Wolfgang Moroder (CC3.0)
Coroação de Maria - Paróquia de São Jorge, Varna, Itália

O Céu pode ser comparado a uma corte maravilhosa, na qual todos os cortesãos, embora desiguais, são príncipes que, ao se encontrarem, reverenciam-se mutuamente, com todo amor. Esse convívio apraz a Deus e atrai d’Ele, durante toda a eternidade, galardões sempre novos.

Sempre tive a respeito do Céu uma impressão singular. Pela Fé eu sabia ser um lugar de todas as delícias, mas quando me descreviam os deleites celestes tinha a impressão de que era uma coisa deliciosa para outro, não para mim, e que se fosse para o Céu não o sentiria delicioso como aquilo que me descreviam.

Ideias que desfiguram a imagem do Céu

Era um pouco a ideia apresentada por certos quadros muito legítimos, mas que, à força de se apresentar só um tipo de quadro, desfiguram um pouco a noção do Céu. Por exemplo, um céu uniformemente azul, uma nuvem branca sob a forma de um sofá mais ou menos cômodo e um Anjo tocando violino.

Compreendo que seja mais agradável do que este vale de lágrimas, mas se eu tivesse que passar uma eternidade sentado numa nuvem branca, diante de um céu azul, tocando um violino, confesso que não me sentiria atraído por esse tipo de Céu. Embora ali não se tenha aborrecimento nem se adoeça, não sinto que um Paraíso assim seja a pátria de minha alma.

Gabriel K.
O Céu (detalhe), por Giotto Cappella degli Scrovegni, Pádua

Outra noção que também me causava certa estranheza quando se falava do Céu era uma espécie de imobilidade. Porque a Doutrina Católica nos ensina que no Paraíso o homem não pode crescer em amor de Deus, e é a pura verdade. O grau de caridade com que morreu, a pessoa conserva por toda a eternidade.

Há uma bonita expressão da Escritura: “Onde a árvore cair, ali ficará” (Ecl 11, 3). Assim também o homem: naquele grau de amor de Deus em que morre, ele permanece. Se falece sem amor de Deus, sabemos para onde vai… e fica ali também por toda a eternidade, no grau de maldade no qual morreu.

Outra noção que também me causava certa estranheza quando se falava do Céu era uma espécie de imobilidade, onde a pessoa desfruta de toda a felicidade possível. Um lugar onde tudo e todos estão eternamente parados, olhando também imóveis para Deus. Ora, está no nosso modo de ser o movimento, a comunicação. Por isso temos certa dificuldade em compreender como possa ser atraente um Céu tão parado.

Essas são algumas das vivências do Paraíso que nos levam a ter pouca esperança dos bens celestes e a sermos, portanto, pouco atraídos para o Céu.

Entretanto a Escritura diz: “Medita nos teus novíssimos e não pecarás eternamente” (Eclo 7, 40). Os novíssimos são: Morte, Juízo, Céu e Inferno, ou seja, as últimas coisas que vão nos acontecer. Nós morreremos, seremos julgados, vamos para o Céu ou para o Inferno. Portanto, se não quero pecar, devo meditar nesses quatro pontos, um dos quais é o Céu. Mas ao fazê-lo deparava-me com essa e outras vivências.

Então comecei a fazer um trabalho de reflexão, de análise, aproveitando trechos de livros de Santos que falavam sobre o Céu, para construir para mim mesmo uma verdadeira imagem do Paraíso celeste, vê-lo conforme à natureza humana, a fim de que fosse mais apetecível e eu pudesse me sentir inteiramente bem nele.

O gáudio de uma alma no Paraíso pode crescer

Passo a tratar mais especialmente daquilo que se poderia chamar a “imobilidade no Céu”. É verdade que a felicidade de uma alma bem-aventurada não pode ser aumentada em nenhum grau? Em sentido contrário, é verdade que a desgraça de uma alma no Inferno não pode ser acrescida em nada? Nesses destinos eternos estará tudo tão parado quanto imaginamos, ou há aumentos de intensidade de felicidade no Céu e de desgraças no Inferno?

Para termos ideia e irmos construindo mentalmente essa verdadeira imagem do Céu ou do Inferno, tomo um dado indiscutível ensinado pela Doutrina Católica. Quando alguém faz um determinado ato bom ou mau, e depois de julgado vai para o Céu ou para o Inferno, conforme tenha sido esse ato ele continuará a ter repercussões no decorrer dos anos, quiçá até o fim do mundo.

À medida que os séculos vão passando, do alto do Céu estamos vendo o efeito da boa ação que fizemos e recebendo um aumento de alegria por isso. Mesmo que estejamos contemplando Deus face a face, inundados de felicidade, olhando na Terra o efeito do bem que praticamos temos uma felicidade ainda maior.

Principalmente se, por causa daquela obra boa, uma outra pessoa salva a alma e sobe ao Céu também. Ao vê-la chegar, temos um aumento de alegria por aquela boa ação ter atingido o auge. Por toda a eternidade é um motivo de maior contentamento olhar para aquela alma inundada de felicidade e pensar: “Aquele está aqui porque Nossa Senhora se serviu de mim para trazê-lo.” Mais ainda: quem recebeu o benefício, passando perto de mim, canta: “Eu te saúdo e te agradeço! A ti devo esta felicidade.” Inclina-se diante do benfeitor e o homenageia, ambos se osculam e percorrem juntos as belezas perfeitas do Paraíso.

Percebemos, assim, a felicidade que uma alma tem, a qual pode crescer pelo fato de ir multiplicando, ao longo dos tempos, o efeito da boa obra que praticou.

Gabriel K.
O Paraíso – Museu Metropolitano de Nova Iorque, EUA

Dou um exemplo: um livro pode produzir bons efeitos até o fim do mundo, porque vai para estantes das bibliotecas e, quando menos se pensa, alguém o lê e se beneficia com isso. Assim, se escrevi um livro e alguém o comprou, mas não o leu, esqueceu-o na estante da família, pode ser que um remoto quinto neto encontra-o no sótão da casa, lê e se converte. Por essa forma, um livro pode fazer bem até o fim do mundo, e minha alegria na eternidade é acrescida.

Felicidade essencial e felicidade acidental

Do mesmo modo, muitos acontecimentos terrenos podem aumentar a nossa felicidade celeste. Há uma relação constante entre a Terra e o Céu, por onde as celestiais alegrias se movem de acordo com os movimentos deste mundo, e mais ou menos tudo quanto fazemos aqui está repercutindo em glória e alegria no Paraíso.

Podemos nos perguntar de que natureza é esse aumento de alegria celeste. Como nos ensina o Catecismo, no Céu temos uma felicidade perfeita, tão completa quanto nossa natureza é capaz. Então, como haver um acréscimo de alegria? É o que se chama uma alegria acidental.

Sampo Torgo (CC3.0)
Os precursores de Cristo com os santos e os mártires Galeria Nacional, Londres

Imaginem uma rainha casada com um rei poderosíssimo, boníssimo, junto ao qual ela goza de toda a felicidade que o estado de rainha lhe pode dar. No dia de seu aniversário, vem um grupo de camponeses dançar diante da janela de seu palácio para, por amor a ela, fazer-lhe uma homenagem. Se os camponeses não viessem, ela não deixaria de ser feliz, pois o rei é a felicidade dela. Porém a vinda desses camponeses constitui um episódio acidental que a leva a sair para o terraço e olhar comprazida para aquela manifestação de benquerença. Depois, a soberana manda servir-lhes uma mesa de doces, diz uma palavra amável para cada um e se retira deixando-os radiantes.

Isso aumentou a felicidade dela? A essencial, não. Ela continua a ser a rainha, esposa do rei em quem está toda a sua felicidade. Mas acidentalmente ela teve essa alegria. Assim também as coisas da Terra repercutem no Céu.

Além disso, do alto do Céu a Santíssima Trindade, Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora, todos os Anjos e Santos, especialmente os nossos protetores, olham para o mundo e não só assistem ao desenrolar da História, mas por suas orações nos ajudam e lutam conosco. Os bem-aventurados têm um empenho enorme em acompanhar como o lumen Christi e as trevas do diabo progridem ou recuam na Terra.

Isso é muito diferente do homem com o violino, sentado na nuvem. Sem dúvida, este símbolo apresenta um aspecto da realidade, mas não é toda a realidade. É preciso acrescentar esse outro lado para se ter uma noção completa.

Expansão da Santíssima Trindade no Coração de Nossa Senhora

Se soubéssemos ver a corte celeste assim, com a possibilidade de lutar pelos que estão na Terra, com essa militância ativa em nosso favor através das orações, como sentiríamos o Céu de um modo diferente!

Santa Teresinha do Menino Jesus dizia: “Vou passar meu Céu fazendo o bem na Terra”, e que só descansaria quando estivesse completo o número dos que devem ser salvos. Antes disso, continuaria a lutar e a agir na eternidade. É uma linda expressão que mostra bem como há um intercâmbio entre Céu e Terra.

Entretanto alguém poderia objetar: “Dr. Plinio, está bem, mas quando terminar a Terra e todos estiverem no Céu, acabou-se! Então fica tudo parado.”

Temos a narração de uma visão de Santa Gertrudes1 que nos ajuda a responder a essa objeção.

Um dia, como se cantava durante o Ofício de Matinas a Ave-Maria, Santa Gertrudes viu sair do Coração do Pai Celeste, do Filho e do Espírito Santo, três jatos que penetravam no Coração de Nossa Senhora, para de lá voltar à fonte que era a Santíssima Trindade.

Após o poder do Pai, a sabedoria do Filho e a ternura misericordiosa do Espírito Santo, nada se compara com a ternura misericordiosa de Maria.

Santa Gertrudes compreendeu na mesma ocasião que essa expansão do Coração da Santíssima Trindade no Coração de Nossa Senhora se reproduz cada vez que uma alma na Terra recita devotamente a Ave-Maria.

Vejam o poder de uma única Ave-Maria bem recitada na Terra! Cada vez que num ônibus, no meio da poluição, da bagunça, dos insultos, um rapaz recita devotamente a Ave-Maria, a Santíssima Trindade, para glorificar Nossa Senhora, emite um jorro de poder, de sabedoria e de ternura em seu Imaculado Coração. E a Santíssima Virgem tem um sobressalto de alegria.

A fortiori, quando um bem-aventurado no Céu elogia Nossa Senhora há um aumento de comunicação d’Ela com a Santíssima Trindade e um acréscimo acidental de gáudio, por onde se compreende como todos os que estão lá, na medida em que se amam e se relacionam uns com os outros, aumentam a comunicação de todos com Deus. Há, portanto, uma espécie de interação recíproca à qual as três Pessoas Divinas Se associam, em que todos estão continuamente agindo e Deus sem interrupção coroando essa ação.

Eis a movimentação do Céu, à maneira de uma imensa, santíssima e inocentíssima política, em que todos estão se esforçando sem cansaço, deliciosamente, para aumentar o seu próprio gáudio e o dos outros, e nadam, por assim dizer, nas gentilezas e na felicidade recíprocas.

Francesco Botticini (CC3.0)
Assunção de Maria Santíssima aos Céus – Galeria Nacional, Londres

Cântico eterno

Debaixo desse ponto de vista, o Paraíso celeste poderia ser comparado a uma corte esplendidíssima, nobilíssima, perfeitíssima, onde, quando os cortesãos se encontram, inclinam-se profundamente um diante do outro com todo o amor e se cumprimentam. Vendo isso, o rei se alegra e lhes concede um galardão. Então, eles agradecem e o monarca lhes dá uma nova recompensa. E assim se vai, pelas infinidades, de galardão em galardão, de acordo com a iniciativa de cada um, havendo sempre uma novidade e aumentando algo, sobretudo, no conhecimento de Deus.

Porque o Criador é infinitamente interessante, tem uma inteligência esplendorosa, mas é meigo, afável, põe-Se de nosso tamanho. Deus tem charme e aquilo que se poderia chamar de verve. Algo exposto por Ele tem uma vida, um encanto, que nós nem podemos imaginar.

Aliás, Deus não fala, propriamente, mas mostra na essência d’Ele todas as coisas. De maneira que no Criador, ao longo de toda a eternidade, estaremos vendo aspectos diferentes e nunca acabaremos de conhecê-Lo.

A Santíssima Trindade é para nós uma novidade contínua. Os Anjos e Santos narram uns para os outros o que viram em Deus, pois nenhum observa exatamente o mesmo que o outro. Há, assim, um imenso e ininterrupto “jornal falado” das contínuas novidades de Deus, o qual, aliás, não é falado, mas cantado; e este é o cântico eterno do Céu que nos induz a um movimento contínuo, sem cansaço, que não precisa de repouso porque é ele próprio movimento e repouso ao mesmo tempo.

Não é verdade que com isso o Céu se torna mais aprazível para nós?

Então, nós podemos imaginar o Céu como uma corte, perto da qual todas as cortes da Terra não são nada. Quem não gostaria de entrar na corte de São Luís IX, ser recebido como um guerreiro vindo das Cruzadas e trazendo um espinho da coroa de Nosso Senhor de presente para o Santo monarca? Entrar a cavalo no pátio do castelo real, com uma armadura esplêndida, portando um relicário de ouro e cristal, apresentá-lo ao Rei que o recebe benignamente e ajoelha-se para oscular a relíquia. Todos os cortesãos aplaudem. Depois de termos deixado a relíquia em mãos do monarca, e tendo ele nos inundado com seu sorriso e sua grandeza e nos concedido títulos, passamos pelas filas dos cortesãos que nos cumprimentam e nos admitem como um deles. Quem não gostaria de passar por essa cena? Pois bem, isto é um exílio cheio de penumbra em comparação com o Céu!

Por aí podemos ter uma ideia da corte celeste; é simplesmente toda maravilhosa, onde todos são desiguais, mas na qual só há príncipes; e todos nós somos chamados para um principado dessa natureza.

Aqui está uma meditação sobre o Céu, para tentar ajudá-los a desejarem conquistá-lo.

(Extraído de conferência de 11/5/1974)

1) Não dispomos dos dados bibliográficos desta citação.