No apostolado, devemos imitar o Divino Mestre completamente no seu modo de tratar as pessoas, comportando-nos como Ele inclusive quando se faz necessário usar energia. Esta é a mensagem que Dr. Plinio transmite no artigo aqui transcrito, redigido em 1941.
A doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo está cheia de verdades aparentemente antagônicas, que, entretanto, examinadas com atenção, longe de reciprocamente se desmentirem, reciprocamente se completam, formando uma harmonia verdadeiramente maravilhosa.
É este o caso, por exemplo, da aparente contradição entre a justiça e a bondade divinas.
Jesus nos deu provas de sua doçura e de sua severidade
Deus é ao mesmo tempo infinitamente justo e infinitamente misericordioso. Sempre que, para compreendermos bem uma destas perfeições, fecharmos os olhos à outra, teremos caído em grave erro. Nosso Senhor Jesus Cristo deu, em sua vida terrena, admiráveis provas de sua doçura e de sua severidade.
Não pretendamos “corrigir” a personalidade de Nosso Senhor segundo a pequenez de nossas vistas, e fechar os olhos à suavidade para melhor nos edificarmos com a justiça do Salvador; ou, pelo contrário, fazermos abstração de sua justiça para melhor compreendermos sua infinita compaixão para com os pecadores. Nosso Senhor se mostrou perfeito e adorável, tanto quando acolhia com perdão inefavelmente doce Maria Madalena, quanto quando castigava com linguagem violenta os fariseus.
Não arranquemos do Santo Evangelho quaisquer dessas páginas. Saibamos compreender e adorar as perfeições de Nosso Senhor como elas se revelam em um e outro episódio. E compreendamos enfim que a imitação de Nosso Senhor Jesus Cristo por nós só será perfeita no dia em que soubermos não apenas perdoar, consolar e afagar, mas ainda no dia em que soubermos flagelar, denunciar e fulminar como Nosso Senhor.
Por que não imitarmos todas as virtudes de Nosso Senhor?
Há muitos católicos que consideram os episódios do Evangelho em que aparece o santo furor do Messias contra a ignomínia e a perfídia dos fariseus como coisas indignas de imitação. É ao menos o que se depreende do modo como eles consideram o apostolado. Falam sempre em doçura, e procuram sempre imitar essa virtude de Nosso Senhor. Que Deus os abençoe por isto. Mas, por que não procuram eles imitar as outras virtudes de Nosso Senhor?
Muito freqüentemente, quando se propõe, em matéria de apostolado, um ato de energia qualquer, a resposta invariável é de que é preciso proceder com muita brandura “a fim de não afastar ainda mais os transviados”. Poder-se-á sustentar que os atos de energia têm sempre o invariável efeito de “afastar ainda mais os transviados”? Poder-se-ia sustentar que Nosso Senhor, quando dirigiu aos fariseus suas invectivas candentes, fê-lo com a intenção de “afastar ainda mais aqueles transviados”? Ou porventura se deveria supor que Nosso Senhor não sabia, ou não se preocupava, com o efeito “catastrófico” que suas palavras causariam aos fariseus? Quem ousaria admitir tal blasfêmia contra a Sabedoria Encarnada, que foi Nosso Senhor? […]
Lobos com peles de ovelhas…
Toda essa ordem de idéias unilateral que vimos denunciando decorre de uma consideração também unilateral das parábolas. Há muita gente que faz da parábola da ovelha perdida a única do Evangelho. Ora, há nisto um erro gravíssimo que não queremos deixar de denunciar.
Nosso Senhor não nos fala somente em ovelhas perdidas que o pastor vai buscar pacientemente no fundo dos abismos, ensangüentadas pelos espinhos em que lamentavelmente se feriram. Nosso Senhor nos fala também em lobos rapaces, que circundam constantemente o redil, à espreita de uma ocasião para nele se introduzirem disfarçados com peles de ovelhas.
Ora, se é admirável o pastor que sabe carregar aos ombros com ternura a ovelha perdida, que dizer-se do que abandona suas ovelhas fiéis para ir buscar ao longe um lobo disfarçado em ovelha? […] Quanto católico, entretanto, se desse aplicação efetiva aos princípios de apostolado unilateral que professa, agiria exatamente assim!
(Excertos do “Legionário”, nº 472, de 28/9/1941 – subtítulos nossos)