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Desejo de admirar e contemplar

Revelando aspectos íntimos de seu relacionamento com o Sagrado Coração de Jesus e com Maria Santíssima, Dr. Plinio manifesta o caráter anti-igualitário dessas devoções em sua alma e na de sua extremosa mãe.

Outro dia veio-me ao espírito a seguinte ideia: Há pessoas que, ao rezarem, têm toda a impressão de que estão falando com um Santo, ou com Nossa Senhora, ou com Nosso Senhor Jesus Cristo, e que eles estão ouvindo e considerando, como um de nós, o que dizem. Outras têm a impressão de que há um vidro entre elas e os Santos, e que não se podem pôr propriamente na presença deles.

Profunda humildade ao rezar a Nossa Senhora

Comigo dá-se uma coisa curiosa: sinto uma superioridade muito grande dos seres celestes. E com Nossa Senhora nem se fale! Eu A sinto como no alto de uma ogiva a uma distância colossal de mim, e que assim mesmo existe certo atrevimento de minha parte em me aproximar. Aquilo que São Luís Maria Grignion diz, “petit vermisseau et misérable pécheur”1, é bem a impressão que eu tenho.

Estou certo de que Ela me ouve, mas numa impassibilidade de ícone, e aquilo que eu digo chega lá por um eco amortecido, fraco, distante. Maria Santíssima toma conhecimento completo, mas da parte d’Ela não procede nada para mim porque não sou digno disso. É a impressão. Eu sei, teologicamente, que não é assim, e rezo com a certeza de que não é, mas a impressão é esta.

Numa ou noutra rara ocasião tenho a sensação de que Nossa Senhora, daquela distância, sorri com uma afabilidade muito grande. Mas não sei bem se sou eu que subo ou Ela que baixa. Mas sinto que a distância diminui e é como se eu falasse muito de perto com Ela. Mas é de relance. Depois restabelece aquela distância…

Não é uma distância in obliquo, mas como se houvesse um vidro grossíssimo entre a Santíssima Virgem e eu.

Contudo, gosto muito dessa distância, porque satisfaz o meu desejo de admirar e contemplar.

Alegria em sentir-se insignificante

Arquivo Revista
“Le Beau Dieu” (O Belo Deus) Catedral de Amiens, França

A tendência de minha piedade é de imaginar Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus, Nossa Senhora, todos os Anjos e Santos enormes, com distância extraordinária, por assim dizer fabulosa. E, sentindo-me muito pequeno, de algum modo nessa separação sinto uma união. É o prazer de me sentir insignificante. Aquilo me enche de contentamento, de uma alegria, de uma dedicação, de espírito filial que corresponde a um modo de ser.

Sei, teologicamente, que não há essa distância. Ela é Mãe de misericórdia, e se eu tivesse uma dúvida neste ponto, me desintegrava na hora; então nada é nada na terra de ninguém. Mas, enfim, é o modo de ser de cada um.

Por exemplo, confiança. Quando eu falo da confiança, e até de senti-la, é como se partisse daquele alto nicho um verão suave, perfumado, mas a distância continua a mesma.

Isso pode ser visto de modos diferentes, mas creio que para mim, provavelmente, é uma via.

Tudo o que estou dizendo é muito natural, não tem nada de extraordinário, é comum. Mas outro dia eu estava rezando o Rosário e isso sobreveio assim: pela primeira vez ocorreu-me rezar os mistérios do Rosário como quem estivesse junto a Nossa Senhora, comentando com Ela o que eu pensava de cada um daqueles fatos que se passaram. E um pouco como quem pergunta o que Ela teria sentido naquela ocasião. Mas achei que essa era uma situação diferente das habituais. Rezei até muito bem o Rosário assim.

Digo isso para mostrar como é uma coisa individual, que não deve ser tomada como padrão.

Desde então tenho rezado o Rosário assim, com proveito. Neste caso, vem certa impressão de proximidade d’Ela, fazendo contraste com o que acabo de dizer.

A vida consiste em cumprir os desígnios de Deus

Um corolário saudável disso é a ideia preconcebida e preestabelecida de que Deus, Nossa Senhora têm o direito de nos tratar — se pudéssemos nos exprimir assim, sem blasfêmia — do modo mais “despótico” que se possa imaginar, permitindo que nos aconteçam as coisas aparentemente mais irracionais, mais arbitrárias e mais pungentes. Isso é inteiramente natural, porque corresponde a essa desproporção. Portanto, não temos que reclamar, nem estranhar, nem alegar direitos, nem nada disso.

Arquivo Revista

Um aspecto que me impressionava em mamãe era notar como se davam os acontecimentos mais imprevistos e, debaixo de certo ponto de vista, mais ilógicos, e ela os tomava como se fossem a coisa mais natural do mundo.

Mamãe não tinha direitos a alegar perante Deus. Ele era Senhor dela, como de todas as criaturas, podendo fazer o que bem entendesse. Ela sabia que isso correspondia a desígnios de misericórdia d’Ele. Mas existe aquele mistério: Nosso Senhor Jesus Cristo pediu para se afastar o cálice d’Ele “se possível”. Ora, para Deus tudo é possível! É um mistério, porque Deus quis que o holocausto fosse até lá. E da parte do Divino Redentor, a plena submissão, como quem dissesse: “Diante de vossos desígnios absolutos, de vossos direitos, de vossa sabedoria Eu Me dobro. Dai-Me apenas forças.” Isso eu notava em Dona Lucilia muitíssimo.

Ela rezava com muito afeto, e sua devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a Nossa Senhora, era muito impregnada de ternura. Mas ela rezava com muito empenho quando queria obter as coisas. Entretanto se não as obtivesse, era com uma naturalidade, uma paz de alma, a maior do mundo!

Naquela fotografia em que mamãe tem aproximadamente 50 anos de idade, ela está cheia disso. Encontra-se na voragem da dor, mas não pergunta a Deus por quê. É assim e deve ser assim. Há um desígnio de Deus e a vida consiste em cumprir os desígnios de Deus. E, portanto, se é assim não se discute. O que é uma posição fundamentalmente anti-igualitária.

Estado de espírito de Dona Lucilia em relação a Deus

Mas eu tenho visto gente que é protuberantemente o contrário disso, e em quem percebo laivos de atitudes deste gênero: “Eu peço a Deus, mas Ele, lá nas coisas d’Ele, a mim não atende. Atende a todo mundo, mas não a mim. Ele comigo faz o contrário do que eu queria que acontecesse.”

Não era esse, absolutamente, o estado de espírito de Dona Lucilia. Esse estado de espírito de um terceiro em relação a Deus, que cobra, invectiva, alega direitos, não está naquela fotografia, em nada!

Mais ainda: no fundo, essa paz que vemos no Quadrinho2, sob o qual se poderia escrever a frase: Ite vita est, é como quem diz: “Eu fiz a vontade d’Ele até o último elemento, bebi todo o cálice de fel, até a última gota. Mas está bebido, e agora chegou minha hora de ajudar os outros.”

Sem dúvida, uma das coisas mais tocantes para mim naquela fotografia, em que mamãe tem cerca de 50 anos, é essa resignação dela no meio da dor. Vê-se que ela não entende e há qualquer coisa de uma pergunta ansiosa: “Como será, por que será?”, mas sem o menor laivo de revolta, de inconformidade, nem nada. É como alguém que adora o mistério do sofrimento que está tendo.

Isso partia de uma ideia altíssima que mamãe tinha de Deus.

Aliás, uma coisa curiosa: ela nos ensinou o Pai-Nosso de um modo um pouquinho diferente da fórmula corrente. Não sei se no tempo dela se tinha introduzido, talvez no hábito brasileiro ou pelo menos de Pirassununga, um acréscimo que era: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje, Senhor…” Este “Senhor” não está na oração dominical. Durante algum tempo eu rezei o Pai-Nosso assim. Depois, por conformidade com a Igreja, suprimi o “Senhor”. Mas a minha alma se regozijava de poder dizer este “Senhor”. O “Senhor” calha ali com uma precisão, no ritmo da oração, muito bem. Suprimi, porque a Igreja ensina de um modo diferente. Quando mamãe rezava alto, conosco, nas Sextas-feiras Santas, não saía o “Senhor”. Eu acho que ela, em certo momento, se deu conta também e suprimiu.

Mas era a ideia do Dominus cheio de bondade, de misericórdia, de carinho, que estava no espírito dela. Ela tinha muito isso, mas muito!

Doçura dentro na majestade

No tocante ao meu relacionamento com Nosso Senhor, com Nossa Senhora, eu sempre tive e continuo a ter aquela certeza, que a graça de Genazzano3 corroborou, de ser atendido diante de problemas que envolvem a Causa Católica. Por exemplo, quando recebi a graça de Genazzano, eu me lembro perfeitamente da impressão que tive de Nossa Senhora tomando aquela atitude, fazendo-me entender o que Ela quis que eu compreendesse. Ali sim, não tenho dúvida nenhuma de que foi uma graça, uma promessa.

Depois me contaram que o provincial dos agostinianos do Santuário, a quem haviam narrado o fato, disse que esse tipo de graça era característico da Mãe do Bom Conselho de Genazzano. Para mim, não tem dúvida nenhuma: Nossa Senhora me concedeu essa graça.

Lembro-me de que o quadro d’Ela como que se animou. Não tive nem um pouco a impressão de que Ela estivesse falando comigo. Mas o quadro como que adquiriu uma vida dulcíssima, revelando um interior d’Ela, mas com uma suavidade inexprimível. Porém, conservando sempre essa superioridade. De maneira que era um sorriso materno dentro do esplendor e da majestade.

Segundo meu modo de ser, essa doçura que se manifesta dentro da majestade é mais doce do que fora da majestade.

Arquivo Revista

Naquele hino a Nossa Senhora do qual gosto muito, “Si quæris cœlum, anima, Mariæ nomen invoca…”, há uma estrofe que é assim: “Pelo nome d’Ela fogem as culpas e as trevas, as dores da doença e as úlceras. Aos vencidos se desatam os pés, e para os navegantes as águas se tornam mansas.”

Acho muito bonito! Aliás, toda essa cançãozinha é linda! “Se tu queres o Céu, ó alma, invoca o nome de Maria. Pois aos que invocam Nossa Senhora as portas do Céu se abrem.”

São grupos de quatro estrofes. É como se houvesse asteriscos entre elas:

“Glória a Maria, Filha do Padre e Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Esposa do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos, amém.”

“Pelo nome de Maria os Céus se alegram, os Infernos estremecem. O céu, a terra e os mares, o mundo inteiro se rejubila.”

Tem muita candura.

Por exemplo, estou falando disso, mas não se dissocia de Nossa Senhora no Céu, altíssima, puríssima e, por causa disso, exercendo sobre a Terra essa ação benfazeja, enorme! Não há mares, não há trevas, não há coisas que Ela não domine, em razão de ser tão boa e estar tão alta.

Sensibilidade eucarística diante do Santíssimo Sacramento exposto

Já minhas Comunhões não costumam ser sensíveis. Aliás, tenho, por assim dizer, mais sensibilidade eucarística quando estou diante do Santíssimo Sacramento exposto do que quando comungo.

Em geral, quando estou diante do Santíssimo Sacramento, fico muito, mas muito tocado. A noção da presença d’Ele me comove muito. Mas na Comunhão, paradoxalmente, de um modo habitual, menos sensível. O que predomina é a presença de um Visitante desmedidamente grande, a Quem se trata de pedir. Daí calhar inteiramente, no meu modo de ser, o método de Comunhão sugerido por São Luís Maria Grignion de Montfort: pedir que Nossa Senhora venha à minha alma para recebê-Lo. E Ele encontrando-A como dona desta casa e fazendo-Lhe as honras por mim, tenho então muito comprazimento. Donde dirigir a Ele, por meio d’Ela, os atos de adoração, reparação, ação de graças e petição.

(Extraído de conferência de 6/7/1985)

1) Do francês: vermezinho e miserável pecador.

2) Quadro a óleo, que muito agradou a Dr. Plinio, pintado por um de seus discípulos, com base em uma das últimas fotografias de Dona Lucilia. Ver Revista Dr. Plinio n. 119, p. 6-9.

3) Ver Revista Dr. Plinio n. 21, p. 16-23.

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