Jesus coroado de espinhos Paróquia Nossa Senhora da Ajuda, Ilha Bela, Brasil~

Mestre na arte da conversa, Dr. Plinio explica como ela pode nascer do sofrimento.

Pediram-me para falar a respeito da relação existente entre a conversa e a cruz. Vamos, então, conversar um pouquinho sobre isso.

Antes de conversar, falar consigo mesmo

A pessoa recolhida fala consigo mesma e só então começa a conversar. Porque só tem uma boa prosa quem antes falou consigo mesmo. Não é o doido que fala sozinho, evidentemente, mas é aquele que pensa e, nas reações de sua própria alma, encontra o preâmbulo necessário para conversar. Quem não é assim, é uma caixa de repetição das sensações, das impressões dos outros, um papagaio que recompõe colchas de retalhos daquilo que ouviu. Não é um homem capaz de pensar e, portanto, de conversar.

Dou um exemplo concreto. Imaginem que alguns dos senhores vão, por exemplo, deste auditório às sedes onde residem, guardando o silêncio dentro dos respectivos veículos. Não havendo conversa, prestam atenção nas coisas mais díspares pelas quais vão passando pelo caminho e que vão, assim, sendo captadas pelo intelecto.

Chegando à sede, passam pela capela e vão quietos para os quartos de dormir. Ao se recostarem, aquilo que viram vem à memória. Não como se fosse uma fita de cinema, mas, sem os senhores perceberem, voltam à cabeça — um pouco mais acentuadas, trabalhadas e analisadas — aquelas coisas que lhes chamaram mais a atenção.

Se os senhores percorrerem aquele trajeto, em silêncio, várias vezes numa semana, terão feito de cada viagem, sem se darem conta, um livro cujas páginas estão cheias de vida e realidade, não de tipografia.

Em determinado momento, alguém comenta: “Viram, em tal casa, tal coisa assim?” Vários intervêm: “Não, não é isso, é de outro modo, etc.” Sem perceber, formaram uma ideia inteiramente pessoal sobre a qual ninguém conversou. Assim, quando forem trocar aquelas impressões, permutam algo que vale a pena tratar, porque cada um dá àquela imagem uma característica que é a projeção de sua personalidade naquilo. Nasce, então, uma conversa suculenta, pois cada um ajuda o outro a ver melhor as coisas.

A conversa e a espuma da champagne

Ficaria uma coisa artificial se todos se sentassem juntos e decidissem: “Vamos conversar a respeito do trajeto?” O agradável está em não ser uma combinação, surgir no improviso e, de repente, a conversa começar a ferver, porque todos sentem que cada um está pondo o seu contributo.

A melhor comparação é com a efervescência da espuma da champagne.

Ao dar este exemplo, algo do que estou expondo se passou. Todos nós vimos a espuma da champagne e participamos de conversas. Certamente alguns dos presentes não se terão lembrado de comparar uma com outra. Entretanto, depois que um fez essa analogia, tirada de uma observação pessoal e corriqueira da vida contemporânea, é possível que, a primeira vez em que tomem champagne, se lembrem de uma conversa; ou a primeira vez em que saia uma boa conversa, se lembrem da espuma da champagne.

Quer dizer, o contributo de um ajudou vários a notarem na conversa e na espuma de champagne uma relação que todos tinham visto, mas não tinham explicitado. A conversa foi boa porque trouxe uma explicitação.

A torcida impede a boa conversa

Imaginem, pelo contrário, que vão conversando durante o percurso. Começa a conversa durante a qual a pessoa precisa ter uma virtude — que raramente alguém aos vinte e poucos anos tem — bastante grande para não ser imediatamente tomado por uma espécie de “bolsa de valores” do amor-próprio: quem disse a coisa mais engraçada, a mais interessante, se prestaram ou não atenção…

Depois, fica uma feira de torcida: alguém diz algo para provocar excitação, e os demais torcem para degustar aquela sensação. Porém, a torcida é uma coisa inteiramente diferente da impressão. Ela é uma espécie de torção que provocamos em nós para tomar um determinado gosto do que foi observado, mas não é o sabor normal da impressão que aquilo causaria.

Lembro-me de que havia, quando eu era menino, crianças que faziam brincadeira com os próprios olhos, apertando ligeiramente o globo ocular para verem mais fundo, menos fundo, etc. Eu nunca quis saber dessa brincadeira comigo, mas admito que pudesse ser engraçada. Entretanto, é uma coisa muito singular, porque não dá a visão da realidade que dá o globo ocular na sua posição normal.

A torcida é uma pressão que fazemos em nós para tirar uma emoção que a coisa, de si, não daria, vendo-a meio disformemente para gozá-la. Não é a visão séria, que dá a verdade, mas é uma visão mentirosa.

Essa torcida é um modo de esporear os próprios nervos, com uma vontade de querer algo nervosamente, pela ideia de que calmamente não se tira o sabor daquilo.

Alguém talvez já tenha passado por isso: durante os cinco ou dez primeiros minutos de uma reunião, não conseguir prestar atenção no assunto tratado, porque estava torcendo, por exemplo, para conseguir um bom lugar. Depois, quando vai tentar pegar o tema, a reunião já embalou e não se acompanha bem o curso.

Resultado: a observação da realidade foi-se embora. A pessoa para viver aquilo, torceu, deformou seus nervos e não tomou o sabor exato das coisas. Fez como aquele que brinca com os olhos.

Na hora de conversar sobre aquilo, como a pessoa sente que tem um comentário vazio a fazer, fala de modo excitado para ver se chama a atenção. Sai daí uma conversa excitada, rasa, onde há risco de se dizer bobagens.

Os benefícios da solidão

Agora, prestem atenção na fisionomia de alguém quando está sozinho. O isolamento põe o indivíduo nos eixos. Ele não tem para quem fazer graça, com quem se excitar. Ele cai nos seus próprios gonzos e começa a ver as coisas na normalidade de seu ser.

Como me alegra notar, naqueles que vivem um tanto isolados, olhares que refletem a pessoa na sua autenticidade! Quando se está sozinho, fica-se sério; e, vivendo numa tranquilidade séria, o indivíduo vai se formando, abrindo os olhos para as verdades. É, aliás, uma das razões pelas quais se tem tanto medo de ficar sozinho: é porque se torna sério; e as pessoas têm pavor da seriedade, pois ela diz coisas que nossa frivolidade não quer ouvir.

Ficando sério, o homem começa a ouvir a voz das profundidades de sua alma, que ele percebe corresponder às altitudes da ordem do ser. O espírito solitário, ao cabo de algum tempo, começa a ficar profundo. Porque do fundo dele nascem os problemas, as questões, o interesse, as indagações, as leituras… O que ele tem de melhor vai se definindo e adquirindo vida e curiosidade.

Mas também, o que ele tem de mais sério leva-o a discriminar, classificar, julgar, e ele vai tomando uma relação pessoal com aquilo que leu. Ao cabo de algum tempo, está em condições de florescer num comentário. Mas este vem dessa espécie de profundidade que a solidão dá.

O pensamento nasce da dor como o som de um instrumento

Alguém poderia objetar: “Dr. Plinio, o senhor está desviando o tema da exposição. Nós pedimos para o senhor falar sobre a conversa e a cruz, e o senhor está tratando da conversa e da seriedade!”

É que há uma identidade profunda entre o amor à seriedade e o amor à cruz, e eu não fiz senão preparar o terreno para falar do amor à cruz, e da conversa nascida da cruz.

Assim como num instrumento de cordas o som nasce porque se passa o arco pelas cordas, ferem-se as cordas para que elas cantem; assim como um instrumento de percussão ressoa porque se bate naquela membrana, também é pela pressão que o homem reage. Quando algo o faz sofrer, ele pensa como nunca. O homem que sofre, este sim, pensa verdadeiramente e elabora um pensamento particularmente excelente.

As dores do corpo…

Há situações tremendas de sofrimento, como as amputações que se faziam antigamente, quando não havia anestésicos. Por exemplo, na Idade Média, em que para serrar uma perna, amarrava-se o paciente de cabeça para baixo para diminuir a hemorragia, e passava-se o serrote na perna dele. Havia casos de guerreiros que tinham suas duas pernas amputadas.

Às pessoas de nosso século é difícil imaginar como alguém suportava uma dor como essa. Não estou muito longe de achar que um homem contemporâneo, a quem se tivesse que amputar uma perna, assim em cru, depois não ficasse meio louco o resto da vida.

Depois, cauterizavam a ferida encostando brasas sobre a carne cortada para, queimando e secando, evitar a infecção. Quer dizer, depois de tudo cortado, ainda vinha isto!

Podemos imaginar a dor do pós-operatório em um homem nessas condições. Durante quantos dias aquilo doeria? No ciclo normal da dor, primeiro dói muito; depois melhora um pouco e dói somente quando se movimenta; passa-se o tempo e melhora um pouquinho mais, doendo apenas quando se fazem alguns movimentos desajeitados; afinal, em certo momento, cicatriza e não dói mais.

Aparecem, então, outros problemas: Como se deslocar? Como entrar em contato com os outros? Quem vai procurar um indivíduo nessas condições? Quem quererá conversar com ele? Começa a solidão, o abandono. Os cumprimentos amáveis, mas de longe, e acabou.

O coitado serve-se de pequenas habilidades para atrair a si este ou aquele, para ter uma pequena conversa, mas não consegue. Então, arranja um livro para ler, e o livro distrai pouco, porque ele é muito extrovertido e só se alegra conversando. E lá vai toda aquela série de problemas…

É ou não é verdade que nessas horas o indivíduo começa a pensar? “Como está tremendo este sofrimento! E agora, como será minha vida? Ainda sou moço, tenho muito tempo pela frente, como vai ser até o fim? Para o que eu nasci? Como se explica que eu esteja sofrendo isto? Ai, meu Deus!”

…e as dores da alma

Serrar as pernas é uma coisa bárbara, mas a alma sofre mais do que o corpo. Quantas coisas acontecem na alma e fazem sofrer mais do que uma amputação! A vida traz situações tremendas: a pessoa caluniada, que não encontra um meio de se reabilitar, por exemplo. E daí para fora, quantas situações a vida apresenta!

Lembro-me de que um padre jesuíta, com quem tive muito contato, contava uma coisa tremenda que se deu em Berlim:

Uma senhora, de pequena burguesia, morava num prédio de apartamentos e houve um incêndio. Ela saiu deixando em casa sua filhinha, e quando voltou, encontrou tudo em chamas. O único jeito de salvar a criança era enfrentar as labaredas, mas com o risco de morrer queimada ou ficar completamente desfigurada. Essa senhora enfrentou tudo, por amor à filhinha, e levou-a para fora.

Porém, ficou a vida inteira com o rosto tão horrendo que ela não o mostrava para ninguém. Usava, até dentro de casa, um chapéu do qual pendia um véu leve que lhe cobria a face, cuja pele ficara medonha.

Essa menina ficou mocinha e começou a frequentar maus lugares. A mãe, muito religiosa, se afligia naturalmente com isso. E quando ela sabia que a filha estava em algum lugar ruim, ia até lá e mandava chamá-la.

Certa noite, ela soube que a mocinha estava num mau ambiente e mandou-a chamar, mas a filha não foi. A mãe ficou muito aflita, com medo de um desastre moral com a menina, e entrou para pegá-la.

Ao falar com sua filha, que estava acompanhada, esta deu uma risada e disse:

— Quem é você? Não a conheço!

A mãe respondeu, levantando o véu que cobria seu rosto:

— Não me conhece? Minha filha, olhe quem eu sou!

A filha deu uma gargalhada e disse:

— Monstro, não te conheço!

A pobre senhora voltou sozinha para casa.

Não era melhor ter levado um tiro? Não tem palavras! Pensar na maldade da filha que, vendo a mãe se afastar sozinha e triste, continuou no rega-bofe e na perdição!

Qual foi a dor dessa mãe que, com certeza, a noite inteira não dormiu? Terá dormido nas noites seguintes? Pode haver ingratidão pior do que esta?

Do sofrimento brota a reflexão

São as dores da alma. Mas como elas fazem pensar, refletir!

Talvez essa senhora tenha pensado: “Essa menina andou mal… que ingratidão! Eu me imolei por ela, e ela caçoa da hediondez que tomei por amor a ela! Minha filha esbofeteia, a bem dizer, o meu coração que lhe estendi, e pisa sobre o meu afeto do modo mais ignóbil… Lembro-me dela quando era boazinha, quando me queria bem, quando me abraçou e me beijou… E quando eu contei para ela o que aconteceu, como ela ficou agradada e agradecida! Foi ao jardim, colheu uma flor, pôs num vaso, e eu pensei: ‘Estou paga!’ Agora, vejo o pagamento… Do que me adiantou ter feito isso? Mas sei que fiz bem. Entretanto, como se explica que eu tenha feito bem, se era para receber este pagamento?”

E do fundo da alma vem a resposta:

“É porque tu serviste a Deus!”

Uma coisa é ter chegado a esta conclusão na dor, outra coisa é ler num tratado a teoria: o homem nasceu para amar, servir e dar glória a Deus, etc. Isto, na teoria, está muito bom, e é magnífico! Mas quem passou pela coisa, tomou o sabor amargo e o sabor deleitável do princípio, dirá:

“Nunca mais um sofrimento vai me abater. Eu já vivi, a minha vida está para trás… — uma senhora assim é uma morta-viva — a minha vida está para trás. Seja qual for o sofrimento que eu receba, tudo isto acabou para mim. Eu agora vivo para Deus. Porque se eu vier a ter outra filha, olharei para essa criança no berço e me perguntarei: ela não repetirá o que fez a irmã? O que vale o afeto humano? O afeto de uma filha à sua mãe, coisa tão apreciável, do que vale, quando o homem é capaz de ingratidões como esta? Só um vale, porque Ele é eterno, perfeito, e me ama infinitamente; porque o Filho d’Ele Se encarnou e morreu na Cruz por amor a mim. Está tocando o sino da igreja, é hora da Via Sacra… Vou fazer minha Via Sacra e contemplar a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, e aprender assim a carregar o peso da vida.”

A dor católica perfuma a conversa como o incenso

Considerem almas que tenham passado por situações dessas e que conversam entre si. Só isso não bastaria para perfumar um convívio durante uma tarde inteira?

Quando se teve uma vida muito cheia de dores sofridas com paz e resignação, é agradável tomar as feridas cicatrizadas, as amputações espirituais pelas quais se passou — o que queria e não teve, ou desejava e perdeu, ou conquistou a duras penas e despencou sobre si — e pensar, pensar… Fica aquela doçura daquela paciência, da entrega a Deus e a Nossa Senhora. “Eles quiseram, Eles permitiram, sejam Eles benditos! Fizeram comigo o que se faz com o incenso: rasga-se a árvore e a resina sai para o fabrico do incenso. Assim também, o dedo dos fatos me rasgou, e de mim brotou a resina do bom sofrimento. Agora eu me lembro disso, e sobre isso eu filosofo e converso.”

Ninguém pergunta a um gozador da vida qual foi o passado dele. Para quê? Não interessa. Quem abordaria um homem na saída de um clube para lhe dizer: “Conte-me quais foram as piadas que você ouviu e as distrações que você teve. Você ganhou no jogo?”

Onde vamos procurar o perfume do passado? Onde esteve a dor católica. Não é uma dor qualquer, porque há dores das quais também não se tem vontade de ouvir contar: “Eu amanheci com uma dor aqui no joelho, mas depois me deu uma tossezinha…” Por que não se tem vontade de ouvir contar isso? Porque não estava ali a dor das dores: a dor de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Havia um tipo de relógio, que conheci em menino, com um mostrador onde vinha indicado o que aconteceu a cada hora da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Imaginemos um doente que, tendo diante de si esse relógio e sofrendo uma dor de cabeça muito forte, exatamente na hora em que Jesus foi apresentado ao povo por Pilatos, se lembrasse da divina fronte coroada de espinhos e pensasse: “Quanto a fronte d’Ele sofreu mais do que a minha! Ele sofreu isso por mim, e eu não oferecerei por Ele?”

A esse doente sim, teríamos interesse de ouvir contar seus padecimentos, pois entra a resignação, a aceitação, e com elas uma qualidade na alma que é uma participação do sofrimento do Redentor. Isso faz com que, na hora de falar, a pessoa diga palavras cheias de néctar.

É uma vantagem sabermos tirar proveito do bom convívio e da boa conversa dos que sofrem em união com Jesus Cristo na Cruz, porque a alma batida pelo sofrimento é como a árvore que começa a dar a resina ideal, a qual pode ser transformada em incenso.

Dor da qual floresce uma alegria prateada

Esse é o padecimento que eleva a alma. Não é como o bicho por cima do qual passou um automóvel, e que fica ganindo na rua até expirar, mas é a dor do católico que se une à dor de Nosso Senhor Jesus Cristo, às lágrimas de Nossa Senhora e aceita: “Eu vos ofereço isso. Adoramus te Christe et benedicimus tibi, quia per sanctam Crucem tuam redimisti mundum — Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos, porque pela vossa santa Cruz redimistes o mundo. Mater dolorosa, ora pro nobis1.”

Essas almas assim, porque são resignadas, têm até momentos em que a alegria floresce nelas. Mas não é a alegria do gozador da vida; é a alegria pura, feita de prata, do inocente. Alegria casta do homem desprendido e que sabe conversar por amor desinteressado aos outros, contando-lhes coisas, falando para fazer-lhes bem, e com o desejo de ser bom para eles. E sentindo gáudio em ver que eles ficam alegres. A conversa chega ao seu apogeu!

Com isso, fica explicado como as alegrias, as curiosidades, as bondades, as gentilezas da alma que aprendeu a sofrer tornam atraente o convívio e, consequentemente, encantadora a conversa.

(Extraído de conferência de 27/10/1984)

1) Do latim: Mãe dolorosa, rogai por nós.

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