às vezes não verdadeiros —, a partir dos quais uma determinada civilização vê o homem e o universo, e o estado temperamental com que a civilização adota essa vivência.
Mentalidade e estilo
Tomemos, por exemplo, o estilo egípcio. É evidente que ele comporta uns tantos princípios que não são puramente artísticos, mas filosóficos; e filosóficos do mais alto porte porque metafísicos.
É evidente também que, a partir desses princípios metafísicos, os egípcios elaboraram uma visão do universo, de toda a realidade material, e modelaram essa visão de acordo com aqueles princípios metafísicos.
As múmias, os desenhos, as esculturas são compostos de figuras hieráticas, mas muitas delas não o são: representam o egípcio na vida quotidiana. E há qualquer coisa de uma placidez profunda, meditativa e ativa na coisa egípcia, incubada de mistério, que constitui propriamente a mentalidade do egípcio. Ora, o estilo egípcio foi uma expressão dessa mentalidade.
E o estilo medieval, o gótico, foi igualmente uma expressão da mentalidade católica.
Então, se o estilo é a consequência necessária de uma mentalidade, a questão sobre se o estilo deve ser mudado importa em perguntar se precisa ser mudada a mentalidade.
Mudança de matizes
Se fôssemos apelar para o exemplo da História, seríamos levados a dizer que todos os grandes povos que surgem e definem a sua mentalidade, de certo modo, constituem um estilo e não saem mais dele, e esse estilo não decai, não degenera. Ele continua a produzir obras boas e dignas indefinidamente, até que um fator extrínseco derruba uma determinada ordem de coisas.
Por exemplo, o estilo chinês nasceu desde quando? Com variantes, é evidente, formou-se ao longo de quantos séculos? Nós não podemos dizer que o estilo chinês esteja moribundo. Se os ocidentais não tivessem entrado na China e derrubado certas barreiras culturais, não tivessem feito imposições, o estilo chinês teria continuado indefinidamente.
E as obras chinesas elaboradas, mesmo no século XIX, de modo ainda artesanal não eram dominadas pela preocupação de produzir para trazer dinheiro, e eram de muito boa cultura e de muito bom quilate. Não se pode falar de uma arte chinesa de decadência. Isso se pode dizer do Egito, de Roma, da Grécia, da Pérsia, dos assírios, enfim de todos os povos antigos. Então, a conclusão seria a seguinte: é preciso não mudar de mentalidade e, portanto, não variar de estilo. Um povo elabora esse estilo, fica com este estilo até o fim.
Contudo, toda mentalidade, mesmo quando continua igual a si mesma, muda de matizes. Um homem, conforme o estado de espírito, o dia, as circunstâncias, varia de matizes. Então, poder-se-ia dizer que um estilo pode ser matizado, mas não propriamente mudar. Matizar-se sim, mudar fundamentalmente não.
Essa conclusão de que, sendo um estilo o produto de uma mentalidade que não deve variar nunca, consequentemente ele jamais deve mudar dentro de um mesmo povo, por mais antipática que seja a certos feitios temperamentais, e por mais evidente que possa parecer a certos espíritos lógicos, de fato não me parece inteiramente acertada, e tenho reservas sérias quanto a ela.
O progresso só surgiu com a Civilização Católica
As reservas procedem do seguinte: essa imobilidade dos estilos pagãos, dos estilos antigos, resulta, é verdade, de uma mentalidade muito definida, amadurecida. Mas há outro aspecto a ser considerado. Todos os povos antigos estavam sujeitos a uma lei, que poderíamos chamar “lei da limitação do progresso”. Quer dizer, todos eles chegavam a certo auge, até relativamente depressa, mas depois paravam e não progrediam mais. E não se pode dizer que um povo antigo tenha progredido mais do que outro, por exemplo, os romanos em relação aos egípcios. Aqueles eram muito superiores aos egípcios em muitas coisas. Mas em outras os egípcios eram muito superiores aos romanos. Não havia o que nós chamamos de progresso, quer dizer, um povo que aparece, incorpora a si todas as coisas boas de uma civilização antecedente e vai indo para a frente.
O progresso propriamente dito apareceu com a Civilização Católica. Foi uma mobilidade, uma elasticidade, uma vitalidade que a sociedade humana tomou batizando-se, e que lhe deu exatamente a possibilidade de modificação que nós notamos na melhor parte da História católica.
Os estilos devem suceder-se à maneira de requinte
A elaboração, a partir do estilo romano, do românico foi uma mudança. Representou uma mudança de caráter contrarrevolucionário — se podemos usar assim esta palavra — porque o estilo românico é muito mais sacral, mais hierárquico e mais simpático à alma verdadeiramente católica, do que o estilo romano. Mais ainda: do românico se destilou, pelo bafejo da Igreja, o gótico, estilo já então profundamente diferente do românico. De maneira que a vitalidade da Igreja produziu uma mudança de estilo.
Por conseguinte, deveríamos dizer que não se devem copiar os estilos, e sim modificá-los.
É bem verdade, portanto, que os estilos devem suceder-se uns aos outros. Mas esse suceder-se não pode ser à maneira do estilo moderno em relação ao colonial, ou outro estilo, com uma ruptura e uma aceitação brutal do contrário, e nem pode ser uma mera diversificação. Porque também a diferença de estilo não é só para variar, mas deve ser um particular progresso no requintar o que um estilo, a mentalidade de um povo têm de bom; fazem-se coisas que são diferentes, mas à maneira de requinte, como o gótico é o requinte do românico.
Portanto, a sucessão deve ser feita de requinte em requinte, que é a linha de progresso e de variedade do estilo, posta em algo fundamentalmente conservador no essencial, enquanto é no acessório muito livre.
A resposta à pergunta inicial é a seguinte: ficar no mero colonial, em princípio e em condições normais, seria um mal. Deixá-lo para fazer um estilo simplesmente diferente, seria igualmente um mal, porque teria sido necessário requintá-lo. Isso me parece inteiramente lógico.
(Extraído de conferência de 24/5/1967)
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