Pedro K.
São Cirilo de Alexandria Santuário do Sameiro, Portugal

Partindo do exemplo de São Cirilo de Alexandria, arrojado defensor da Maternidade Divina de Maria, Dr. Plinio faz uma penetrante análise sobre como Deus execra aqueles que, entre a verdade e o erro, tomam uma posição intermediária, como está consignado no Apocalipse: Se fosses frio ou quente, Eu te aceitaria; mas como és morno, começo a vomitar-te de minha boca. Os mornos são o melhor dispositivo de proteção do erro, mas os execrados do Coração de Jesus.

Sobre São Cirilo de Alexandria, cuja memória é celebrada em 27 de junho, diz Dom Guéranger:

Defensor da maternidade divina de Nossa Senhora

Por carta, São Cirilo tentou reconduzir Nestório, mas esse sectário aferrava-se a suas opiniões. Por falta de argumentos, Nestório queixava-se ao Patriarca da ingerência de São Cirilo. Como sempre em tais circunstâncias, Cirilo encontrou homens apaziguadores que, sem partilhar o erro nestoriano, considerava que o melhor, com efeito, era não responder, por temor de o irritar, de aumentar o escândalo e de ferir a caridade.

A esses homens, cuja singular virtude tinha a propriedade de se abalar menos das audácias da heresia que da afirmação da Fé cristã, a esses partidários da paz a qualquer preço, respondia Cirilo:

“Como Nestório ousa deixar dizer em sua presença, na assembleia dos fiéis, anátema seja quem chama Maria Mãe de Deus; pela noção de seus partidários, ele chama de anátemas nós e os outros bispos do universo e os antigos Padres que em todas as partes e em todas as épocas reconheceram e honraram unanimemente a Santa Mãe de Deus? E não estamos em nosso direito de devolver-lhe sua palavra e dizer: Se alguém nega que Maria seja a Mãe de Deus, seja anátema? Se o medo de qualquer aborrecimento afasta de nós o zelo pela glória de Deus e nos faz calar a verdade, com que rosto podemos celebrar em presença do povo cristão os santos mártires, quando o que faz o elogio desses que morreram é unicamente o cumprimento desta palavra: pela verdade combatiam até a morte?”1

O trecho é verdadeiramente magnífico. São Cirilo, que viveu no século V, combateu a heresia de Nestório afirmando a maternidade divina da Bem-aventurada Virgem Maria. Nos primeiros séculos da Igreja houve pessoas que, impugnando o dogma da divindade de Nosso Senhor, afirmavam que Ele era só homem e não Deus. Outros afirmavam que Ele era Deus, mas não homem, e que tomava o aspecto, a aparência de homem, como um fantasma, porém negavam que Ele fosse o Homem-Deus. Dos dois lados a heresia tentou abalar a crença católica de que Nosso Senhor Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, como professamos até hoje.

Os que mais atrapalham a Causa católica

A heresia de Nestório, ao negar a perfeita união entre as naturezas humana e divina em Nosso Senhor Jesus Cristo, constituindo uma só Pessoa divina, tinha uma consequência no que diz respeito a Nossa Senhora, pois afirmava ser Ela apenas mãe do homem Jesus, e não Mãe de Deus. Portanto, a maternidade divina de Maria não existia.

Estabeleceu, assim, a clássica distinção entre ortodoxos, que professavam haver em Nosso Senhor Jesus Cristo ambas as naturezas em uma Pessoa Divina, e heterodoxos, partidários de Nestório. Entre essas duas correntes havia os tais pseudoequilibrados, querendo fazer ecumenismo e irenismo. Estes achavam, já no século V, ser melhor não fazer discussão porque irrita o adversário, tornando mais difícil a possibilidade de conversão, além de agir contra a caridade. Então, voltavam-se contra São Cirilo porque este Santo falava mal deles.

Samuel Holanda
Virgen del Parto – Catedral de León, Espanha

Pergunto se não é exatamente o que se passa em nossos dias. Há uma raça de almas que correspondem àquilo que está dito na Escritura: Se fosses frio ou quente, Eu te aceitaria; mas como és morno, começo a vomitar-te de minha boca (cf. Ap 3, 15-16). Isto é, se tu aceitasses a verdade, Eu te aceitaria; se tu aceitasses o erro e te arrependesses, Eu te perdoaria. Mas como és daquela espécie de gente morna, que não está nem do lado da verdade, nem do lado do erro, tu Me causas a náusea que a água morna provoca. Sabe-se que a ingestão de água morna em certa quantidade é nauseante. É até usada para provocar a náusea, em determinadas doenças. São os execrados de Deus, que Ele vomita de sua boca, com aquele tipo especial de horror que é o nojo, que caracteriza a náusea. É isto que Nosso Senhor tem em relação a esses.

São eles os que mais atrapalham a Causa católica. Porque sempre se aproximam dos outros dizendo para não seguirem os defensores da verdade, porque eles, mornos, são católicos também, mas não tão exagerados quanto os outros. É por causa disso que as fileiras dos verdadeiros seguidores da Causa católica contam muito menos adeptos do que deveriam contar. O melhor dispositivo de proteção do erro não está entre aqueles que o professam, mas entre os que dizem professar a verdade, porém nas táticas protegem o erro; são verdadeiramente a quinta-coluna que sempre existiu nesse tipo de luta.

Isto nos deve levar a compreender que espécie de horror devemos ter a esse tipo de almas. E se queremos ser inteiramente conformes a Nosso Senhor, imaginem a náusea que essas almas nos devem dar! Quando ouvirmos tais argumentos, o que devemos sentir é náusea. Porque se devemos ser perfeitos como nosso Pai Celeste, e se é legítima aquela jaculatória “Sagrado Coração de Jesus, tornai meu coração semelhante ao vosso”, então precisamos também ter náusea daqueles de quem o Pai Celeste tem náusea. E se queremos ser como o Coração de Jesus, devemos ter horror àqueles de quem Ele tem horror.

Aí está o pedido que devemos fazer a Nossa Senhora: compreender de modo vivo o horror dessa posição e ter contra ela toda a execração infinita que Deus possui em relação a esse tipo de gente. Uma execração que vai até o último limite: é o nojo, o asco, o desprezo. Essa posição intermediária atrai mais a cólera divina do que a definida posição contrária.

(Extraído de conferência de 8/2/1966)

1) Cf. GUÉRANGER, Prosper-Louis-Pascal. L’année liturgique. Septuagésime. p. 324.