Todos os corações vibravam fervorosos e cheios de entusiasmo por poder oferecer ao Santíssimo Sacramento essa magnífica forma de adoração saindo em procissão entre aclamações, pompas, muito esplendor e nobreza, apesar das dificuldades, pois o homem não deve esquecer da luta, nem do risco, ou do esforço, sobretudo quando se trata da glória de Deus. Só assim se alcançam as verdadeiras alegrias e as bênçãos do Céu.
Pediram-me para retomar a leitura do artigo referente à procissão do Santíssimo Sacramento em Viena, com vistas a considerarmos com mais vagar alguns pormenores.
Apesar das dificuldades, sempre tributar ao Santíssimo Sacramento todas as honras
Tinha ficado combinado que, em caso de intempérie, a grande procissão do domingo não seria realizada, e que tão somente uma Missa seria celebrada pelo Legado Papal, na Catedral de Santo Estevão, ante o Imperador e toda a corte.
Na Europa as estações se sucedem com muito mais regularidade do que no Brasil. Portanto, tudo isso tinha sido previsto porque era um período em que as chuvas vinham com certa frequência e, naturalmente, esperava-se o comparecimento de uma multidão imensa, por ser esse ato de adoração uma tradição da qual todo o mundo participava. A tal ponto que a notícia não assinala surpresa alguma. Ela narra tudo com muita admiração, num tom distinto e com poucos adjetivos, ressaltando mais os fatos em si do que os adjetivando.
Então ficou combinado que, havendo chuva, não se realizaria a procissão. Isso foi combinado entre quem? Entre o Imperador, as autoridades de trânsito, a polícia, etc., de um lado, e, de outro, entre o Cardeal Legado, o Arcebispo de Viena, e mais alguma personalidade. Quer dizer, as altas direções das esferas eclesiástica, civil e militar foram consultadas e assentaram assim.
Ora, vemos que a chuva em quantidade não impediu o afluxo de pessoas. E o fato de o povo permanecer – e percebe-se que estava chovendo há tempo – indicava bem o grau de fervor dos fiéis, o qual foi reconhecido de boa vontade pelas autoridades, que não só apoiaram essa atitude, como se colocaram à testa do entusiasmo popular fazendo com que o Santíssimo Sacramento – bem entendido, posto continuamente ao abrigo de qualquer gota d’água –, não deixasse de sair, a despeito da intempérie.
Portanto, a ideia fundamental é: diante do entusiasmo popular atestado pela resistência à chuva, não privar os fiéis do Santíssimo Sacramento, mas, antes, Lhe tributar aquela magnífica forma de adoração.
Apesar de tudo, no domingo de manhã, sem se preocuparem com a chuva que não cessava de cair, oitenta mil homens que deviam tomar parte na procissão estavam fielmente em seus postos, com estandartes, bandeiras e música à frente.
A tomar a notícia ao pé da letra, esses oitenta mil homens não constituíam a totalidade do povo, mas apenas os que deviam fazer parte da procissão. Portanto, do público de calçada nem se fala, nem há cálculos. É muito bonito isso.
O Imperador é encorajado pelo entusiasmo do povo
…estavam fielmente em seus postos, com estandartes, bandeiras e música à frente.
Ou seja, quando há grandes manifestações assim, ou elas são compostas de indivíduos, ou essencialmente de associações e instituições. Por exemplo, as Universidades, o Tribunal de Justiça, o Estado-Maior das Forças Armadas, etc. Então, cada uma dessas entidades toma posição num lugar combinado pelos dirigentes da procissão. De maneira que, quando é dado o sinal para avançar, já estão todos postos na ordem adequada.
Por outro lado, ficamos sabendo que o Imperador tinha declarado que era necessário que a procissão fosse feita custasse o que custasse.
Essa declaração naturalmente circulou na cidade. Porque no “ficamos sabendo” tem-se a impressão de que foi um burburinho geral. O Imperador tinha determinado aquilo e, portanto, dava a todo o povo uma espécie de apoio: “O Santíssimo Sacramento sairá, custe o que custar.” Ele estimava tanto ver que seu povo queria tributar a Nosso Senhor essa adoração, que, embora num primeiro momento pensasse em apenas se celebrar a Missa na igreja, acabou decidindo: “Não, o povo nos põe em especiais brios, e nos sentiríamos diminuídos e abaixo de nossa suprema investidura temporal se não fôssemos para o meio do povo e nos molhássemos com ele.”
— Os citadinos, disse ele, têm guarda-chuvas; os campesinos não temem a chuva, e o Santíssimo Sacramento irá de carro.
Apesar de sua idade avançada (84 anos), pretendia ele mesmo participar da procissão.
Segundo o costume, o Santíssimo Sacramento deveria ser conduzido a pé pelo Legado Pontifício, debaixo do pálio. O Imperador e a Imperatriz O seguiam, caminhando também debaixo do pálio.
A multidão dos fiéis e a alta nobreza prontos para a procissão
Às oito horas, a tropa já tinha tomado posição. O cortejo, composto exclusivamente de homens, saía do átrio da Catedral de Santo Estêvão, enquanto cento e cinquenta mil mulheres e moças estendiam-se por duas alas desde a catedral até a porta monumental que dava acesso ao palácio imperial.
Vemos, portanto, o elemento feminino – mais débil e que toma mais cuidado com a saúde – presente em massa. O número é impressionante, cento e cinquenta mil pessoas! Isso confirma que os oitenta mil não são todas as pessoas que estão olhando, mas apenas os que irão desfilar oficialmente, incorporados à procissão. Porque, do contrário, não se compreenderia que dentro desses oitenta mil coubessem, como uma das parcelas, essas cento e cinquenta mil senhoras.
Primeiramente avançam as paróquias de Viena, em seguida os magnatas húngaros, os tiroleses em número de oito mil, os bósnios, os tchecos, os morávios, os rutenos e os romenos.
O que é um magnata húngaro? Magnus quer dizer grande. Magnata quer dizer um homem que faz parte dos grandes, faz parte da grandeza. Assim como o creme da nobreza da Espanha usa o título de “Grande de Espanha”, na Hungria, por imitação, ou por uma germinação espontânea, constituiu-se também o corpo dos magnatas.
Parece-me que esses magnatas não são a nobreza inteira, mas constituem o creme da nobreza, com trajes magníficos, entre os quais uma espécie de capa confeccionada com pele de tigre.
Eis a seguir as delegações estrangeiras: os franceses, distinguidos pelas bandeiras tricolores, que três de nossos compatriotas empunhavam alto e firmemente debaixo de um verdadeiro dilúvio; os espanhóis, os italianos, os ingleses, os alemães, etc.
Então, imaginem os representantes de todos esses povos com as bandeiras nacionais, o colorido que isso devia fazer.
O esplendor da Hierarquia Eclesiástica se faz presente
São onze horas e meia. O clero vai entrar em cena. Compõe-se de cinco mil sacerdotes e religiosos ordenados hierarquicamente: simples padres, curas de paróquias, monges de todas as Ordens, cônegos e, encerrando o bloco, duzentos bispos com capas, mitras e báculos.
O clero representa o aspecto hierárquico da Igreja. Aos olhos dos fiéis, os bispos distinguem-se enormemente do comum dos clérigos, pois portam aquelas mitras – como naquele tempo se usavam em muitas dioceses da Europa – altas, grandes, quase ogivais e, em geral, bordadas com tecidos de ouro ou de prata, com pedras preciosas, que datam de antes da Revolução Francesa. Depois desta, muito do que foi derrubado não foi soerguido, inclusive aquelas grandes mitras, preciosíssimas. Começou o hábito – segundo o que eu vi – de confeccionar muitas mitras episcopais com pedras de vidro.
Mas, enfim, o conjunto do colorido deveria ser muito bonito. Imaginem duzentos bispos andando com suas mitras e báculos. O báculo é o cajado, símbolo do pastor. O bispo representa, por excelência, o pastor de uma diocese. E era bonito ver o prelado andando com o báculo batendo no chão de pedra.
Porém, posteriormente, uma novidade apareceu, que era uma forma de modernização: colocar na base do báculo uma espécie de calço de borracha, de maneira que os bispos batiam com o báculo no chão, mas não se ouvia barulho, ou se ouvia muito amortecido, sem beleza. Mas tudo leva a crer que nesse tempo ainda não se usava a borracha.
O mais sublime cortejo
Fanfarras e trompetes anunciam o terceiro cortejo – do Santíssimo Sacramento – ao que seguirá o do Imperador-Rei.
A fanfarra e os trompetes anunciavam para a multidão coisas novas que apareciam. Naquela época não havia autofalante. Então, faziam uma sinalização para chamar a atenção do povo: vai aparecer um novo cortejo, olhem para cá, olhem para lá! Conforme o lugar de onde vinha a fanfarra ou o cortejo, os fiéis se viravam para observar. A comunicação era exatamente sonora e musical.
Na primeira linha estão escudeiros vestidos de vermelho-escarlate; em seguida, militares da corte, com panache branco, montados em cavalos cinzas de toute beauté; os dragões e os hussardos.
Os dragões são aqueles soldados de cavalaria que usavam couraças prateadas e também elmos, todos de metal branco, tendo neles uma espécie de ornamento à maneira de um rabo de cavalo, caindo pelas costas. O conjunto dava ao desfile um encanto enorme.
Ainda um esquadrão de cavalaria e eis que chegam os cardeais. Cada um possui sua carruagem particular e vem acompanhado a pé pelo encarregado de sua capela, levando seu crucifixo, seu báculo, o archote ritual e seu livro de orações.
Provavelmente, o archote ritual remonta a um costume do tempo anterior à Revolução Francesa, no Ancien Régime1, quando não havia ainda iluminação pública à noite, a não ser escassa e em poucas ruas. O archote era um recipiente onde punham matéria combustível e prendiam fogo. Isso ardia durante algum tempo, e não havia renovação. Parece que o cerimonial dispunha que pelo menos o secretário e um porta-tocha do Cardeal deveriam estar sempre ao lado dele, pois não se sabia a hora de seu retorno, e era preciso ter um porta-archote com ele.
Os outros objetos que o Cardeal leva se explicam por si mesmos: o crucifixo, o báculo e o livro de orações.
Para o Cardeal não ficar sozinho no carro, estabeleceu-se o protocolo pelo qual, sempre que ele saía em grande cerimônia, deveria ir com esse acompanhamento.
Sua Eminência o Cardeal Amette vem sentado num admirável carro com relevos negro e ouro, atrelado por quatro cavalos. Ele não sofrerá com a chuva, mas manifesta-se preocupado pelos outros, e admira esta multidão que se apressa, desde a aurora, para honrar o Santíssimo Sacramento.
Fanfarras ressoam, sinos tocam por toda parte e – precedida por oficiais, camareiros e do grande marechal da corte – a carruagem da coroação de Maria Teresa, pintada por Rubens, penetra na Helden Platz atrelada por oito cavalos negros. A parte alta é quase toda de vidro e pode-se ver comodamente o legado papal, ajoelhado ante um altar no qual está o ostensório.
Uma coisa que a meu juízo faltou nessa ocasião foi a beleza da salva de artilharia. Forma um conjunto lindo. Aquilo tem qualquer coisa de trágico, de apoteótico e de grandioso, que tira um pouco a nota unilateralmente festiva do acontecimento. Lembrando que no meio de todas as alegrias, o homem não deve esquecer da luta, nem do risco, nem do esforço. Parece-me que a tragédia orna a melodia quando a atravessa como um raio.
Últimos momentos da procissão
A chuva cessa por um momento e o Sol deixa entrever alguns pálidos raios.
Todos tiram os chapéus. Muitos caem de joelhos, sem se preocuparem com a lama.
Esse ato tem muita beleza. Os fiéis não se incomodam. O Santíssimo Sacramento está aí, portanto, é o único lugar onde se compreendem imprudências. Diante do Deus Eucarístico, e por Ele, tudo! Joelhos em terra.
Aí então, num silêncio dos mais comoventes, passa o Deus da Eucaristia.
Também isso é muito bonito. Ruído enquanto entra o Santíssimo, mas quando Ele começa a passar diante ao público, silêncio. Realmente hic taceat omnis lingua – aqui se cale toda língua –, está presente Nosso Senhor. Acabou-se.
Como Nosso Senhor deve ter abençoado estes humildes que se inclinam ante sua passagem, e ouvido os ecos de sua comovida piedade!
Esse trecho evidencia sutilmente a “heresia branca”2. Por que Nosso Senhor só teria ouvido as orações desses humildes e não dos grandes que estavam presentes para adorá-Lo?
Esse comentário dá a impressão de que o filho da grandeza é o da mão esquerda, quase um filho espúrio da Igreja, enquanto o filho da humildade é o da mão direita, o filho de ouro. Não é verdade. A conhecida opção preferencial pelos pobres, tão justa, da qual Nosso Senhor deu tantos exemplos, não é exclusiva, pois há outras formas de opção preferencial.
Depois da carruagem de Nosso Senhor, eis agora a do Imperador.
Numa carruagem atrelada por oito cavalos brancos e vestido com um uniforme azul, Francisco José olha fixamente o Santíssimo Sacramento, que ele acompanha.
Percebam que o Imperador Francisco José não olha para o eleitorado. Em primeiro lugar porque ele não é elegível, e não está precisando, portanto, de agradinhos para conseguir os votos do público. Em segundo lugar, porque não pode dar a impressão de alguém que não está prestando atenção. Ele vai com os olhos fixos, o tempo inteiro, onde está o Santíssimo Sacramento. É a piedade ideal.
A seu lado está o arquiduque-herdeiro.
Uma formidável e uníssona ovação é proclamada por esta imensa multidão para acolher o Imperador que chegava na Helden Platz.
Resulta um pouco estranho que batam as palmas para o Imperador sem notícias de que o tenham feito para o Santíssimo Sacramento. Certamente houve alguma ordem eclesiástica, pela qual não se deveria bater palmas para Nosso Senhor.
Sentia-se que os cem mil católicos presentes queriam não somente honrar o soberano, mas sobretudo agradecer-lhe pelo exemplo de Fé que ele dava e mostrar que todos os corações vibravam neste instante supremo.
O cortejo termina por uma soberba cavalgada da guarda montada austríaca, da guarda montada húngara e pelas carruagens dos arquiduques.
Arquiduque era o título de todo aquele que, por varonia, fazia parte da Família Imperial, pois esta se distribuía em vários ramos muito numerosos. Eles usavam uniformes brancos, com uma tira de couro e uma espada. Provavelmente eles participaram da procissão com esses belos uniformes e suas condecorações. Deveria ser um cortejo lindo de algumas dezenas de arquiduques, cada um na sua carruagem, desfilando. Era o fim da procissão.
A piedade autêntica é premiada com as bênçãos de Deus
Desenvolve-se conforme o itinerário prescrito, mas é impossível celebrar a Missa onde está montado o altar e nem mesmo ser dada a bênção.
Impossível por quê? Pode-se entrever que não havia nada preparado para proteger o teto do local, e, portanto, corria-se o risco de cair água até no cálice onde estariam as Sagradas Espécies. Resolveram, então, celebrar a Santa Missa na Catedral.
Uma feliz ideia é enunciada pelo Legado Papal: ele se volta em direção à multidão perfilada e seu carro percorre de novo a imensa praça. Por meio da vidraça da carruagem aparece nitidamente o prelado levando o ostensório e benzendo a multidão.
Todos ficam consolados por esta bênção suprema.
O prelado teve uma muito boa ideia, que foi a de ser visto com o Santíssimo dentro dessa carruagem toda feita de cristal, provavelmente avançando bem devagar, para dar a bênção à multidão. Esse ato poderia ter sido fatigante, pois deveria ser um homem de idade, e, ademais, essas custódias de alto valor são pesadas. Porém, pelo que consta no artigo, ele não cedeu a tarefa a ninguém, mas percorreu a praça dando a bênção para os fiéis.
(Extraído de conferência de 17/8/1994)
1) Do francês: Antigo Regime. Sistema social e político aristocrático em vigor na França entre os séculos XVI e XVIII.
2) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.