sábado, noviembre 23, 2024

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Símbolos, fantasia e realidade

Sendo constituído de corpo e alma, o homem não se sente plenamente satisfeito enquanto seus sentidos não puderem captar aquilo que seu espírito concebeu. Essa necessidade se torna ainda mais intensa e primordial quando se trata d’Aquele que nos criou: mais do que tudo, temos o desejo de ver a Deus com os olhos da carne, depois de o termos percebido através dos olhos da alma.

Acontece, porém, que Deus não pode se manifestar visivelmente ao homem, pois este se desconjuntaria inteiro diante da sua infinita e sobrenatural magnificência. Para remediar essa impossibilidade, o Senhor dispôs de modo santo e maravilhoso que nossos sentidos tivessem de alguma forma o conhecimento d’Ele. Essa percepção nos é dada através dos símbolos.

“Imagine-se um castelo gótico no alto de um monte ou na encosta de uma colina, meio agasalhado na névoa. Assim ele diz mais o que deseja expressar do que se estivesse sem a bruma…” (Castelo de Neuschwanstein, Alemanha)

O que é, pois, o símbolo? É aquilo que nos faz conhecer as perfeições do Criador, as realidades sobrenaturais ou as meramente espirituais, de maneira tal que nos tocam no corpo, dão movimento à nossa sensibilidade e satisfazem os nossos anseios de distinguir fisicamente o que compreendemos pelo intelecto.

Por exemplo, o heroísmo é um elemento da virtude da fortaleza. Podemos ter todas as noções teóricas sobre o heroísmo, mas “sentiremos” o que ele é se analisarmos um leão. Deus incutiu neste animal certos movimentos, “élans”, vais-e-vens, que são análagos, à maneira de bicho, aos gestos e atitudes de um herói. O rei das selvas é, portanto, um símbolo que tem em si uma misteriosa semelhança com coisas da alma, e que nos faz conhecer o espírito de um homem leonino, como terá sido Carlos Magnos e tantos outros personagens históricos que se distinguiram por seu heroísmo e sua fortaleza. Como nos faz conhecer um pouco mais Aquele que é a Coragem, a Fortaleza e o Heroísmo, Deus Nosso Senhor.

O que se disse do leão, pode-se aplicar a uma águia. Contemplando esta ave que começa a levantar vôo, teremos idéia do que é a ousadia soberana, que não duvida, que não toma precauções pequenas e mesquinhas. O alçar da águia rumo ao sol é semelhante a determinadas atitudes da alma também audaciosa, e tal analogia faz com que entendamos pelos sentidos aquilo que já compreendemos pela inteligência.

Essas simbologias permitem que o homem não julgue monstruoso, mas compreenda e goste de algumas figuras da heráldica que são imagens de altos valores morais e espirituais.

Por exemplo, poucos símbolos heráldicos são mais bonitos do que a águia bicéfala. Criatura que, se existisse, seria tomada como uma aberração da natureza, adorna entretanto o escudo e as coroas dos mais elevados soberanos do mundo. Pintada, ela faz sentir uma universalidade de poder: tantas são as coroas que é preciso mais de uma fronte para sustentá-las. Transmite uma impressão de nobreza, na qual o elemento pensante — a cabeça — é tão mais valioso que o elemento corpo, que existem duas, imperando sobre o resto da matéria física.

Outro belo símbolo de heráldica é o leão alado de Veneza. Olha-se para ele e não se o julga um monstro. É a força conjugada com a leveza, o arrojo com a graça e a distinção, é a superioridade de quem pode se impor pela robustez temperada pela elegância de quem pode voar.

Conta-se um episódio célebre, passado na Veneza sob dependência austríaca, nos velhos e bons tempos da diplomacia cavalheiresca. Um nobre veneziano e um representante da Áustria conversavam num daqueles encantadores balcões da cidade das águas, e os olhares de ambos se detiveram na imagem do leão alado. O austríaco virou-se para o veneziano e disse num tom de pouco caso, como quem graceja:

— Curioso este país onde os leões têm asas…

O outro respondeu ato contínuo, na mesma toada:

— Mais curioso o país onde as águias têm duas cabeças…

Na verdade, estavam fazendo uma brincadeira quase que de salão, porque, de si, nem uma coisa nem outra é ridícula. Tratam-se de símbolos, aos quais se permite uma ousadia que não se concede aos seres vivos. Com efeito, o universo dos símbolos, embora exprima uma realidade, é até certo ponto o mundo da fantasia. Ele se situa entre a fantasia e a realidade: não podendo ser inteiramente fantasia, não será — senão mais raramente — uma mera realidade. De fato, o símbolo será tanto mais artístico quanto mais exprima o fundo da realidade, distanciando-se ao mesmo tempo das aparências desta.

Qual é o papel do leão alado ou da águia bicéfala? É, novamente, fazer repercutir na nossa sensibilidade algo que a mente já compreendeu, tornando essa compreensão ainda mais completa. Por isso o símbolo é tão conveniente para o conhecimento humano. E, a meu ver, talvez a mais alta expressão da arte, sobretudo a arte inspirada pela Igreja, seja a de proporcionar ao homem a manifestação dos símbolos que tanto enriquecem sua inteligência e seu espírito.

Havia uma escola de pintura do século XIX que costumava apresentar a realidade sempre envolta numa espécie de névoa. Na verdade, esta missão da arte tinha em vista apresentar um certo caráter simbólico que a névoa confere aos ambientes e aos objetos por ela abarcados.

Imagine-se, por exemplo, um castelo gótico no alto de um monte ou na encosta de uma colina, meio agasalhado na bruma. Assim ele diz mais o que deseja expressar do que se estivesse sem a bruma. Por quê? Porque esta apresenta o lado irreal, que é preciso a fantasia juntar ao real, para a sensibilidade ser inteiramente tocada. Numa palavra, o símbolo ajuda a sensibilidade a se elevar às alturas, onde o intelecto do homem foi conduzido pela razão, e, sobretudo, pela fé.

Situados entre a fantasia e a realidade, os símbolos — como a águia bicéfala e o leão alado — enriquecem o conhecimento humano, permitindo à nossa sensibilidade se elevar às alturas onde o intelecto foi conduzido pela razão e pela fé.

Para concluir, lembremos que Deus outorga a certos homens e mulheres a missão de simbolizar. E, curioso, nem sempre são pessoas de muito valor. Porém, possuem uma estampa, um modo de ser, que, se corresponderem à graça, externam e tornam particularmente atraentes determinadas virtudes. Por causa disso, são chamados a praticá-las eximiamente, transformando-se em anúncios luminosos da perfeição moral. Estes são os Santos. E um Santo nunca se apagará da história.

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