Napoleão liderando suas tropas na Batalha da ponte de Arcole

Para elucidar a linha geral da luta entre a Revolução e a Contra-Revolução, Dr. Plinio considera os mistérios que podem existir no interior de uma alma e os compara com os fenômenos, por vezes também misteriosos, da evolução ou decadência de um povo.

Pediram-me que fizesse uma exposição a respeito da linha geral da luta entre a Revolução e a Contra-Revolução. Este tema é abordado em meu livro Revolução e Contra-Revolução, mas sobre ele podemos tecer alguns comentários.

Divulgação (CC3.0)
Lutero em 1529

O demônio atua devagar nos acontecimentos

Em linhas gerais, o processo revolucionário se resume no seguinte:

Em determinado momento ocorreu um pecado imenso, o qual teve como resultado o relaxamento dos costumes, que consistiu em uma explosão de orgulho e sensualidade. Essa explosão minou, em primeiro lugar, as estruturas eclesiásticas, fazendo com que em alguns países arrebentasse o protestantismo. Depois solapou em análogos pontos a estrutura temporal, política, de onde decorreu a Revolução Francesa e a implantação dos regimes representativos contemporâneos e, mais tarde, minou a ordem econômica e social dando origem ao comunismo.

Goldshtein G. (CC3.0)
Lenin em 1919

Há uma questão através da qual se pode ver melhor todo esse processo e se perceber algo da beleza da luta entre a Revolução e a Contra-Revolução. Trata-se de uma pergunta que, creio, fica mais ou menos como garra do demônio estrangulando as pessoas e fazendo com que elas não saibam respondê-la: Como se explica que, ao longo de todo esse tempo, a Providência não tenha socorrido a sua Santa Igreja Católica Apostólica Romana, e não interveio para evitar a derrocada daquela estrutura maravilhosa da Idade Média? Como explicar, em última análise, que a história da Contra-Revolução não seja senão uma história de derrotas?

Se consideramos que há mais de quatrocentos e cinquenta anos arrebentou o primeiro surto de protestantismo e que, de lá para cá, não temos tido senão derrotas, ficamos verdadeiramente pasmos com tudo quanto a Providência permitiu, e nos perguntamos até quando Ela permitirá.

Gabriel K.

Daniel I.
Santo Inácio de Loyola – Templo do Espírito Santo, Ciudad de Puebla, México

Nos momentos de prostração e abatimento, em que o demônio mais especialmente nos assalta quanto à esperança de alcançarmos a vitória, temos uma sensação – ela mesma decorrente de uma impressão difusa deixada pela história da Revolução e da Contra-Revolução – de que Deus não está interessado no triunfo de sua própria causa, e abandonou os acontecimentos para correrem de qualquer jeito, permitindo que o demônio não só nos torture, mas o faça devagar. Assim, a sucessão dos acontecimentos se dá dentro dessa imensa vagarosidade em que o demônio para, afia a faca, dá risada, faz mais uma incisão arrancando algumas gotas de sangue, estrangula mais um pouco; quando se pensa que o demônio vai liquidar o drama, ele se senta preguiçosamente e, pousando sobre nós um olhar chocalheiro, diz: “Você pensa que acabou, mas eu não tenho pressa e vou continuar.”

Por vezes isso se transforma numa espécie de vivência que, à maneira de um maçarico, perfura as almas de lado a lado.

Até quando, Senhor?

Tanto mais quanto a seguinte resposta, que saltaria aos olhos, não é muito convincente: a Providência suscitou Santo Inácio de Loyola e os grandes Santos da Contra-Reforma, os mártires da Revolução Francesa, os vendeanos, os chouans, os carlistas, os cristeros, Garcia Moreno, e toda uma coorte de homens de valor.

Entretanto, dir-se-ia que essas pessoas ilustres, íntegras, extraordinárias levantaram-se na crista das ondas com todo o tamanho de sua personalidade, para depois serem derrubadas. E que as obras por elas realizadas foram infiltradas, adulteradas, zombou-se delas e, quando essas obras não morreram, voltaram-se contra si mesmas.

Algumas delas perduram até hoje, mas seríamos levados a nos perguntar se não seria melhor terem deixado de existir, ao invés de subsistirem contra si mesmas, e se a longevidade dessas obras não é para elas mesmas uma tristeza e uma maldição. Então, o que restou do levantar dessas figuras extraordinárias, a não ser a prova de que o inimigo era tão maior que nem elas conseguiram detê-lo?

Samuel Holanda
Rei Davi – Pátio do Escorial, Espanha

Era preciso que olhássemos tudo isso bem de frente ao tratarmos a respeito da Revolução e da Contra-Revolução, de maneira a tentarmos compreender bem os desígnios misteriosos da Providência e perceber, no relógio de Deus, que horas são. O que valem os relógios dos homens? A pergunta é: Deus e Senhor meu, nos celestes ponteiros de vosso divino relógio, que horas são? Já chegou a meia-noite em que a vossa ira vai se descarregar? Já se fez negro o quadrante e dourados os números? Os ponteiros já se transformaram em espadas e em raios? Meu Deus, o que fazem os vossos Anjos? Usquequo, Domine, usquequo? Até quando, meu Deus, até quando devemos continuar?

Há sucessivos pedidos de Deus no decurso da vida de cada pessoa

Para elucubrar sobre o assunto e tentar chegar a uma solução, seguiremos o seguinte método: considerar os mistérios que podem existir no interior de uma alma e compará-los com os fenômenos, por vezes também misteriosos, da evolução ou decadência de um povo. Em outros termos, podemos nos perguntar como almas muito elevadas, muito amadas e chamadas por Deus decaem e, depois, que relação e semelhança há entre isso e a decadência de uma civilização.

Tomem, por exemplo, casos de homens extraordinários como Davi ou Salomão. Ambos escreveram, inspirados pelo Espírito Santo, trechos da Sagrada Escritura. Que glória maior pode haver do que a de um rei, como Salomão, que se tornou a personificação do reinado da sabedoria? Contudo, em determinado momento vemos que esses homens caem e se esboroam de uma vez só. Davi foi passear no terraço de seu palácio, olhou imprudentemente para onde não devia, pecou, tornando-se adúltero e homicida.

Salomão decaiu tanto que prevaricou com inúmeras mulheres, acabou caindo na idolatria e ficou um homem abominável aos olhos de Deus. O ocaso dele foi um lixo em comparação com sua vida verdadeiramente coruscante.

Rei Salomão – Pátio do Escorial, Espanha

Fatos análogos continuaram a se dar no Novo Testamento. Assim, vemos quedas repentinas que, por um mistério da Providência, são mais numerosas do que no Antigo Testamento. São almas colocadas muito alto, a quem Deus dá grandes graças e que fazem com Ele um pacto de amor.

Estabelecido esse pacto, Deus quer levá-lo adiante. Entretanto, acontece que a pessoa conserva algum apego em uma profundidade de sua alma onde ainda é explicável a existência desse apego, pois é compreensível que uma alma marche de desapego em desapego em sua ascensão espiritual. A Providência pede um primeiro desapego que é, no momento, tudo quanto a alma pode dar. Depois Ela solicita mais e mais, gradualmente. Assim, há sucessivos pedidos de Deus no decurso da vida de cada pessoa.

Creio que quando a alma disse o último “sim”, em geral sua missão nesta Terra está cumprida, e ela é levada pelos Anjos. In Paradisum deducant te Angeli – os Anjos te levem ao Paraíso –, diz a antífona da Missa de exéquias. Porque então está tudo feito, todas as batalhas foram ganhas, e uma coisa provavelmente deve coincidir de um modo mais ou menos cronológico com a outra: no relógio de Deus, o ponteiro marca a hora em que essa alma é acolhida com um triunfo precioso. A obra está pronta, a alma também. Vemos isso em São Paulo de um modo protuberante, quando ele disse aquelas palavras famosas: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a Fé” (2Tm 4, 7). Ele tinha evangelizado todos os que devia evangelizar, renunciado a tudo quanto precisava renunciar. Restava apenas estender a cabeça sobre o cadafalso e dizer sim para o golpe que vinha. Dito esse “Amém” último, ele entra para a coorte celeste.

“Irmão, perseveras?”

Ao contrário do que poderia parecer, não é a primeira renúncia a mais dolorosa. À medida que a Providência vai pedindo renúncias maiores, a dor vai crescendo. Assim, o grande perigo da prevaricação é quando chegar o momento de Deus pedir aquela última entrega. Mais ou menos como um guerreiro que está morrendo num campo de batalha, com as entranhas de fora, depois de ter atacado as muralhas de Jerusalém e espantado pela sua audácia, salvando o exército dos cruzados. No momento em que ele está morrendo, Deus lhe pede o seguinte: “Meu filho, você aceita morrer longe de sua pátria e de sua família, desconhecido e até esquecido por todos?”

Por vezes, a família corresponde apenas a um pequenino feudo… Outro dia vi esse título de nobreza: “Senhor do Cerejal e do Olival”. Então, trata-se de renunciar à glória que ele receberia daqueles que estão junto às cerejeiras e oliveiras, que ele nem sequer verá novamente. Suas vísceras estão espalhadas no chão, ele sabe que vai morrer, diante dele está a glória celeste com os Anjos a cantar para ele, e vem o pedido: “Você renuncia àquilo?”

Todos os apegos da vida se concentram subconscientemente naquele ponto, e ele é tentado a desejar aquilo como o mais frenético dos gananciosos cobiçaria fortunas fabulosas, ou talvez como o mais vaidoso dos ambiciosos desejaria a realeza do mundo. Se nessa hora, dirigindo-se a Nossa Senhora, ele disser “Minha Mãe, com a vossa graça, sim!”, expira e morre em odor de santidade. Se disser “talvez” ou “não”, eu tremo por pensar o que pode lhe acontecer. Porque vem, logo depois, uma tentação do demônio: “Eu o curo. Veja o que você perdeu. Sua vida foi embora, mas eu lhe dou tudo de volta. Adore-me!”

Dito esse “não” com o qual o indivíduo só não renunciou a um caquinho, a um restinho de glória no cerejal, entra um demônio e põe tudo a perder.

Fiquei sadiamente impressionado ao ler, certa ocasião, como procediam uns religiosos – se não me falha a memória, eram os trapistas – ao acompanhar a morte de um dos irmãos. Formavam uma roda em torno dele, rezavam e, de vez em quando, perguntavam-lhe: “Irmão, perseveras?” Portanto, depois de uma vida cheia de renúncias, havia o risco de não perseverar naquele último momento.

Processo de estagnação e de putrefação

Há então um processo de ruptura interna de sucessivas renúncias que culminam na derradeira e mais heroica, na qual o homem faz a execração do último pequeno obstáculo, que para ele se afigura como o maior de todos os muros do universo a separá-lo do ideal que deveria seguir. Ele renuncia a esse último obstáculo e com isso pratica o seu supremo ato de amor a Deus e a Nossa Senhora. Aplica-se a ele, então, a frase de São João da Cruz, de uma doçura enorme: “No entardecer desta vida seremos julgados segundo o amor”1. Portanto, quando estiver chegando o ocaso de nossa vida, seremos julgados conforme este ponto: até onde foi nossa renúncia? Até onde fomos capazes de nos desprender, de dar? Aqui está a questão.

Apresentei esse processo em sua última fase, contudo isso pode ocorrer a qualquer altura de nossa existência. Uma alma que deu e recebeu muito está muito unida a Deus por vários lados, mas em certo momento Ele pede algo, a alma vacila e diz “talvez”. O primeiro modo de responder “talvez” é afirmar “daqui a pouco, não já”. Há um ditado em alemão, que costumo repetir: “Amanhã, amanhã, contanto que não seja hoje, dizem todos os preguiçosos.” Quando eu era pequeno, a Fräulein Mathilde2 me martelava isso salutarmente na cabeça, sempre que se apresentava o caso.

Quantas vezes dizemos “amanhã” para um convite da graça! É uma coisa profunda que Nossa Senhora nos pede. Em certas ocasiões, é algo instantâneo como um relâmpago, por exemplo, vencer um ato de antipatia em relação a alguém que nos orienta para a virtude; isso envolve a renúncia a duzentas outras coisas. Às vezes é aceder a fazer um serviço que a pessoa não queria, ou humilhar-se diante de alguém. Em geral, é algo que contém simbolicamente para aquela alma uma porção de outros pontos.

Teodoro Reis
Nossa Senhora de Coromoto (acervo particular)

Quando a alma diz “talvez”, começa para ela a mais triste luta que conheço em matéria de vida espiritual: é a batalha de igual a igual, em que a generosidade e a falta de generosidade são igualmente grandes. Não é a luta das almas moles, tíbias, que nem sequer lutam, e aquilo se passa de um modo nojento. É a das almas que têm generosidade, zelo, que disseram “sim”, mas em certo momento dizem “talvez”. Inicia-se naquela alma um processo, primeiro de estagnação: não sobe, também não quer descer, ela deseja resolver a questão por si mesma.

Começam a se acumular dentro dela problemas nebulosos, tristezas insuspeitadas, desânimos inexplicáveis, nervosismos, ânsias, depressões, sustos, fobias, desejos; a alma se torna uma caverna de ventanias e não sabe por quê, pois aquelas suas primeiras resoluções estão de pé e perfeitamente bem, ela faz seu exame de consciência e encontra tudo em ordem. A alma tem, é certo, um ponto dolorido onde não se pode tocar; aí ela não mexe e ai de quem mexer! Ela forma, desde logo, um jardim de castigo e maldição no qual ninguém entra.

Depois vem a lenta putrefação do lado bom, embora o aspecto mau não cresça. O lado bom vai se deteriorando, os bons propósitos não deixam de se aplicar, mas a pessoa vai cumprindo-os cada vez mais mecanicamente, eles vão deixando de ser firmes; em dado momento cai um grau, depois outro… Susto!

Nesse vale de lágrimas, o pior é sempre mais provável

Entram novas graças, novas bondades, Nossa Senhora pergunta: “Meu filho, aqui você quererá parar? Eu agora lhe dou sustento, apoio, aceito, transijo, perdoo com lágrimas nos olhos, mas tenha esperança, Eu ainda venho lhe pegar!”

A pessoa se adapta. Daqui a pouco passa a Santíssima Virgem novamente e diz:

– Meu filho, chegou a hora da renúncia. Você quer?

– Não, daqui a pouco.

Novo rompimento, e aquela alma decai aos poucos, passando por longos estados de aparente estabilidade em que ela julga estar bem, mas vai caindo, caindo, até um momento em que na aparência ela ainda está praticando a virtude, mas não é mais a mesma.

Aí também vem um anjo e a leva embora. Que anjo? Um anjo de ouro, límpido, de legitimidade, ou o anjo do horror, das trevas, da usurpação? Mistérios de Deus, não se sabe também.

Esse é um processo que tanto pode reverter para o bem, como pode dar para novas baixas e chegar até o fim. Não há determinismo nem fatalismo ao longo desse processo, mas nesse vale de lágrimas o pior é sempre mais provável, não nos iludamos.

Trata-se de um processo naturalmente demorado, porque, para salvar uma alma de ouro, a misericórdia divina deixa passar muito tempo. Até são tempos em que a alma vai-se embebendo de graças novamente e retomando a normalidade, sobem de novo e chega outro pedido.

Evidentemente, essas coisas levam tempo. Ao longo da evolução dessas almas, Nossa Senhora põe outras para salvá-las, que fazem de tudo: imploram, deitam o quanto possam ter de tesouros modestos ou magníficos de zelo, de sabedoria, de penetração psicológica, de paciência, de energia, talvez de increpação. Dir-se-ia que essas maravilhas são como ondas que sobem e, se alma não corresponde, essas ondas caem de novo. Para aquela alma fica aquilo acumulado e no dia do Juízo é uma conta a ser paga, necessariamente. A pessoa pensa que dá de ombros ao bom conselho, e não percebe que o bom conselho rejeitado um dia será pago; ela pensa que venceu, de fato foi derrotada.

Pode acontecer que uma alma seja longamente perseguida pela Providência até graus inimagináveis. Muitas vezes Deus salva uma alma assim e há conversões espetaculares que são o encanto da Igreja, e a alegria de todas as almas justas até o fim do mundo. No entanto, em um número muito maior de vezes isso não se dá, e fica a coisa como estou descrevendo.

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 24/2/1974)

1) Avisos y Sentencias, 57.

2) Senhorita Mathilde Heldmann, preceptora alemã contratada por Dona Lucilia para auxiliar na educação de seus filhos.