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Tendência contínua para o píncaro

Em tudo na vida há escaladas, e em cada uma que fazemos, o mais perfeito e que nos leva a tirar proveito, a nos enriquecer, santificar, maravilhar é a vontade de galgar novos cumes. Essa procura constante do absoluto – no fundo, do ápice da verdade, do bem e do belo – caracteriza a alma reta.

Há certo tipo de homens que, colocados diante do mar – a praia do Zé Menino em Santos, por exemplo −, seus olhares se limitam àquela enseada e a uma linha ideal na qual o horizonte oscula o mar, e pensam só naquilo, está acabado. Não cogitam nas imensidades do oceano que chega até a Europa, nos mares que se interpenetram, cujas águas se jogam umas nas outras formando uma única, soberba, variada e, entretanto, homogênea massa líquida a ocupar a maior parte do globo terrestre.

O brilhante, a oratória, o ensinamento absoluto

Isso é pensar?

Uma pessoa que vai a um joalheiro ver um brilhante, uma pérola, um rubi, olha para aquilo e diz: “É bonitinho… Ah, quanto custa?” Se tem dinheiro, compra; se não tem, não compra.

Mas se ela ao contemplar o mar procurasse pensar nos horizontes finais do oceano, olhando para o rubi diria: “Que bonito! Mas não é o rubi… Como eu imaginaria uma pedra de um brilho mais profundo, de um vermelho mais encarnado, de um reluzimento mais perfeito, de um tamanho mais generoso? Do que vale essa pedra em relação ao rubi perfeito?”

Fabricio Macedo (CC3.0)
Praia de Pernambuco Guarujá, São Paulo

Tamara T.
Rosenwald Collection (CC3.0)
Jacques-Benigne Bossuet – Galeria Nacional de Arte de Washington

E se colocam essa pessoa diante de um brilhante, ela afirma: “É muito bonito, mas dizem que o brilhante perfeito é o Koh-i nor, que está na coroa da Rainha da Inglaterra. Oh, vendo esse brilhante tenho mais vontade de ir à Inglaterra para conhecer o Koh-i nor!” Mas, olhando o Koh-i nor, ela se pergunta: “Quanto outro brilhante mais belo haverá pelas entranhas da Terra? Como será o brilhante absoluto?”

Claudio Agnaldo
Vida da Sagrada Família – Santuário de Loreto, Itália

Depois ela toma um livro de oratória e vê, por exemplo, um Santo Agostinho, um São João Crisóstomo, um São João Damasceno, um Bossuet, falar. Ela pensa: “Que belo, que coisa esplêndida! Mas como seria a oratória absoluta na qual sentíssemos reunidas todas essas formas de oratória e mais alguma coisa?”

Na fímbria do horizonte uma pergunta se põe. A insaciabilidade nem sempre dá, na sua última cogitação in recto, num horizonte vasto. Às vezes há mistérios, questões que a pessoa amiga do insaciável não deixa de lado, guarda como tesouros deleitabilíssimos a respeito dos quais, na hora do repouso, vai pegar um problema e burilá-lo, aprofundar mais um pouco.

Um longo discurso pode ser belo. Mas se formos ao paradigma absoluto da elocução humana, ele está em Nosso Senhor Jesus Cristo. Segundo nos contam os Evangelistas, Ele disse palavras sintéticas de tal substância e elevação que realmente empregou os termos absolutos, e deu aquilo que se poderia chamar o ensinamento absoluto.

Colóquios de Nosso Senhor com sua Mãe, na casa de Nazaré

Entretanto, pode-se levantar uma questão. Jesus não teria dito coisas mais perfeitas e mais próximas do ensinamento absoluto nos longos colóquios com Maria, na casa de Nazaré? Que palavras Ele disse a Ela, que confidências! O Mestre de toda a sabedoria e, mais ainda, a Sabedoria encarnada, falando com sua Mãe, a Sede da Sabedoria, quais seriam as respostas d’Ela, e quais os colóquios em que Ele, por exemplo, A preparava para a Cruz ou A fazia antegozar os esplendores da Ressurreição e, mais ainda, do Céu? Como seriam essas conversas?

Emil Hünten (CC3.0)
Frederico II da Prússia – Galeria J.H. Bauer, Hannover, Alemanha

Alguém perguntará: “Mas por que o Evangelho não traz isso?” Porque nem é para nossos ouvidos de homens comuns. Os ouvidos d’Ela, virginais, imaculados, de uma correspondência perfeita, confirmados na graça, mereceram escutar isso, mais ninguém.

Mas, se não ouvimos, podemos voar mais alto e imaginar as palavras que Ele disse a Ela. Então, nossa alma desejosa de insaciabilidades voa para um píncaro misterioso. Não é inútil excogitar porque há mistérios na vida da graça, e a uma pessoa sem pretensão, à força de entregar-se a considerações dessa natureza – talvez numa hora de inefável bondade da Providência –, lhe é dado ouvir algumas dessas palavras.

Não sei se, sem assistência especial da graça, depois disso ela conservaria coragem para viver. Houve Santos que tiveram a felicidade de ouvir por revelação, por fenômeno místico, acordes da música dos Anjos no Céu.

Se eles escutaram a música espiritual dos Anjos no Paraíso, não terão ouvido alguma palavra trocada entre Nosso Senhor e Nossa Senhora? Mesmo que tenham sido só estas: “Mãe, eis aqui teu Filho!” E Ela respondeu: “Filho, eis aqui tua Mãe!”

E até onde isso subiria… E se num momento – foi apenas um momento? Não teriam sido dias, meses, anos? – Nossa Senhora teve comunicação em êxtases com a Santíssima Trindade… Quem pode imaginar coisas como essas? Quanta beleza, quanto píncaro há nisso!

O dom da palavra e o da presença

Segundo o Evangelho nos conta, Nosso Senhor fez sermões rápidos. Ora, encontramos nos discursos longos uma particular beleza. Às vezes, eles se desdobram como um grande manto e brilham de luzes diversas. Será mesmo que Nosso Senhor só fez sermões curtos, ou os Evangelistas os resumiram, à procura desta linda qualidade, a concisão, tão própria a quem apresenta aquele oceano, aquele céu de tesouros dos Evangelhos? Quem sabe se Ele falou muito mais? Tudo leva a crer que sim. Por exemplo, quando proclamou as bem-aventuranças, deve ter falado longamente.

Então podemos imaginar um longo sermão de Nosso Senhor Jesus Cristo, qual é a forma de deslumbramento, como aquilo ia por vales de uma profundidade insondável ou por voos de uma altura inimaginável.

Ser dotado da capacidade de agradar pela palavra é um dom natural o qual a Providência dá a uma pessoa que, se for piedosa, muito frequentemente é realçado por dons sobrenaturais os quais entram naquele dom natural e lhe dão outro charme, outra graça, que ele não tem.

Há pessoas a quem Nossa Senhora não deu o dom dessa palavra, mas conferiu um outro: o da presença agradável. Qual é o melhor?

Temos figuras históricas deliciosas pela presença. Maria Antonieta era uma. Presença inesgotável, fonte contínua de delícias para todos que privavam com ela. É bem diferente de um grande pregador sacro ou orador político.

A Imperatriz Maria Teresa, mãe de Maria Antonieta, possuía tal presença que, estando em apuros e precisando do apoio do povo húngaro para lutar contra Frederico II da Prússia, foi à Hungria, fez-se coroar rainha e pediu apoio ao povo. Então, na presença dela, todos os militares puxaram as espadas e gritaram: “Morramos por nosso Rei, Maria Teresa!”

Há presenças que nem precisam falar; chegam e empolgam.

http://travel.spectator.sk (CC3.0)
Maria Teresa é coroada “Rei da Hungria” na Catedral de São Martinho, em Bratislava

Em Nosso Senhor Jesus Cristo o que comprazia e arrastava mais: a presença ou a palavra?

Procura constante do ápice da verdade, do bem e do belo

Assim, nos encontramos de novo numa dessas coruscações sobre as quais não se sabe o que dizer… Entretanto, é lindo aprofundar um tema, abordando-o como quem toma um brilhante e o remexe por vários lados, à procura do reflexo de luz mais bonito que pode dar. Ele é transparente, luminoso. Por onde pegá-lo na sua maior beleza?

Martin van, II Meytens (CC3.0)
Imperatriz Maria Teresa Academia de Belas Artes de Viena

Esse é um problema-luz, não um problema-trevas. Como é agradável, bonito pensar nisso! Como a alma se distrai mais com uma coisa dessas do que com uma telenovela ou qualquer porcaria desse gênero! Essas são grandes cogitações.

Há toda uma ordem de realidades que é o pináculo e para o qual a alma humana deve estar constantemente voltada, à procura de outros píncaros. Em tudo na vida há escaladas, e em cada uma que fazemos, o mais perfeito e que nos leva a tirar proveito, a nos enriquecer, santificar, maravilhar é a vontade de galgar novos cumes.

Cada escalada é um arquétipo da anterior. Ao ter apetência daquilo, atendemos ao desejo mais profundo da alma verdadeiramente elevada: é um anseio implícito, mas magnífico, do absoluto.

Lembro-me deste fato ocorrido quando eu era jovem, com uns vinte e sete anos. Conversando com um padre, ele me contava que tinha estado em Mariana, a histórica cidade de Minas Gerais. Era um sacerdote inteligente e percebeu bem meu gosto pelo maravilhoso. Então me armou uma cilada dizendo: “O senhor pode imaginar a surpresa que tive quando, subindo a escadaria do seminário, notei as pedras que a revestiam. Perguntei ao reitor que me acompanhava e ele me confirmou: a escadaria era toda revestida de topázios!”

Seminar bei Marianne (CC3.0)
Seminário de Mariana, Minas Gerais, em 1853

Fiquei maravilhado. Ele, um veneziano subtil e arguto, depois de me maravilhar, deu um risinho e afirmou:

“Bem, Dr. Plinio, não era de topázios preciosos… Essa pedra admite uma variedade não preciosa que se encontra como um pedregulho. Com esses topázios era calçada a escadaria do seminário.”

Percebi ter ele feito uma sondagem psicológica para ver qual a minha reação. Mas, sendo um homem muito correto, ele quis logo retificar a afirmação e me transmitiu a coisa como era mesmo.

Depois fui me informar e, de fato, eram topázios ordinários, sem brilho; mas, feita a análise química, constata-se pertencerem à mesma família do topázio precioso.

Mais tarde, pensei: “Não sei o que esse homem achou do meu maravilhamento. Se gostou, sua alma tem qualidade; se não gostou, vale como o topázio ordinário.”

Porque essa procura constante do absoluto – no fundo, do ápice da verdade, do bem e do belo – caracteriza a alma reta.

Lei da gravitação universal

Segundo a formação dada hoje em dia, chegar ao ápice da verdade significa tomar, por exemplo, uma célula animal ou vegetal, ou então uma partícula de qualquer matéria mineral, escarafunchar aquilo para saber o que tem dentro.

Ora, isso pode ser o fundo da verdade, mas conhecer o ápice a respeito de uma pedra, uma estrela, um capim, um animal ou de um homem, enfim, de qualquer coisa, por pequena ou grande que seja, consiste em saber como aquele ser se encaixa na ordem do universo.

É bom conhecer o fundo, contanto que a inteligência seja suficiente para depois procurar o relacionamento com o ápice.

Por exemplo, ao estabelecer a lei da gravitação universal, que rege desde a relação entre as partículas mais ínfimas até o movimento dos astros, qual a perfeição d’Ele próprio Deus quis fazer conhecer?

A gravitação, enquanto tal, que espécie de relação significa e que perfeição possui essa relação, em si mesma, para o Criador querer ter feito dela a regra do relacionamento de todas as criaturas?

Porém há mais. Se essa é uma lei do universo material, deve sê-lo também do humano, ápice do universo material. Logo, a gravitação é uma regra de conduta dos homens entre si. Como os homens gravitam? Quais os erros que desviam essa gravitação? Como as pessoas gravitam ordenadamente na sociedade temporal? E na sociedade espiritual?

Mas se tudo é gravitação, há nela uma perfeição intrínseca a ponto de, após termos exclamado “ó gravitação!”, exclamarmos “ó Deus!”

Causa-me pasmo o fato de se compreender a educação de outro modo que não seja formar nas almas essa tendência contínua para o absoluto.

Batalha arquetípica

Também a respeito da História é belo considerar os acontecimentos assim. Por exemplo, lê-se a descrição de uma grande batalha, fecha-se o livro e se pergunta: “Como seria a perfeição dessa batalha no seu verum, bonum e pulchrum?”1

Haveria um combate que, tanto quanto caiba na contingência humana, representasse uma batalha absoluta? Há. É aquela na qual está Deus vencendo o demônio.

Flávio Lourenço
São Miguel lutando contra o demônio – Museu Nacional de Arte da Catalunha, Barcelona

Com efeito, Ele derrotou o demônio por meio de um Anjo, como quem diz ao rebelde: “Tu não és nada, Eu te desprezo. Mando a um príncipe de minha corte que te esmague. E se envio um príncipe não é porque tu, miserável, és algo, mas porque Eu sou tudo.”

Por toda a eternidade essa luta continua, travada sobre o vencido, derrotado, esmagado, triturado. Maravilha!

É curioso, mas quando um ser tão inferior ao Anjo, como é o homem, pecou, Deus travou uma batalha infinitamente maior. A que desígnios de sabedoria corresponde uma coisa dessas? Sobre isso poderíamos refletir por longo tempo. É algo belíssimo em que o verum, o bonum e o pulchrum se entrelaçam de modo maravilhoso.

Embora de natureza inferior à do Anjo, o ser humano é o ponto de encontro de todo o universo. Nós temos dos Anjos o espírito, e de todo o resto do universo o corpo, no qual encontramos as naturezas animal, vegetal e mineral. O Criador quis honrar o universo inteiro contraindo a União Hipostática, não com o mais alto dos seres, mas com o intermediário.

Dizem os franceses: Le charme, plus beau que la beauté – o charme, mais belo do que a beleza. Há um charme nesse modo de proceder de Deus que, podendo realizar a União Hipostática com a mais alta das criaturas, decidiu encarnar-Se e elevar, assim, a totalidade da Criação. Que coisa maravilhosa!

Inicia-se, então, a luta do Verbo de Deus encarnado, nascendo das entranhas virginais de Maria Santíssima, chegando à Terra, passando aqui trinta e três anos rezando, ensinando, sacrificando-Se e, afinal, trava a batalha da Cruz, deixa-Se crucificar, depois ressuscita triunfalmente. Não sem antes fundar a Igreja, a qual, uma vez instituída, começa o grande combate do Corpo Místico de Cristo que durará até o fim dos tempos, quando Nosso Senhor Jesus Cristo voltará e, com o sopro de sua boca, destruirá o anticristo. Nisso temos a ideia mais próxima possível do que seria uma batalha arquetípica.

A Criação não nos foi dada apenas de um modo descritivo como um álbum que folheamos, mas para subirmos muito mais alto e nos aproximarmos de Deus.

Doutrina das escaladas do espírito

Arquivo Revista
Dr. Plinio em dezembro de 1982

Chegamos, assim, a uma doutrina das escaladas, não as do corpo, mas as do espírito. As escaladas do corpo não estão fora e muito menos contra o plano da Providência, mas se encontram muito menos dentro desse plano do que as do espírito, nas quais está presente a graça divina a nos dizer: “Meu filho, presta atenção no melhor vislumbre, o qual te faz desejar mais: o píncaro misterioso de toda ordem do ser. Esse píncaro, meu filho, conhecê-lo-ás no Céu: é Deus Nosso Senhor, Verdade, Bem e Belo absolutos. N’Ele tua insaciável sede do absoluto se saciará eternamente.”

Que escola de santidade seria se, à força de pensar nessas realidades, pudéssemos imaginar um pouco como é o reluzimento que nos espera no Céu! Não é uma pura fantasia. Se examino com cuidado minha alma, notando as coisas que lhe dão um sobressalto especial de alegria e felicidade, de apetência de absoluto, e outras que lhe proporcionam menos, entendo como por ali corre a promessa do que vou ver, vou ter e, muito mais ainda, a promessa do que eu vou ser.

Dessa maneira me é dado um ligeiro antegozo do que será a minha presença no Céu. Posso conjecturar que meu Anjo da Guarda represente isso, e imaginar o gáudio do meu encontro com esse meu arquétipo, que me entende completamente e no qual repouso com plena confiança.

Flávio Lourenço
Anunciação – Castelo de Plessis-Bourré, França

Mas subindo pela escada dos Anjos, chego à Regina Angelorum, síntese de todos os espíritos angélicos. E, afinal, na conduta nobre, majestosa, séria, aprazível de Nossa Senhora, descubro um reluzimento pelo qual vejo a Deus. Assim, não O contemplo apenas face a face, mas também, por assim dizer, de dentro dos olhos da Santíssima Virgem.

Eis como em uma boa educação todas as matérias deveriam ser apresentadas para formar os espíritos, desde os fundamentos mais internos, desejando isso. Formadas assim, até onde as pessoas chegariam? A um rio de sabedoria, que não se confunde com informação de fichário. Que fontes de retidão de alma, de santidade e de beleza nasceriam assim para o mundo!

(Extraído de conferência de 11/12/1982)

1) Do latim: verdadeiro, bom e belo.

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