viernes, noviembre 8, 2024

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A arte de conversar e o cântico dos Bem-aventurados

Como será a vida no Céu? Que fazem eternamente os Anjos e os Bem-aventurados? Existirá entre eles alguma forma de relacionamento, ou a visão de Deus os absorve por completo? São essas algumas perguntas que costumam surgir quando se medita sobre as maravilhas do Paraíso Celeste.

A este respeito, ensina-nos a Doutrina Católica que cada um dos Santos e dos espíritos angélicos, enquanto vê a Deus face a face, comunica aos demais aquele aspecto do Altíssimo que lhe é dado contemplar. Esta comunicação mútua constitui um como que cântico das excelências divinas, um sublime ato de louvor e adoração.

Para Dr. Plinio este cântico celestial bem poderia ser comparado, nesta Terra, à boa conversa, na qual os homens não só se relacionam, mas trocam ideias, comentários, percepções, pontos de vista e assim, enriquecem o espírito. Por isso, a conversa tem grande importância para o bem viver.

Entretanto, cada vez mais nota-se na humanidade a extinção da arte de conversar. Hoje ninguém se assombra ao encontrar uma família cujos membros não convivem entre si. Caso se reúnam, para uma festa de Natal, por exemplo, não raro é que as pessoas prefiram estar à frente da televisão, apenas trocando uma palavra de vez em quando. Os mais jovens, hipnotizados pelo mundo virtual, nem sequer piscam os olhos diante do computador ou dos cada vez mais multifuncionais aparelhos de celular… E o patriarca, o avô, que deveria atrair para si a atenção de todos, contando interessantes histórias de seu passado, egoisticamente mergulha no jornal, pouco se importando com o que se passa ao seu redor. Analisando essa situação, tão diferente do ambiente de sua infância, comentava certa vez Dr. Plinio:

“Houve um hiato, uma queda, um vácuo entre a geração dos meus avós e a minha. Aquela ainda conversava, a dos meus pais se achava numa transição e a dos seus filhos já não sabia fazê-lo. Com muito pesar eu notava essa decadência, pois a conversa estimula a vontade de pensar e comunicar. Ela é um intercâmbio mental respirado, tonificante e verdadeiramente humano, um meio insubstituível para viver, pensar.”1

A conversa “não é apenas uma troca de informações nem de impressões, mas também de cognições mútuas dos interlocutores, cujas personalidades se manifestam pelo olhar, tom de voz, gestos, etc., […] é um intercâmbio de duas personalidades que falam sobre matéria atraente e que interessa a ambas. Será ainda mais autêntica se o meu interlocutor puser certa nota pessoal em suas palavras, fazendo com que eu goste de ouvi-lo. Isso é um elemento fundamental da conversa.”2 Numa conversa as mentalidades se visitam, e entram em harmoniosa consonância, evoluindo pouco a pouco, como uma melodia.

Daí a analogia que pode ter uma conversa nesta Terra com o cântico dos Bem-aventurados no Reino dos Céus.

A arte de conversar, muito mais do que um ato social ou uma necessidade da natureza humana, exige também certo discernimento dos espíritos e uma aguda percepção do ambiente e do interlocutor, a fim de tornar-se agradável àquele com quem se fala. “Na procura desse objetivo, é preciso ter em vista que a arte de conversar supõe uma primeira disposição de espírito, sem a qual ela não existe: devemos nos interessar pelos outros para saber conversar.”3

“Observando essa atitude cumpriremos na conversa a síntese de todos os Mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, por amor a Deus”4, deixando o campo meramente terreno e ingressando no celestial. Por isso, para Dr. Plinio a conversa tem seu ponto de convergência no Sagrado Coração de Jesus, e as mais frutuosas conversas são aquelas em que o Divino Interlocutor faz-se presente5. “A boa e verdadeira conversa deve brotar de pensamentos elevados, daquilo que se meditou, analisou; quem não cogita em assuntos elevados é incapaz de manter uma conversa.”6

“Quando conversamos animados pelo amor de Deus e do próximo, o convívio é agradável. Do contrário, o trato será detestável, sem afabilidade, marcado por um cunho revolucionário. Pois imaginemos uma conversa com determinada pessoa em estado habitual de violar, ao mesmo tempo, todos os Mandamentos. Ela mata, rouba, calunia, etc. O estar com essa pessoa se torna insuportável, um pesadelo. Não há o que conversar com ela. Por outro lado, suponhamos um colóquio entre duas pessoas que se esforçam por cumprir de modo exímio os dez Mandamentos. É um Céu. Sublime exemplo foi o célebre diálogo de Santo Agostinho com Santa Mônica, na hospedaria de Óstia. Em suma, a ótima conversa é aquela iluminada pelo Divino Espírito Santo, realizada aos pés da Santíssima Virgem, em cujo Coração vive Nosso Senhor Jesus Cristo. O resto, no fundo, é fraude, vaidade e aflição de espírito…”7

Participando desse estado de espírito, as coisas mais comezinhas, os fatos mais simples do dia a dia, podem se tornar uma prece nos lábios daqueles que conversam, e que não deixam faltar em sua conversação o transcendente, o maravilhoso e a presença divina. Mesmo quando estes elementos estejam presentes de modo implícito — e é o que se passa na maior parte das vezes —, a conversa dá-nos uma pálida ideia do cântico dos Bem-aventurados no Paraíso.

1) Conferência de 5/5/1979.

2) Idem.

3) Conferência de 14/2/1987.

4) Conferência de 5/5/1979.

5) Ver páginas 13 a 15 neste número.

6) Revista Dr. Plinio, n. 82, p. 25.

7) Conferência de 5/5/1979.

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