O homem que sente a sua própria honra por amor de Deus adquire um estado celeste na Terra. Sob esse prisma, a procura da verdadeira honra é a meta e a bússola da vida espiritual e a marca da civilização do Reino de Maria.
O mundo dos Anjos é o mundo da honra, e todo Anjo, colocado em face de qualquer criatura humana, é um vaso de honorificência.
O Reino de Maria será a civilização da honra
Duas razões inundam de honra qualquer Anjo. Primeiramente, ele é puro espírito. Se comparamos a condição da matéria, como criatura, e a do espírito, não resta dúvida de que esta última é muito mais honrosa.
Outra razão é que, em virtude de sua natureza espiritual, os Anjos tiveram uma prova rapidíssima e entraram imediatamente num estado de bem-aventurança, o qual é honroso em relação ao estado de prova. O puro espírito tem uma familiaridade, uma intimidade com Deus, que é, de si, cheia de honra.
O estado angélico é o estado de honra. Por conseguinte, o homem que vive na sua honra imita o Anjo e se aproxima dele. Por isso devemos amar as coisas principalmente na medida em que elas nos deem uma participação da honra da ordem angélica. Portanto, fazer as coisas em espírito de honra, ou seja, na medida em que introduzam a honra.
Podemos chegar a um estado de vida espiritual por onde habitualmente vejamos tudo do ponto de vista da honra. Isso seria morar dentro da honra. Assim, praticamos o primeiro Mandamento da Lei de Deus de um modo vivo e verdadeiro, pois desse aspecto há para nós uma espécie de flash contínuo, ininterrupto, discreto, em que, por assim dizer, vive-se dentro da honra como um pássaro no ar. Há nisso toda uma escola de vida espiritual para considerar.
Consideradas as noções que nós temos de honra, expungidas de “heresia branca”1, vemos o Anjo como um ser cheio da honra, e a hierarquia celeste como a hierarquia das honras.
Sob esse prisma, a procura da verdadeira honra é a meta e a bússola de nossa vida espiritual e a marca da civilização que queremos constituir. O Reino de Maria será a civilização da honra ou não será nada. O estado em que o homem sente a sua própria honra por amor de Deus é um estado celeste na Terra. É nesta luz que devemos considerar tudo quanto fazemos.
Uma espécie de licor ou elixir divino
Às vezes me perguntam sobre minha vida espiritual. A nota distintiva da minha vida espiritual é esta: ver Deus, Nossa Senhora, a vida e todo o universo sob o lumen da honra. Por onde a minha verdadeira felicidade de situação consiste em estar considerando as coisas continuamente do ponto de vista da honra, de maneira que, examinando meus gostos pessoais, desde a raça de cachorros até o estilo de música, minha predileção vai para aquilo onde o aspecto “honra” é mais saliente.
Assim, poder-se-ia dizer que passo o dia inteiro à procura da honra; desde o despertar pela manhã até fechar os olhos para dormir eu estou em busca da honra. A tal ponto que, durante alguma doença, tenho a preocupação de estar na cama com naturalidade – nada de teatralidade, porque isso não é honra –, mas numa posição natural com honra. Pode ser que eu tenha tido posições descompostas por efeito de uma dor, assim como um homem que dorme; mas não me lembro de mim despreocupado de manter na cama uma posição com honra.
Por quê? Para afirmar minha superioridade em relação aos outros? Não. É para possuir a honra como uma espécie de licor ou elixir divino, que deve estar na minha alma como o sangue está em meu corpo.
Os três Arcanjos e a personificação da honra
Voltando à consideração do mundo angélico, eu creio que, na medida em que são altos dignatários e exercem funções sumamente honrosas, os Anjos são personificações da honra naquelas funções. De suas missões realizadas com honra decorre uma dedução de como eles são.
São Miguel, por exemplo, faz lembrar aquele dito do Marechal Foch2: “Ma droite est pressée, ma gauche est menacée, mon arrière est coupé. Qui fait-je? J’attaque.”3 Alta qualidade de honra! Por quê? Porque é o ataque visto no apuro e no holocausto completo. Esse j’attaque quer dizer: “Eu jogo o todo pelo todo, aqui está a minha vida. Mas jogo com classe, com ímpeto, com força”. É uma maravilha! Essa seria a honorabilidade de São Miguel.
Em São Rafael, a honorabilidade está na virtude da prudência enquanto operativa, isto é, que leva a escolher as metas boas e os métodos adequados para atingi-las. Ele possui toda a honorabilidade de um Conselho de Estado Maior, de um conclave, ou de um Conselho que existe para assessorar o Santo Padre. Essa função exercida na sua máxima nobreza e honorificência encontra seu arquétipo no Anjo São Rafael.
Uma figura humana de São Rafael seria, por exemplo, São Pio X desmontando o complot modernista contra a Igreja, a fim de que ela prosseguisse nos seus verdadeiros objetivos. Este pontífice fez exatamente o papel do pastor que soube discernir os métodos e aplicá-los. São Rafael é isto com suprema honra.
Não se pode ser incumbido de uma missão mais honrosa do que a de São Gabriel. Ele é, por excelência, o missus a Deo4. Tudo quanto é revelação da verdade, da Religião, da Fé, do bom espírito, bem como o valor do símbolo, eu sou levado a atribuir a São Gabriel.
Para mim, dois Santos representam São Gabriel de um modo excelente: São Vicente Ferrer, chamado “Anjo do Apocalipse”, que vinha anunciar o fim do mundo, pregando as glórias de Nossa Senhora, o esplendor da Religião, da Fé, etc.; e São Luís Grignion de Montfort, eminentemente “gabrielino”, que anuncia a verdadeira devoção a Nossa Senhora.
Intercessores apropriados para remover os obstáculos opostos à honra
Consideremos agora o assunto pelo seguinte aspecto: imaginemos um homem direito, sério, mas que não é um astro, dando um curso de Filosofia tomista bom para um certo número de alunos. É natural que esse homem recorra à proteção de São Tomás de Aquino.
O melhor dessa noção de recorrer ao Doutor Angélico consiste em que esse professor, lecionando a Filosofia tomista, repete uma ação que São Tomás praticou na vida, estendendo de algum modo a atividade desse Santo. De maneira que a ação dele é um desdobramento do próprio São Tomás de Aquino. Ele é, portanto, naquela aula para os seus alunos, como que um outro Tomás de Aquino em estatura menor; há uma verdadeira participação da ação dele na do Doutor Angélico. Então, o pedido de interferência de São Tomás não é o de um homem extrínseco à ação que está praticando.
Para se ver como são variadas as coisas, qual o Santo que eu seria levado a invocar para levar bem esta conferência? Evidentemente os três Arcanjos mais o Profeta Elias. Porque percebo perfeitamente que estou desenvolvendo uma ação para remover o grande penhasco trágico que se opõe ao nosso progresso na vocação, que é o mundo atual, um mundo sem honra, enquanto presente nas almas.
Então, penso nas ações grandiosas de Santo Elias fazendo mover céus e terras, peço a ele que tenha pena de mim e me obtenha uma certa participação do poder dele para este passo que estou desejando. Se ele tiver verdadeiramente pena de mim, de maneira a conferir à minha palavra uma eficácia que ela não tem, empurrará aqueles a quem estou falando como os elementos se moviam às ordens dele.
Amizade pessoal com Anjos e Santos
A graça para discernir a situação e saber que Santo invocar é uma flexibilidade da alma por onde se sente a ação do Santo que nos convida a rezar a ele. É uma coisa muito bonita e delicada que se dá com todo mundo, não é um privilégio de poucos.
Por exemplo, acontece às vezes de irmos a uma igreja e encontrarmos, numa capela lateral, uma mulher que se poderia comparar, mais ou menos, com um pano molhado que se espreme e fica seco; assim também parece que o sofrimento espremeu aquela pobre senhora, cuja pele gasta recobre um corpo alquebrado. Ali está ela, no canto de um altar, rezando para um Santo cuja imagem pequena encontra-se entre outras.
Um cretino diria: “Superstição.”
E eu responderia: Culto de dulia o mais áureo e magnífico! Porque de algum modo aquele Santo fez-lhe sentir, por graças recebidas diante da sua imagem, que ele teria um vínculo de alma com ela. Portanto, mais do que a graça obtida por ele, trata-se de um relacionamento de amizade pessoal com ela. Quiçá esse conceito de amizade pessoal com Anjos e Santos possa parecer irreverente para alguém, mas para mim é o conceito por excelência. O Santo de quem ficamos amigos tem relações pessoais conosco. Esse relacionamento até uma pobre mulher ignorante, morando em algum porão, pode ter na Santa Igreja.
Já me aconteceu de, passando perto de uma mulher assim, ter pena e vontade de parar para falar com ela, auxiliá-la em qualquer coisa, mas depois não o fazer, pensando: “Se eu for ajudá-la privo-a do melhor, que é o auxílio que o Santo está lhe prestando, e meto-me no meio desse arco-íris que vai do Santo para ela. Enquanto eu não sentir que sou mandado pelo Santo para ajudá-la, posso até rezar uma jaculatória por ela ao Santo, mas não vou meter-me nesse relacionamento.”
Devoção a São Rafael
Há mais um aspecto curioso a se considerar: por vezes, a aridez em certo tipo de devoção é o sinal de que aquela devoção é para nós. Mas algumas vezes esse sinal consiste em uma consolação. Por exemplo, toda minha vida tive aridez pela devoção a São Rafael. Aquela história de Tobias, o Anjo que tira o fígado daquele peixe… Mexer com o fígado de um peixe para tirar daí um óleo, eu compreendo que é enormemente respeitável, mas tenho certa estranheza com esse gênero de ações. Mandar o demônio para o Inferno: Ó, magnífico! Mas aquilo tudo com o peixe, embora eu venere muito, minha alma não voa para esse lado. Entretanto depois que comecei a fazer estas reflexões sobre os Anjos e compreendi o papel de São Rafael, nasceu um grande desejo de relacionar-me com ele.
Entrando certo dia em uma igreja onde costumo rezar de vez em quando, notei que acabara de ser posta junto a um altar lateral uma imagem muito feia de um Anjo que, pelas características, notei tratar-se de São Rafael, mas pensei: “Esta é propriamente a imagem de um Anjo como não deve ser. Até nem vou olhar para ela, vou rezar abstraindo da imagem.”
Enquanto rezava o meu Rosário, tive uma moção interior, semelhante à da graça de Mater Boni Consilii a Genazzano5, como quem me dizia: “Reze a mim porque eu estarei ao seu lado e o ajudarei!”
De lá para cá nunca mais rezei um Rosário em que não intercalasse, depois de cada dezena, uma jaculatória a São Rafael para ele me ajudar. O mais curioso é que eu não percebi uma só vez a ajuda prometida. Continuo a rezar como quem vai acumulando jaculatórias para um belo dia dar o resultado desejado. Vejo que esta proteção está reservada para uma determinada ocasião.
Com efeito, precisamos compreender que tudo quanto estou tratando a respeito de honra, de Anjos e Arcanjos, há um momento em que isso deve tocar a nossa alma; e que a ação desses espíritos celestes está preponderantemente nisso, não podemos nos antecipar. Isso é muito de acordo com a verdadeira vida espiritual.
Meu modo de sentir e pensar
Segundo o curso comum das coisas, deveríamos terminar estas considerações dizendo: “Vamos fazer uma deliberação de rezar todos os dias tal oração.” Eu aprovo muito isso com entusiasmo, mas não é o nosso caso, pois seria nos anteciparmos a uma certa moção angélica. Eu, por exemplo, começaria isso meio hirto. Se quisessem eu acompanharia, mas não entraria minha alma inteira nisso. O que está na minha alma é esperar a moção angélica que virá em dado momento, não sei qual, mas virá. Aguardar com a esperança de que venha e voltar os olhos nessa direção.
Há qualquer coisa no meu modo de sentir e pensar que nunca consegui explicitar bem, mas entra eminentemente no modo de ser de São Gabriel e corresponde ao que eu considero uma excelência, uma magnificência especial da Igreja Católica: é uma suma seriedade, elevação, nobreza, acompanhadas de uma bondade, uma proteção por onde as coisas muito altas e sublimes se apresentam revestidas de doçura. É propriamente a plenitude do estado normal delas.
Revestidas de força também, mas a força se apresenta à vista de um acidente, isto é, o adversário. Entretanto o estado normal é de estarem revestidas de doçura, acessibilidade, afabilidade, proteção; mas uma proteção dada com respeito e não com prepotência. De tal maneira que o próprio dom vem gotejando respeito por aquele que o recebe.
Majestade e doçura
Eu não conheço palavras nem episódio em que esses predicados coincidem tão bem quanto na mensagem angélica, porque, de um lado, não se podia comunicar acontecimento mais alto do que a Encarnação do Verbo. Desde que o mundo era mundo, comunicação não houve comparável a essa.
De outro lado, dizer a uma pessoa que ela vai ser a Mãe do Verbo é de uma doçura incrível, ao mesmo tempo que constitui a pessoa numa dignidade, numa majestade incalculável!
O que se poderia dizer de mais grandioso a alguém do que o seguinte: “Tu és Filha de Deus Padre muito mais amada do que imaginas. Serás Esposa do Espírito Santo e Mãe do Verbo Encarnado.” É de uma grandeza! Nunca ninguém anunciou a ascensão de um papa ou de um imperador ao respectivo sólio com palavras como essas. Não tem igual. No entanto, poder-se-ia imaginar com que doçura todas essas palavras penetraram na alma de Nossa Senhora e tomaram conta d’Ela?
É inenarrável também e apresenta a tal harmonia da majestade e da doçura tão magnífica, que na defesa dela eu compreendo toda a inflexibilidade da força, porque se alguém ousa atacar isso, então a força tira de dentro do amor a isso uma plenitude e uma capacidade de reação e de resistência total.
A matriz geradora desse combate é o misto de majestade e doçura, que vejo ser muito difícil as pessoas compreenderem, mas o timbre de São Gabriel foi esse. Em última análise, é isso o que São Gabriel tem a dizer ao mundo. É a clave dele, mas que deve ser também a nossa. É o encontro da doçura com a grandeza: uma grandeza cheia de doçura, mas uma doçura que se sente bem ao lado da grandeza.
(Extraído de conferência de 19/12/1976)
1) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.
2) Ferdinand Foch (*1851 – †1929). Militar católico francês que comandou os exércitos da França e da Inglaterra durante a I Guerra Mundial.
3) Minha direita é pressionada, minha esquerda é ameaçada, minha retaguarda é golpeada. Que faço eu? Ataco.
4) Do latim: enviado por Deus.
5) Graça recebida em 16 de dezembro de 1967, que consistiu na confirmação e certeza do total cumprimento da missão de Dr. Plinio e da continuação de sua obra. (Cf. CLÁ DIAS, João Scognamiglio, EP. O dom de sabedoria na mente, vida e obra de Plinio Corrêa de Oliveira. Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana; São Paulo: Instituto Lumen Sapientiae. 2016, v. IV, p. 287-291).