No mês de maio, as festas em honra de Maria Santíssima eram celebradas com muito esplendor e deixavam saudades em todos os fiéis. O Reino de Maria será um imenso mês de Nossa Senhora, e em todos os dias se comemorarão as grandezas da Rainha do Universo.
Sendo o mês de maio dedicado especialmente à Santíssima Virgem, gostaria de tratar sobre a festa, outrora comemorada no dia 31 de maio, de Nossa Senhora Rainha, que é a festividade do Reino de Maria.
Dar glória a Deus
Este Reino é algo tão transcendental, tão grande, de tal modo ligado à eternidade, que toda borrasca terrena pode ir e vir, desencadear-se e resolver-se, mas o Reino de Maria permanece eternamente, sólido e brilhando na sua glória intrínseca, de maneira tal que todas as injúrias, as propagandas adversas não podem nada contra ele.
O que vem a ser propriamente a Realeza de Maria? E por que a Igreja instituiu esta comemoração? Ela a estabeleceu com duas intenções. A primeira é de dar glória a Deus, por meio de Nossa Senhora, a propósito do assunto da própria festa. Assim, por exemplo, a solenidade de Corpus Christi foi estabelecida para dar glória a Deus — sempre por meio de Maria Santíssima, porque Ela é a Medianeira universal de todas as graças — pela instituição do Santíssimo Sacramento, pelo fato de a Igreja ter sido adornada, enriquecida e vivificada por esse Sacramento admirável, ou seja, a Sagrada Eucaristia.
Assim também a Igreja estabeleceu uma festa para a Realeza de Nossa Senhora porque ela quer dar glória a Deus pelo fato de Maria Santíssima ser Rainha. Então ela festeja, canta, com um ato de amor e de culto, toda essa glória que Deus recebe por essa realeza da Santíssima Virgem. E enquanto católicos, temos que nos associar, evidentemente, a essa atitude da Igreja.
Anteriormente fora escolhido para esta comemoração o dia 31 de maio para, desta forma, fechar com chave de ouro o mês de Maria, completando assim todas as honras que a Santíssima Virgem recebeu durante esse mês, aclamando-A Rainha, depois de terem sido ditas todas as outras maravilhas em louvor a Ela. Isso implica em proclamar a mais alta glória d’Ela, abaixo da honra de ser Mãe de Deus e dos homens: ser a Rainha dos homens e a escrava de Deus Nosso Senhor.
Assim, a festa da Realeza de Maria tem um alcance muito grande. A Igreja espera do interior de nossas almas uma alegria, uma satisfação, uma homenagem, uma honra a Nossa Senhora como Rainha.
Concentrar a atenção na realeza de Maria
Acrescenta-se a isso um segundo objetivo: a cada ano que passa essa festa se repete. Desta maneira, a Igreja — conhecedora da facilidade com que o espírito humano se dispersa e se volta para coisas às quais não deveria se voltar — obtém um meio de concentrar novamente a atenção de seus filhos sobre esta realidade: Nossa Senhora é Rainha.
Eis porque a Igreja organizou, ao longo dos séculos, o calendário litúrgico, consagrando cada dia do ano ao culto de vários Santos, alguns dias a determinados mistérios da Religião Católica, e também a alguns títulos de glória de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora.
Assim, a cada ano que passa, a Igreja pede a todos os seus filhos que se recolham de modo especial e pensem, meditem na realeza de Maria Santíssima.
Esses dois objetivos se ligam, porque ninguém pode amar o que não conhece. Portanto, não pode amar a realeza de Maria quem não a conhece. É preciso pensar nela, refletir a respeito dela, para depois amá-la.
A concentração do espírito, o pensamento, a reflexão antecipam o ato de amor. A Igreja pede que reflitamos, nos concentremos, para depois fazermos um ato de amor, e com isso darmos a Nossa Senhora a glória pelo fato de Ela ser Rainha.
Vemos, assim, como na Santa Igreja tudo é bonito, bem pensado. Quanta harmonia, quanta profundidade, quanta serenidade, quanta nobreza, quanta força há em todas as coisas da Igreja! Mesmo em meio aos terríveis torvelinhos pelos quais a Igreja Católica possa passar, ela é ela, a Igreja imortal. E sempre conservará a santidade que lhe é própria até o fim do mundo, porque ela é indestrutível. Um dos aspectos dessa santidade é exatamente o conservar a festa da Realeza de Maria.
As cerimônias de outrora ao longo do mês de maio
Os que não alcançaram o mês de Maria, como tradicionalmente se realizava até uns quinze anos atrás, não têm ideia de como era uma verdadeira maravilha.
Toda noite, em geral por volta das 7h30 — os horários variavam um pouco —, em todas as igrejas, e mesmo nas capelinhas do campo, realizavam-se cerimônias em honra de Nossa Senhora.
A cerimônia constava fundamentalmente do seguinte: as associações religiosas — filhas de Maria, congregados marianos e outras congregações consagradas a Nossa Senhora — ocupavam inteiramente os bancos da igreja, de um lado e de outro. O sacerdote subia ao púlpito, portando sobre a batina a roquete: aquela espécie de meia túnica branca com rendas, que os padres usavam.
Do alto do púlpito o sacerdote rezava em silêncio, enquanto o coro entoava a “Ave Maria”. O padre mantinha-se ajoelhado no púlpito, e todo o povo, de joelhos também, constituindo uma massa popular enorme que enchia a igreja, ocupando todos os espaços, até para fora dos bancos.
Todos cantavam a “Ave Maria”, pedindo graças para o sacerdote pregar com bastante unção sobre a Santíssima Virgem. Terminado o cântico, ele iniciava o sermão.
Após a prédica, o coro recomeçava a cantar, entoava a ladainha de Nossa Senhora e outras orações em louvor a Ela.
Ao final, era dada a bênção do Santíssimo Sacramento. O momento culminante da cerimônia ocorria quando o sacerdote se voltava para o povo, portando nas mãos o ostensório sob a forma de sol com raios de ouro, dentro do qual estava o Santíssimo Sacramento, e, diante de todo o povo genuflexo, dava a bênção, voltando-se com a Hóstia Sagrada para todos os lados da igreja.
Depois depositava o ostensório novamente sobre o altar, ajoelhava-se, rezava algumas orações e guardava o Santíssimo Sacramento no sacrário.
Em seguida, o sacerdote saía enquanto o coro cantava. A igreja estava tomada pelo perfume do incenso, largamente utilizado durante a bênção do Santíssimo para adorar a Sagrada Hóstia.
Atmosfera abençoada que se difundia
As associações religiosas se retiravam pela sacristia, e as pessoas retornavam para suas casas.
Entretanto, ficavam ainda alguns fiéis rezando na igreja. Era talvez um dos aspectos mais bonitos. Na igreja quase vazia, ouviam-se remanescentes de melodias sacras, sentiam-se restos de incenso flutuando pelo ar, o sacristão ia aos poucos apagando as várias luzes do edifício sagrado, revistando os confessionários, atrás dos altares, para ver se não ficara alguém nesses locais, e ia assim preparando a igreja para ser fechada.
Até esse momento, permaneciam ainda algumas almas aflitas, recolhidas diante deste ou daquele altar: ora era uma velhinha, ora um rapagão imenso, ora um senhor obeso e atingindo largamente os seus 50 ou 60 anos, ora uma mãe de família de meia idade, ora uma criancinha. Todos rezando com afinco junto a uma imagem e pedindo uma graça espiritual ou temporal, de que muito necessitavam.
Por fim, o sacristão aparecia e, para dar a entender que era preciso sair da igreja, ao invés de pôr as pessoas para fora, ele sacudia um molho de chaves. Todos entendiam que era preciso sair, e só então o templo esvaziava. Quer dizer, os filhos da Igreja ficavam dentro dela o tempo que pudessem.
Quando terminava a bênção, eram 9h, às vezes 9h30, hora relativamente tardia para a São Paulo daquele tempo. Nas ruas desertas, podiam-se acompanhar os últimos fiéis que saíam, andando devagarzinho: uma senhora com uma bolsa na mão, mais adiante um homem com ar sofrido, outro que estava alegre, esperançado, dispersavam-se aos poucos como se fossem as últimas bênçãos da igreja que se difundiam para os vários cantos da cidade.
O relógio da torre da igreja: símbolo da relação entre o pensamento da Igreja e o do homem
Ficava aquela torre voltada para o céu, o relógio indicando as horas noite adentro, silêncio em volta, as nuvens, a Lua, o tempo, tudo passando à espera da manhã seguinte, quando o templo abrisse de novo as suas portas, de madrugadinha, e em que se vissem muitas daquelas mesmas pessoas da véspera voltarem, às vezes nas madrugadas frias e ventosas de São Paulo, e entrarem na igreja que representava, ao mesmo tempo, um refúgio para a alma e um abrigo contra as ventanias que sopravam sobre o corpo. Iniciava-se, então, uma cerimônia religiosa ainda mais augusta e mais solene do que a da véspera: a Missa. Era a vida da igreja que recomeçava quando a cidade acordava. Era uma verdadeira beleza!
O simbolismo do relógio na torre das igrejas é lindo! Não é direta e principalmente para que o transeunte o olhe e veja que horas são; tem acidentalmente também essa finalidade, mas o objetivo principal é outro. Os pequenos relógios particulares eram menos pontuais do que os grandes que encimavam as torres. Por isso, estes serviam para que todos acertassem por ele os ponteiros dos relógios cambaios.
Esse era o símbolo da relação entre o pensamento da Igreja e o do homem. O homem acerta o seu pensamento pelo da Igreja — porque a Igreja não erra nunca, e ele pode errar —, assim como acerta o seu relógio pelo relógio estável, que os padres mantinham pontual. Essa era a beleza do relógio da torre da igreja.
A coroação de Nossa Senhora
No encerramento do mês de Maria, no dia 31, em todas as igrejas, Nossa Senhora era coroada Rainha. Colocava-se no presbitério, bem na frente, uma pequena construção artística, de madeira, que variava de acordo com a imaginação e o gosto do vigário e das pessoas da paróquia, mas comportava essencialmente um lugar muito alto onde havia uma imagem da Santíssima Virgem toda cercada de flores, uma escadinha por onde, em geral, uma criança levava uma coroa e com ela coroava Nossa Senhora Rainha.
Todo o povo permanecia genuflexo, o órgão tocando a todo volume, o coro cantando, proclamava-se, assim, a realeza de Maria Santíssima.
Feita a coroação, um grupo de pessoas designadas pelo vigário tomava a imagem de Nossa Senhora e formava um cortejo; o vigário ia atrás com a capa magna, e davam uma volta pelas várias naves da igreja com a imagem coroada. Em seguida, colocavam-na de novo no seu trono. Depois disso vinham diversas orações, e estava terminado o mês de Maria.
O mês de Maria acabava deixando umas saudades enormes! Todo mundo gostaria que o ano litúrgico inteiro fosse um perpétuo mês de Maria.
Eu espero que quando chegar o Reino de Maria isso seja assim, e que da vitória de Nossa Senhora, prevista em Fátima, até o fim do mundo nós tenhamos um imenso mês de Maria, em que todos os dias a Santíssima Virgem seja festejada e se aclame a glória d’Ela, vista como Rainha do Universo.
(Extraído de conferência de 31/5/1975)