Desde criança, Dr. Plinio continuamente pensava em temas elevados. Mas seus colegas, não querendo ouvi-lo tratar desses assuntos, o isolavam. Esse isolamento profundo só encontrava seu lenitivo em Dona Lucilia, a qual foi o apoio para sua inocência e para nele formar o espírito da Contra-Revolução.

Ao considerar as primeiras graças que eu me lembro de ter recebido – então menino de dois, três anos –, a impressão inicial é uma profunda sensibilidade a mamãe. Uma sensibilidade que se estendia da pessoa dela a tudo que fosse mais ou menos do gênero. Muito sensível à compaixão que eu percebia ela ter de mim por eu ser, na minha primeira infância, pequenino, fraco, muito doentio, eu sentia dela para comigo a pena amorosa, cheia de respeito, o sorriso bondoso e uma espécie de torrente de afeto que se representava, quase fisicamente, como uma caudal de uma luz meio adoçada, a qual penetrava em mim procedente dela.

Ver as coisas em seus aspectos mais altos

Isso me tornava muito sensível a toda espécie de compaixão para com outros que sofressem. Era um reflexo: o que ela tinha por mim eu possuía para com o sofrimento dos outros. Isso me sensibilizava profundamente.

Contudo, essas disposições não eram a compaixão comum. Eu tinha muita facilidade em ver metafisicamente como era aquilo e, então, aplicar ao caso concreto. E deste passar para o metafísico, a compaixão, a misericórdia em si mesmas, mas já vistas no seu mais alto aspecto, e vibrava com aquilo profundamente. Daí também muita afetividade.

Eu era muito propenso a tratar todo mundo com afeto, cortesia, respeito, e a pensar que me tratariam com essa mansidão também; isso trazia para mim um gáudio prateado – para me exprimir assim – que consistia em uma luz de minha infância.

Lembro-me, por exemplo, que mamãe, minha avó, meu pai e outras pessoas da família foram a uma espécie de réveillon, em Paris, por ocasião do Ano-Bom, em nossa viagem de 1912. E mamãe veio trazendo uns enfeites distribuídos às senhoras para estas segurarem enquanto dançavam. Dona Lucilia não dançou, mas trouxe os enfeites. Chegando ao hotel, ela amarrou um desses enfeites ao pé de minha cama. Acordei de madrugada e pensei: “Mais uma de mamãe”, e voltei a dormir. Este “mais uma de mamãe” continha o reconhecimento de mais uma efusão do afeto dela. Quando despertei, de manhã, vi o enfeite e percebi como estava amarrado, e pensei: “Já estou vendo: ela foi indisposta para a festa e voltou mais indisposta ainda, e ali estava pensando em mim e na minha irmã. Chegou tarde, cansada e, apesar disso, esteve em pé aqui, amarrando esse adorno, e posso imaginá-la sorrindo para mim, que dormia, e se regalando com minha surpresa ao despertar.”

O quarto dela ficava ao lado do meu. Levantei-me e fui diretamente para os seus aposentos levando o enfeite, e brinquei com ela. Nisso havia algo à maneira de um balão cheio de gás que tende a subir, uma tendência a elevar-se e ver as coisas nos aspectos mais altos, continuamente e a todo propósito.

Arquivo Revista

Cogitações a propósito de um presente de Natal

Em certa ocasião, recebi de um tio, no Natal, uma caixa com um presente muito bonito vindo da França, cujo título era La Ferme – A Fazenda. Ao abrir-se a tampa da caixa, aparecia a cena de uma fazenda. Depois, em outra repartição, vinha a cena de uma aldeiazinha francesa, encantadora, com trepadeirazinhas pintadas, com frutinhas vermelhas. Em seguida, havia a igrejinha e tudo quanto existe numa espécie de vilarejo dentro de uma fazenda: os camponeses, aqueles montes de feno muito característicos, o cachorrinho, um riachinho pintado no chão com um pontilhão… Até hoje sinto a repercussão do encanto que me causavam essas coisas.

Pelo meio, andando, um homem muito teso e distinto, com uma sobrecasaca preta, muito bem cortada, e uma cartola cinza, que era o auge da elegância, com umas luvas na mão saudando alguém, numa saudação perpétua, invariável e imóvel, mas cumprimentando com tanta distinção e afabilidade que eu ficava encantado com aquilo, e pensava como seria bom se conhecesse esse homem e o saudasse do mesmo jeito, e nós conversássemos. Estabeleceríamos uma conversa sobre coisas tão agradáveis, tão elevadas, tão doces…

Entretanto, se eu quisesse conversar sobre isso com meus companheiros, eles cairiam na gargalhada. Ninguém toleraria que uma criança viesse a fazer Sociologia. Ainda menos Psicossociologia. Não podia ser! Mas como eu era assim, isolamento e tristeza…. Um isolamento profundo que só encontrava seu lenitivo em mamãe, com quem eu não falava essas coisas porque não tinha certeza de que ela compreenderia, mas sabia que ela sentia. Então Dona Lucilia foi o apoio para minha inocência e para formar em mim o espírito da Contra-Revolução.

(Extraído de conferência de 20/6/1987)