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Dona Lucilia

A bondade era a virtude que representava o pináculo da alma de Dona Lucilia. Porém, não uma bondade filantrópica, mas sacral, por onde primava o amor à hierarquia e a tudo quanto é divino. Isso em nada diminuía nem enfraquecia nela o amor por aquilo que era pequeno, débil e fraco, tudo quanto merecia proteção.

Daniel A.

Teoricamente falando, a ordem do universo é uma coisa e a hierarquia é outra. A primeira é a disposição bela, sábia e santa com que Deus pôs todas as coisas no Universo. A segunda é a gradação dessa disposição.

Entretanto, São Tomás nos ensina que não seria possível existir uma sem a outra, pois a ordem do universo é hierárquica, de maneira que quem ama a ordem do universo ama a hierarquia e vice-versa.

Dona Lucilia favorecia a ambas simultaneamente. E, sem fazer uma distinção muito clara, mais implícita do que explícita, ela tinha um modo de louvar ou elogiar certas coisas, por onde se percebia ao mesmo tempo o amor à ordem do universo e à hierarquia, que vinham entrelaçadas. De maneira que posso tirar a seguinte conclusão: Dona Lucilia me ensinou a amar tudo isso, amando em cada coisa todas as outras.

Amor, doçura e carinho que acolhe os pequenos

Em geral, quando mamãe tinha a oportunidade de estar diante de um passarinho bonitinho, quer solto, quer numa gaiola, com muito agrado ela se detinha na análise dele. E, bem entendido, se ela notasse que faltava alpiste na gaiola, logo mandava comprar em alguma loja próxima e pôr o alimento para a ave comer até fartar-se; ademais, mandava renovar a água, limpar a gaiola, podia até enternecer-se na consideração do passarinho.

Nesse gesto, por exemplo, notava-se que seu amor por tudo quanto era pequeno, débil e fraco, tudo quanto merecia proteção, estava contido no amor materno manifestado a seus filhos. Portanto, a priori e a fortiori, estavam os filhos dela.

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Para ter uma ideia disso, imaginemos uma sala com muitos espelhos paralelos refletindo-se uns nos outros, uma espécie de ping-pong de luzes de dentro de um espelho para outro, e deste para o primeiro, e os jogos de luz mudando pela inflexão da sala. Assim era o amor dela a vários pontos.

A impressão que eu tinha quando me aproximava de Dona Lucilia, era de emanar dela uma certa doçura, à maneira de um círculo, um halo que a envolvia toda, e se exprimia num carinho e num sorriso invisível cheio de acolhida, de proteção e de alegria por aquela pessoa ser daquele jeito.

Diz o Evangelho que quando Nosso Senhor encontrou o moço rico (cf. Mt 19, 16-30), tendo olhado para ele, amou-o. Esse querer bem vinha, portanto, no seu primeiro movimento, do olhar. Ele olhou, viu e quis bem. E isso para mostrar como é, por assim dizer, o mecanismo da formação da amizade, do afeto, do respeito. Em mamãe, a alegria por ter um filho bom se manifestava por essa acolhida, por esse olhar.

Nela eu posso confiar sem limites!

Ora, ao lado dessa doçura surgia muita segurança da sinceridade dela. Mas era uma certeza tal, que se alguém dissesse: “Oh, que sinceridade!”, eu ficaria chocado porque estaria dizendo uma coisa evidente. O óbvio não se diz. Assim era a sinceridade dela.

Outra coisa relevante era a estabilidade dela. Diante das incompreensões mais rotundas, seu modo de ser não mudou até morrer, foi sempre o mesmo. E isso levava a pessoa que se aproximava dela a sentir uma grande desmobilização e quietude: “Nela eu posso confiar sem limites. Ela não vai encrencar comigo por causa de um capricho, uma mania, um interesse grande ou pequeno, mesquinho ou até generoso que seja, a não ser que eu faça o mal.”

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Dr. Plinio em abril de 1993

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Tudo isso trazia uma espécie de estabilidade que, misturada com a doçura, com o carinho, com a capacidade de atração, tinha uma beleza imponderável que eu não sabia no que resultava. Não era tanto dos traços dela, mas era uma beleza que parecia irreal. Não é próprio às coisas concretas, terrenas, materiais, serem bonitas dessa maneira. Bem se podia supor que algum Anjo projetasse sobre ela algo de sua própria luz. Poderia imaginar alguma outra hipótese do gênero, mas é muito difícil entrar em afirmações diante de matéria tão bonita, mas tão misteriosa também.

Bondade e sacralidade na alma de Dona Lucilia

Tomemos, por exemplo, aquele vestido de gala com que Dona Lucilia se fez fotografar em Paris. É um vestido bonito, que se não fosse usado por ela, mas por outrem, perderia muito. Ela acrescentava um quê inexplicável a esse vestido. Quer dizer, mamãe transmitia uma certa forma de harmonia e de beleza que a criatura terrena não tem. Daí a sensação de fada. É verdade que não existem fadas, mas a Providência pode dar essa impressão à criatura terrena.

Qual era a virtude que representava o pináculo da alma de Dona Lucilia?

Sem dúvida nenhuma, a bondade era a nota característica do feitio dela. Mas é preciso entender bem esta palavra, pois as pessoas hoje em dia a consideram, de um modo abusivo e errado, como uma filantropia às vezes até ruim. Com ela não era assim.

Nela a bondade se conjugava com a sacralidade, a qual é o pináculo do amor à hierarquia. Porque ao amarmos a hierarquia, amamos com maior intensidade o que é mais alto, e, portanto, acima de tudo, aquilo que diz respeito a Deus, aos seus Anjos, Santos, à sua Igreja gloriosa, militante e penitente, o culto divino. Isto é sagrado, é sacral. E ela amava tudo isso mais do que as outras coisas. Nela, evidentemente, essa sacralidade se estendia também a pessoas, como acabo de dizer, sobretudo às pessoas sagradas e a outras coisas do gênero.

(Extraído de conferência de 2/4/1993)