O dinamismo pelo qual a Revolução e a Contra-Revolução caminham nas almas é completamente diferente. A primeira avança de modo paulatino, como as lavas de um vulcão, a segunda deve romper o caminho por uma explosão. Enquanto a perversão se faz gradualmente e por concessões, a conversão só se realiza mediante grandes esforços.
Na primeira parte deste estudo, sobre a Revolução e a Contra-Revolução, vimos que a maneira de entender a fundo os fatos históricos é compreender que eles se passam de acordo com os processos da Revolução A e da Revolução B, e foi explicado em que consistia a diferença entre estes dois processos.
A seguir, será analisado o problema no terreno individual, para, em seguida, estudá-lo no campo social.
Três categorias de homens
Por mais que se diga o contrário, os fenômenos da sociedade humana só se estudam no homem. A sociedade é um conjunto de homens e, portanto, devemos primeiro analisar quais os princípios que regem o comportamento dos entes humanos para, depois, estudarmos o modo pelo qual eles se aplicam à sociedade.
O primeiro princípio que podemos enunciar é o da divisão dos homens em três categorias:
1ª) o miles Christi, o soldado de Cristo;
2ª) o miles diaboli, o soldado do demônio;
3ª) e o amicus Christi et diaboli, o pragmatista. Não encontramos outros homens sobre a face da Terra, ao menos nos países de Civilização Cristã.
O miles Christi, ou miles Ecclesiæ – o que é a mesma coisa –, é um homem para o qual o principal da vida é servir à Igreja Católica. Ele compreende que todo o encanto, toda a beleza, toda a graça e toda a dignidade da vida provêm do fato de se servir à Igreja Católica Apostólica Romana. E devido a isto, para sua felicidade, para o seu bem-estar até, mas, sobretudo, para cumprir o seu dever, ele se consagra de corpo e alma ao serviço daquela que é a Arca da Aliança do Novo Testamento. O miles Ecclesiæ tanto pode ser um homem muito inteligente, como muito ignorante. Ser miles Christi não é algo que decorra da cultura, mas da Fé e do amor que se tem à Igreja.
Temos, numa outra categoria – mais difícil de ser admitida pelo liberal –, o miles diaboli, o qual é o homem que ama o mal. Alguém poderia contra-argumentar que em Filosofia se estuda que o mal, enquanto mal, não pode ser amado. Evidentemente isto é correto. Mas o homem tem muitos modos de se iludir, pelos quais ele chega a amar o mal sob alguma razão de bem.
E é por isto que muitos homens são entusiastas do mal, assim como, por outro lado, nós contrarrevolucionários somos entusiastas do bem. E é capital para esse tipo de homem extirpar o bem da Terra e implantar o mal, como para nós é fundamental implantar o bem e extirpar o mal.
Entre essas duas categorias, temos a dos que são amicus Christi et diaboli. São os que gostam um pouco de Jesus Cristo e um pouco do demônio, mas que, na verdade, não amam a Jesus Cristo e sim, de uma maneira relativa, ao demônio. Pertencem ao número daqueles que, no dizer da Escritura, têm por deus o próprio ventre – quorum deus venter est (Fl 3, 19). Estes homens amam sobretudo a si mesmos. Às vezes têm certa simpatia por Deus, às vezes pelo demônio, buscando sempre conciliar a luz com as trevas. São os pragmatistas.
Quando pode um homem dizer-se revolucionário ou contrarrevolucionário?
Divididos assim os homens em três categorias, a vida nesta Terra se nos afigura como uma batalha universal: do exército de Cristo contra o exército do demônio, lutando precisamente para conquistar os indiferentes, os que estão divididos entre Cristo e satanás, homens relaxados, indecisos e sem ideais.
Este é sem dúvida o principal, mas não o único campo da batalha. Nós, que somos filhos da Luz, procuramos arrancar para a Igreja também os filhos das trevas, e estes, por sua vez, buscam atrair-nos para as hostes da Revolução. Sabemos, porém, que estas extirpações são muito difíceis, e por isso a nossa atuação se concentra, sobretudo, nos que estão no meio-termo e que constituem, assim, o principal campo da batalha universal.
Ainda no estudo do problema no terreno individual, passemos agora ao que poderíamos chamar de as idades da Revolução e da Contra-Revolução. Quando pode um homem dizer-se revolucionário ou contrarrevolucionário? Como nascem o revolucionário, o contrarrevolucionário e o pragmático?
Um dos pontos da Doutrina Católica menos compreendido em nossos dias é o que afirma que a criança, em via de regra, começa a fazer uso de sua razão aos sete anos e, a partir dessa idade, é capaz de cometer pecados mortais. Há até um Santo que afirmou ter visto no Inferno uma criança de cinco anos; pecou mortalmente e foi logo condenada aos suplícios eternos.
Isto cria ao liberalismo uma espécie de choque, de conflito. Para o liberal é penoso imaginar que uma pessoa possa ter responsabilidade moral a partir dos cinco anos. Entretanto, é o que a Igreja afirma. Com a idade da razão, que costuma ser por volta dos sete anos, o homem começa a ser moralmente responsável.
Via de regra, é também aos sete anos que começa a se formar o revolucionário ou o contrarrevolucionário. A criança, naturalmente, não tem conhecimento claro disto. Mas o problema da Revolução e da Contra-Revolução começa a se lhe apresentar no seu microcosmo infantil de modo a formar um certo panorama, uma certa visão, na qual a criança vai já tomando atitudes, as quais, por sua vez, acarretam uma tomada de posição nos demais campos, não como coisa fatal, mas como algo provável.
As crianças boas, as más e as pragmáticas
Como decorrência do exposto, podemos classificar as crianças em três tipos: as boas que se tornarão contrarrevolucionárias; as más que serão, em sua maioria, revolucionárias; e, finalmente, as pragmáticas.
Aquele que na infância é bom, ama seus pais não só porque eles o agradam, mas porque sabe, instintivamente, que são bons. Há uma certa ideia de bem que, muito confusamente, mas de maneira muito real, entra naquele amor. E isto de tal forma que essa criança perderia grande parte ou a totalidade do amor que tem a seus pais se os visse praticar uma ação que sabe ser má.
Bem outro é o querer de uma criança pragmática. Ela não ama o bem, e o próprio amor que tem a seus pais baseia-se no agrado que eles lhe fazem. Quando o pai a afaga, a criança pragmática sente-se satisfeita e lhe quer bem; quando, pelo contrário, ele a desagrada, ela se enraivece. Quando a mãe lhe dá um doce, ela a beija; quando lhe nega, ela a despreza. Isto decorre do fato de ela gostar do doce e não da mãe.
Por fim, temos a criança má que é bem diferente da pragmática. Seus múltiplos instintos levam-na a desejar muitas coisas que os pais normalmente proíbem. Quer implicar com as outras crianças, matar mosquitos torrando-os no fogo, salta sobre os móveis e quebra os objetos, mostra a língua às visitas, bate a porta no rosto das pessoas e chega a chorar de tanto rir com o que fez. A pedagogia moderna diria que isto é engraçado, infantil. A Doutrina Católica vê tal modo de proceder com severidade, e nos ensina que as crianças devem ser corrigidas desde pequeninas.
Em suma, a criança boa quer divertir-se com a consciência tranquila, caso contrário em nada acha graça. A pragmática, por sua vez, gosta também de viver dentro do terreno da legalidade, não por amor, mas tão somente porque a ilegalidade traz amolações. É como alguém que observa as regras de trânsito unicamente para não ser multado. A criança má, por seu turno, apenas se compraz com a ilegalidade; as coisas somente são divertidas quando arriscadas e proibidas.
Os bons, desde pequenos, gostam de sua família devido à ordem que reina no lar. Os pragmáticos, quando meninos, apreciam sua família, em última análise, porque é uma boa incubadeira onde se vive em paz. Os maus, desde tenra idade, têm raiva de sua família porque nela veem reinar a ordem; preferem a agitação e o barulho.
Luz primordial e defeito capital
Seguindo essa trilha, podemos chegar ao ponto-chave. A criança boa tem o espírito feito para o sacrifício e de bom grado se presta a ele. A pragmática aceita o sacrifício, não porque seja nobre, mas porque compreende que fazer isto é de boa política. A má detesta o sacrifício e é capaz de todas as lutas para fugir à menor cruz.
Nos bons, ainda em idade infantil, realiza-se o princípio anima humana naturaliter christiana1; nos pragmáticos, desde meninos, há uma prudência que se pode dizer puramente humana; nos maus, já na infância, encontra-se o ódio à lei.
A revolta e o ódio que existem nas crianças más nada mais são do que concupiscências desordenadas. Assim, ao chegar à adolescência, se uma delas ler um romance em que um policial e um bandido estão em luta, naturalmente ficará do lado do malfeitor; ela, que nos brinquedos de criança era o bandido, acabou tomando o lado errado na vida. Como resultado assim continuará. E se um dia vier a presenciar a derrubada de um governo bom pela oposição, escolherá esta facção. Antes de mais nada é contra tudo, pelo simples motivo de que sempre assim o foi.
Quando se lhe colocar o problema do amor livre, ela defenderá esta medida pois desde criança ardeu em concupiscência. A partir dos sete anos gostava de dizer imoralidades; ao chegar aos vinte será adepta de algum partido socialista e dirá que as leis a respeito da moralidade são preconceitos sem qualquer fundamento.
Em resumo, é desde menino que começam a formar-se os estados de espírito. E certo é que todo homem tem várias idades de revolucionário e de contrarrevolucionário. Isto nos leva ao princípio que São Paulo nos ensina ao dizer que, enquanto ele era pequeno, pensava como menino, e depois que se tornou homem feito deu de mão às coisas que eram de menino (cf. 1Cor 13, 11). A Revolução e a Contra-Revolução também se condicionam a essa regra.
Se analisarmos o homem pragmático e o confrontarmos com o revolucionário, veremos que não há diferença entre ambos; eles são uma só coisa. O pragmático é um indivíduo que encontrou o seu prazer em levar uma vida direita e por isto a leva. O revolucionário, por sua vez, encontrou a alegria em ter uma vida má e, consequentemente, a tem. Mas os dois procuram seu próprio prazer, variando apenas no modo de realizá-lo. Donde se conclui que pragmáticos e revolucionários pertencem a uma mesma família, e que de fato só existem duas raças de pessoas no mundo: a dos que são de Nossa Senhora, da ordem, da Contra-Revolução; e a da serpente, que é a da desordem e da Revolução.
Sabemos, por outro lado, que há dois homens dentro de cada homem, isto é, existe em cada um de nós uma luz primordial e um defeito capital. A luz primordial inclina-nos para a Contra-Revolução e o defeito capital nos leva para a Revolução. Mas é preciso considerar que todo homem, por mais que esteja firmemente ancorado do lado da Revolução, pode ser levado para a Contra-Revolução, e vice-versa. Em outras palavras, há uma mutabilidade no homem em relação a ambos os caminhos. Não existe – o que seria desolador – fixidez em cada uma das rotas.
Modo pelo qual um homem passa da Contra-Revolução para a Revolução
Isto posto, poder-se-ia perguntar de que modo um homem passa do caminho da Contra-Revolução para o da Revolução.
Em consequência do pecado original, o defeito capital tem no homem uma vivacidade assustadora, e com qualquer pequena concessão se alimenta e se expande enormemente. Podemos tomar para exemplo um homem orgulhoso que seja membro de uma associação qualquer. Se lhe dissermos que conhecemos todos os membros dessa sociedade e que o de maior valor pessoal é ele, imediatamente nos julgará um bom homem e um fino psicólogo. Dirá que o conhecemos bem e temos a noção exata do que ele é na realidade; que discernimos bem o aspecto pelo qual ele é superior a todos, e que temos bom coração, pois o que os outros não viram nós percebemos.
O que na realidade fizemos foi dar-lhe um veneno. Depois disto, a primeira vez que alguém o repreender por um pequeno deslize ele se revoltará: “Como? Eu que sou o mais importante de todos estou sendo recriminado por esta criança! Quem é ele para fazer isso?” A partir de então não tolerará mais nada, porque o mínimo alimento dado ao defeito capital tem uma capacidade de inflamação prodigiosa.
Tomemos, ainda a título de exemplo, um homem que pratica a pureza e, de um modo geral, comporta-se bem, mas que, repentinamente, consente numa tentação contra a virtude angélica. Tendo consentido naquele pecado, é possível que ele chegue até o fim de sua ignomínia. Como chegou Davi a pecar de maneira tão infame? Olhando uma vez apenas para o jardim vizinho; uma única concessão foi o bastante.
A preguiça também atua de modo semelhante. Aproximamo-nos, por exemplo, de um preguiçoso e lhe dizemos que deve trabalhar. É mesmo necessário? – perguntar-nos-á. Nós demonstramos que sim e, ao terminarmos, concorda e nos pergunta qual o serviço que deve ser feito, acrescentando: “Quero avisá-lo de que sou muito ocupado.” E antes ainda de lhe designarmos o trabalho, indagará se o serviço não é pesado demais. E isto porque tudo lhe é custoso e difícil.
Se, por outro lado, dissermos a alguém que combate a preguiça há vinte anos que passe um dia bem preguiçosamente, pois vinte anos de trabalhos merecem um descanso, arrasaremos a sua alma. No dia seguinte, poderá acontecer de ele estar na estaca zero e precisar, assim, recomeçar todo o esforço como se não houvesse lutado durante os vinte anos. Tudo isto porque o defeito capital é de uma vivacidade extrema.
Assim, se um homem fortemente contrarrevolucionário alimentar, por meio de uma concessão qualquer, o seu defeito capital, como este vício principal tem uma força de expansão semelhante à dos gases, em breve ele invadirá todo o homem e o dominará. É o processo pelo qual alguém se torna um revolucionário.
Como se dá a conversão à Contra-Revolução
Qual o processo pelo qual alguém se torna um contrarrevolucionário?
A resposta a esta pergunta é bem mais complexa. Encontramos no Evangelho dois exemplos de tentativa de formação de um contrarrevolucionário, uma bem sucedida e outra fracassada. A primeira é a do filho pródigo, e a segunda a do moço rico. Este é caracteristicamente o pragmático. Era bom, mas queria a vida fácil e alegre. Encontrou-se com Nosso Senhor, e o Divino Mestre lhe apresentou um programa antipragmático. Ele o recusou, e seguiu seu caminho.
O filho pródigo era também eminentemente um pragmático. Achava aborrecida a casa paterna, tinha sede de aventuras e queria conhecer a cidade. O pai, vendo as proporções a que haviam chegado esses maus desejos, teve a única atitude cabível nestas situações extremas: deu ao filho o quinhão que lhe era devido e permitiu que partisse.
Dois homens passaram a coexistir no filho pródigo. De um lado, levava em si um resto de amor à casa paterna, mas, de outro, muito amor à vida de orgia e dissipação. Na cidade perdeu-se completamente, mas com isto surgiu dentro dele uma recordação antiga; o resto de amor que ainda conservava à casa de seu pai aflorou à superfície e o mau filho lembrou-se do lar paterno. Pela primeira vez na vida, teve saudades de sua casa. Dentro de si uma imagem velha, embotada, semiesquecida, a imagem do lar começa a aparecer diante de seus olhos e a tornar-se viva. E tendo entrado em si, disse: “Levantar-me-ei e voltarei à casa de meu pai” (Lc 15, 18). Aquele antigo ideal reviveu em seu interior e ele retorna para a casa do pai, onde é recebido de braços abertos.
Todo homem, por mais que se tenha pervertido, leva dentro de sua alma uma figura completa dos ideais de bem e de verdade para os quais foi criado. Porém, à medida que vai decaindo na virtude, produz-se um embotamento em sua consciência de tal forma que aquela figura tende a desaparecer; vai sendo sepultada, mas não destruída, tal como na lenda bretã da catedral submersa: de quando em vez ela surge à tona do mar e tantas recordações de bem, de moral, de virtude, de fé sobem à tona da alma do pecador e começam, repentinamente, a tocar os seus sinos. Vem, então, a possibilidade da conversão. O velho ideal se ilumina e o homem volta a vê-lo brilhar.
Do exposto se conclui que a conversão para a Contra-Revolução só se dá quando, de uma maneira intensa, completa e radical, for até o fundo da personalidade. A conversão tem que se basear em um princípio fundamental daquela alma, que domina todos os outros, e deve, então, restaurá-la em toda a sua pureza. Enquanto a perversão se faz por pequenas etapas e por concessões, a conversão só se realiza mediante grandes esforços. Para que a conversão seja possível, é necessário empregar grandes energias e despertar os primeiros princípios. O dinamismo pelo qual a Revolução e a Contra-Revolução caminham nas almas é completamente diferente. A primeira anda passo a passo, a segunda deve romper o caminho por uma explosão.
Se queremos promover a Contra-Revolução não podemos seguir, pois, a mesma marcha da Revolução, mas temos que fazê-la por outro processo, tirando do fundo das almas a cathedral engloutie submersa pelas ondas do vício. Os motivos são outros, e a técnica completamente diferente.
Os métodos da Revolução e da Contra-Revolução são opostos
Digamos, agora, uma palavra sobre o embotamento. O que entendemos, em linguagem comum, por um homem embotado? É aquele cujo espírito tem apenas uns pequenos lampejos, uns restos de clarividência, e nada mais.
No fundo de todo pragmático há resquícios de virtudes católicas embotadas; ele é por excelência um homem embotado. Quando se fala de Jesus Cristo ou da sua Igreja, ele sorri com um pouco de simpatia, como um surdo que consegue ouvir as últimas notas de um concerto. Porém, se se lhe admoesta acerca de sua concupiscência, o seu embotamento sofre uma metamorfose, suas energias entorpecidas despertam e ele ou procurará dominar-se, ou correrá até os extremos. Vejamos a importância disto.
As considerações desenvolvidas neste ponto são de tal modo importantes que, antes de passarmos para outro aspecto do problema, é de toda a conveniência fazermos um apanhado geral delas.
Definimos o embotamento e vimos os seus efeitos com referência ao problema da Revolução e da Contra-Revolução. Uma das consequências mais importantes desses efeitos – tão importante que se poderia chamar a filosofia de ação do contrarrevolucionário – pode ser assim enunciada: uma é a técnica da conversão, outra a da perversão.
Esta última procede das pequenas concessões. E isto porque o vício capital, que é a grande mola da perversão e a raiz da Revolução, é fácil de ser alimentado e se inflama extraordinariamente com qualquer pequeno alimento; à medida que vai recebendo qualquer coisa cresce, por minúscula que seja a dose. Devido a isso, o modo pelo qual se conduz uma pessoa à Revolução é, em geral, o das concessões graduais que vão levando os homens, de ponto em ponto, até os extremos.
Mas para conduzir alguém à Contra-Revolução temos que usar o método oposto. Trata-se de ressuscitar, dentro da pessoa, aquilo que chamamos a cathedral engloutie, e isto só pode ser provocado por meio de um choque muito grande. A tática da Contra-Revolução é a desses grandes choques e apelos à consciência.
O demônio tenta o pecador por etapas a fim de anestesiar sua consciência
Esta ideia se esclarece se nos ativermos a outra imagem. O homem se utiliza de uma tática para fazer uma pessoa dormir, e de outra para acordá-la. No primeiro caso, toca-se uma música lenta e doce até que a pessoa adormeça. Mas para despertá-la a utilização do mesmo método não produzirá o menor resultado. A tática, nesta circunstância, é tocar o bumbo!… Então, o vício capital e a Revolução a adormecem, exatamente quando a Contra-Revolução a acorda.
Todos sabemos como a lava caminha. Imaginemos uma nova erupção do Vesúvio e a lava correndo encosta abaixo. Sabemos que pela sua própria natureza ela não dá saltos, mas pelo contrário percorre todas as etapas intermediárias da encosta da montanha, até chegar ao vale. Imaginemos, no entanto, que o Vesúvio em sua explosão venha a expelir uma pedra. A trajetória desta é inteiramente diversa da percorrida pela lava. A pedra salta de um ponto para outro sem percorrer as etapas intermediárias. São, portanto, dois processos diferentes. Um se faz lentamente, enquanto o outro atinge diretamente o alvo.
Ao analisarmos o indivíduo pragmático, vimos que ele é um homem dividido; ao mesmo tempo um amicus Christi e um amicus diaboli. É um templo com dois altares, ou um altar com duas imagens; tem dentro de si restos de amor a Nosso Senhor e um forte foco inicial de amor ao demônio.
Vimos ainda que a tática do demônio consiste em levar para si o pragmatista por meio de concessões, que não cheguem a ser tão violentas a ponto de provocar um choque e fazer vir à tona a sua cathedral engloutie.
Se o filho pródigo, por exemplo, tivesse conhecido um vizinho num estado semelhante ao seu, certamente a sua história teria sido outra. Se, quando ele estivesse para sair de casa, encontrasse alguém de volta da cidade, após ter comido as bolotas dos porcos, ter-se-ia produzido nele um grande choque que o faria compreender o caminho infame que estava tomando, e se deteria. Em seu espírito se produziria uma “cristalização” repentina, pois perceberia até onde o ia levando o amor ao demônio e, com o choque, a sua cathedral engloutie subiria à tona.
Assim, para o demônio a tática inteligente é ir tentando o pecador por etapas, de tal modo que a sua consciência se vá anestesiando sem nunca receber um solavanco, pois se isto se der a batalha estará perdida para ele.
Podemos dizer, então, que o demônio tem interesse em que a pessoa se torne revolucionária e desça ao Inferno pela marcha da lava, isto é, de modo gradual, por etapas. Muito raramente ele se interessa pela marcha da pedra, ou seja, pelos fenômenos psicológicos em que a pessoa, sem perigo de se reconverter, é atirada do extremo da virtude ao extremo do vício. Isto traria consigo o perigo da “cristalização”.
A Revolução tenta evitar as “cristalizações”
O fenômeno físico da cristalização é muito conhecido. Se num recipiente, onde haja uma solução muito saturada, se colocar um cristal, a solução toda se cristaliza. O mesmo se dá com a consciência humana. Ela está saturada de remorsos. Repentinamente alguém faz algo muito revolucionário. Resulta daí um fenômeno de “cristalização”, isto é, uma volta à posição inicial. E é isto o que a Revolução tenta evitar que se realize.
Com base nas considerações precedentes, fica evidente que a marcha da lava é o processo normal da Revolução.
Como exemplo muito concreto e esclarecedor, podemos apresentar o de uma pessoa idosa que estava de passagem pelo Vale do Anhangabaú, em São Paulo, e fez a seguinte observação: “Veja que mudança! Eu comi lambaris pescados no riacho do Anhangabaú, no tempo em que aqui só havia chácaras de um e de outro lado. Hoje o rio está canalizado. Como tudo isto se transformou!”
Eu, que presenciava o fato, pus-me a considerar a enorme diferença daquela São Paulo antiga, em que o Rio Anhangabaú brilhava ao Sol com suas chácaras marginais, e de outro lado a cidade atual com seus arranha-céus e avenidas. O Viaduto do Chá ainda não existia e o trajeto, que hoje fazemos de automóvel, era realizado a cavalo. Depois, já no tempo da República, o viaduto construído era tão primitivo que se pagava pedágio ao passar por ele, e o trânsito tão pouco intenso que os homens que cobravam esse pedágio avisavam-se mutuamente de que uma pessoa ia passar, por meio de um toque de corneta! As senhoras vestiam saias rodadas, com todos os costumes próprios da época; os homens, de cartola, cumprimentavam-nas respeitosamente; as crianças tratavam os mais velhos com todo o respeito e veneração; na velha Faculdade de Direito, os professores se apresentavam com a tradicional beca. Eram outros hábitos, outro mundo!
Como se sentiam naquele tempo essas pessoas, esses alunos? Imaginemos que existisse em São Paulo, na época dos lambaris do Rio Anhangabaú, um grupo de contrarrevolucionários que profetizasse, para o ano de 1964, uma moda segundo a qual as mocinhas, como as mulheres nas penitenciárias, usariam cortados os seus bonitos cabelos longos, de que então se ufanavam; que veriam suas filhas usarem calças de homem, saírem sozinhas com rapazes pelas ruas e até em excursões; e, além disso, apresentassem um croquis representando um maiô de banho em 1964! Essas senhoras começariam a chorar e a dizer que não seria verdade. Todos acusariam esses contrarrevolucionários de estarem ultrajando a dignidade paulista, e passariam por desequilibrados.
Pois bem, este estado de coisas, que apresentado em 1880 provocaria choro e ranger de dentes, estabeleceu-se calmamente no Brasil como em todo o mundo. E a reação que a geração do tempo dos lambaris poderia produzir foi nula, uma vez que toda essa situação se instaurou de fato na sociedade. Se se tivesse visto, no início da evolução, o ponto a que a Revolução chegaria em 1964, ter-se-ia, seguramente, dado uma “cristalização” muito forte. Todos teriam reagido e se defendido. Porém, como a Revolução caminha pela marcha da lava – muito lentamente –, ela foi inteira e pacificamente aceita.
Um fato histórico ilustra o gradual avanço da Revolução
Um característico exemplo histórico do caminhar lento da Revolução é o conhecido fato da Duquesa de Berry, nora do Rei da França, que viveu por volta de 1825. O mar, naquele tempo, era reputado um lugar bravio. Então, não se lhe admiravam as belezas. A humanidade levou muito tempo para compreender o mar, o qual começou a ser apreciado somente na época do Rei da França, Carlos X.
Foi então que se iniciaram os banhos de mar. Este hábito chocava muito porque na época não se compreendia como era possível praticar um ato íntimo da vida, como o banho, em público. Porém, a Duquesa de Berry, que era contrarrevolucionária no plano B, mas revolucionária no plano A, inaugurou os banhos de mar numa praia do Norte da França.
Ela ia para a praia com uma roupa rodada, chegando até aos pés, e acompanhada de suas damas. O prefeito da cidade esperava-a à beira-mar, vestido de casaca. Ele acompanhava a duquesa dando-lhe a mão, e juntos entravam no mar; da fortaleza ouviam-se salvas de canhões, pois ali estava Sua Alteza Real e era necessário saudá-la.
Era uma cerimônia muitíssimo solene. No entanto, este fato, pelo processo da marcha da lava, pôs em moda os banhos de mar. Tornava-se impossível um banho de mar com tanto aparato e, aos poucos, foi sendo feito de modo mais vulgar.
Por volta de 1925, as moças tomavam banho de mar com trajes feitos de uma espécie de borracha, largos, apertados nos joelhos e com mangas. Os homens, por sua vez, trajavam-se analogamente, e ainda com um pouco mais de recato. Porém, por volta de 1930, estes últimos começaram a usar uma espécie de tanga indígena que são os calções de banho. Na praia, as moças mais recatadas fugiam da presença deles, pois nunca se vira coisa semelhante. Hoje, como se sabe, há nas praias uma imoralidade sem freios nem medidas. Praticamente nada mais falta para o nudismo, que em alguns lugares já começou.
É a marcha da lava. Gradualmente chegou-se a esse cúmulo de miséria moral e, no entanto, não houve reações. De etapa em etapa, o pragmático foi arrastado até onde não queria. E isto explica que a geração de 1880 tenha presenciado as maiores modificações que se possam imaginar no plano A com uma indiferença completa. O triunfo consistiu exatamente em se caminhar pela marcha da lava e em evitar a marcha da pedra, as “cristalizações”.
Revolução sofística e Revolução tendenciosa
Poder-se-ia concluir, do acima exposto, que as ideias e as doutrinas não têm nenhuma importância. As considerações feitas levar-nos-iam à afirmação de que não há mal em lançar uma doutrina errada, mas que tudo se processa tão somente pelas tendências e pelos costumes.
Para responder a esta questão é necessário distinguir duas categorias de Revolução A: a sofística e a tendenciosa. A primeira é feita pelas ideias erradas lecionadas nas cátedras universitárias, divulgadas pelos jornais, livros e demais meios de propaganda. A segunda é a que produz as tendências, desperta os maus desejos e age tendenciosamente no homem para o levar até onde ele não deveria ir. Na ordem da importância, a Revolução nas mentalidades, nos costumes – a Revolução A tendenciosa – é a mais importante. A Revolução A sofística, a que incute o erro e é cronologicamente posterior à tendenciosa, é menos importante do que esta. O sofisma só encontra campo na alma depravada, que deseja o erro.
Teremos, por último, a Revolução B que, passando aos fatos, transforma as instituições, as leis e os costumes2.
(Continua no próximo número)
(Extraído de conferência de 15/10/1964)
1) Do latim: a alma humana é naturalmente cristã.
2) Cf. Revolução e Contra-Revolução, Parte I, Cap. V, “A Revolução nas tendências, nas ideias e nos fatos”.