Se o “Rei-Sol” houvesse atendido à mensagem do Sagrado Coração de Jesus, transmitida através de Santa Margarida Maria Alacoque, ele teria evitado a Revolução Francesa, e a História do mundo seria outra.
No prefácio de um álbum sobre Versailles, Jean d’Ormesson1 faz o seguinte comentário:
Luís XIV, precursor da Revolução Francesa
Atrás da arte e da beleza de Versailles, há toda uma sociedade e toda uma política. Trata-se de desferir o último golpe contra o feudalismo, de reduzir a meros súditos os grandes senhores. De fixar as bases da burocracia monárquica, de abafar sob o brilho das festas as tentações de fazer fronda, de independência e de revolta… Por detrás da epopeia da arte clássica e da monarquia legítima, já se faz prenunciar a revolução burguesa que explodirá no fim do século seguinte.
Quer dizer, portanto, Luís XIV foi precursor da Revolução Francesa. E é bem exatamente isso.
Luís XIV em Versailles se coloca no alto de uma curva que não faz senão subir desde os primeiros capetíngios, e desta situação elevada já se percebe, numa perspectiva longínqua, os frutos do centralismo, do rebaixamento dos grandes e o reino dos escritórios instalados por Colbert…
É o Estado moderno, democrático, nivelador e ditatorial.
Em Versailles, entretanto, a pessoa quase sagrada do rei e sua corte bastam para obturar o horizonte…
Essa é uma expressão muito interessante do d’Ormesson: “Bastam para obturar o horizonte”. Quer dizer, para tapear, para disfarçar o horizonte.
Versailles é um mundo fechado dominado pelo rei. Não somente há um só Versailles, mas Versailles é o todo da França…
Ou seja, a centralização absoluta. Tudo esplêndido, o palácio é magnífico, mas a autoridade do rei serve para disfarçar a autoridade dos burocratas e dos burgueses que vêm subindo.
Isso é muito interessante porque se percebe uma coisa curiosa: um rei que não tivesse brilhado como Luís XIV não conseguiria disfarçar tanto a Revolução que subia, de maneira tal que o brilho dele serviu para tudo quanto viria depois.
Recusar ou aceitar uma graça pode fazer girar a História
Poder-se-ia perguntar se ele, sendo sensível ao recado de Santa Margarida Maria e atendendo ao Sagrado Coração de Jesus, não teria desfeito essa trama. Então, que momento histórico extraordinário esse em que ele recebeu o recado e, talvez depois de uma curta reflexão interna, disse não. Poderia ter dito sim, e talvez estivesse a um passo de dizer sim, mas disse não. A História do mundo mudou…
Ao contrário do que dizem alguns, que tudo depende do andamento da sociedade e os indivíduos influenciam pouco, etc., vemos como um ato interno de recusa ou de aceitação da graça pode girar a História do mundo. É lúgubre!
Para quem conhece este assunto, isso constitui um véu de tristeza ao visitar Versailles, pensando que o feudalismo teve ali seus últimos estertores, que foi sepultado no meio de um mundo de festas, que os maiores nomes do feudalismo eram rebaixados a uma condição brilhantemente servil diante do rei, e que este constituía o vazio em torno de si sob o pretexto de subir sozinho. Mas ninguém sobe muito sozinho sem ter feito o vazio em torno de si. Este é um princípio que não falha.
Compreende-se que ele, com sua grandeza real, brilhante, magnífica, estava fazendo os funerais da França do Ancien Régime2.
O pior foi que isso se espalhou depois para todas as cortes do mundo. Todo rei queria ser um pequeno Luís XIV. Até mesmo no século XIX, o Rei Luís II da Baviera, meio desequilibrado, ainda construiu castelos com a ideia de ser uma espécie de Luís XIV. A figura deste monarca modelou tudo, e com isso o mundo monárquico caminhou num passo só para o mundo democrático. Mas caminhou com as próprias pernas!
Se um dia nós escrevêssemos uma História do mundo, teríamos que deslocar a história da Revolução: ela não foi, sobretudo, a história dos revolucionários que se levantaram e derrubaram, mas a história dos contrarrevolucionários que estavam em cima e se jogaram para baixo. Danton, Marat, Robespierre, etc. tiveram como precursor o “Rei-Sol”.
Recado de Nosso Senhor, por meio de uma freirinha
Na mensagem a Santa Margarida Maria, o Sagrado Coração de Jesus se referia assim a Luís XIV: “Vá dizer ao meu amigo, o Rei da França…” A certa altura a Santa transmitia o seguinte recado ao Rei:
“O Sagrado Coração de Jesus não pede senão a vossa confiança em sua bondade para vos fazer experimentar a doçura e a força de seu socorro.”
A fórmula tomada assim parece dar a entender que o rei estava precisando de socorro e tinha noção disso, e que Nosso Senhor lhe dizia que se dirigisse a Ele, e não pedia outra coisa senão a confiança em seu Sagrado Coração, para que o monarca tivesse a experiência de sua bondade e da sua doçura. Como se afirmasse: “Eu não estou pedindo sacrifício, mas rogo esse passo delicado: que creiais na autenticidade da mensagem desta freirazinha, vinda de um convento de um lugarejo — que naquele tempo devia ser de mínima importância. Acreditai nisso e tudo correrá bem.”
Entretanto, que título Nosso Senhor dava para Luís XIV acreditar nisso? Prova não saiu nenhuma, não houve milagre, não aconteceu nada.
São coisas que se passaram entre Deus e Luís XIV… É possível que o monarca tenha tido antes um sonho, indicando que ele receberia uma mensagem ou qualquer coisa assim; ou que ele tenha recebido uma dessas graças interiores com as quais o Altíssimo toca as almas, por onde estas não têm dúvida nenhuma de que foi Deus Quem as tocou. Mas vejam o sacrifício para um racionalista: em certo momento Luís XIV teve que acreditar num paradoxo, numa coisa que era quase uma aberração. O maior rei da Terra receber do Sagrado Coração de Jesus um recado, por meio de uma freirinha afundada num convento ignorado, e mudar uma atitude interior diante de Nosso Senhor: acreditar num Deus que tem pena dele… Ele, o rei onipotente, que diante do Criador, não é senão uma formiga, e que precisa ser tratado com bondade, como uma criança doente é cuidada por sua mãe, e então será socorrido! Procurem colocar diante dos olhos a figura do rei com aquele estilão todo, e compreenderão o que isso representava. Mas era preciso passar por aí… Confiança, sim, mas ajoelhado e de mãos postas, confiando que seria tratado com bondade. Não é um meio colega de Deus, não; é de cabeça baixa, de chapéu no chão, pedindo perdão.
Atitudes da população de Paris em face de dois lances da Revolução
Quando Nosso Senhor declarou a Luís XIV “diga ao meu amigo, o Rei da França…”, isso tinha provavelmente vários sentidos: em primeiro lugar é que o Rei da França, por função, era amigo d’Ele. Mas tinha um significado pessoal também, quer dizer, Ele é amigo do Rei da França. Luís XIV tinha vários lados por onde ele podia ser chamado um homem que queria bem a Deus. Porque a contradição de certas almas muito chamadas é esta: têm coisas boas que conservam no meio do horror, e às vezes levam longe isto, e era o caso de Luís XIV.
Ele tinha uma concubina que, ao perceber estar sendo posta de lado pelo monarca, recorreu à magia negra, mandando até celebrar missa sacrílega para conservar-se nesse estado de pecado com Luís XIV.
Ao tomar conhecimento disso por meios seguros, Luís XIV teve uma espécie de náusea e de horror dela, e a ruptura se tornou definitiva.
O rei, portanto, chegou ao auge da humilhação, ao perceber que a mulher com a qual ele tinha prevaricado era dessa categoria e capaz disso por ambição. Na ponta do caminho Luís XIV encontrava satanás, porque ele tinha recusado um outro caminho em cujo extremo estava o Sagrado Coração de Jesus. É uma coisa tremenda!
Então, vemos nele aspectos bonitos, e depois lados horrorosos que metem medo. Também é verdade que, para a vista de um monarquista, Luís XIV é um sol que ainda não acabou de se pôr. Porque quando os povos se deslumbram com a monarquia e manifestam o desejo de que ela se restaure, é pelo anseio de ver restabelecida uma grandeza da qual o sol foi ele.
Uma coisa que chama a atenção é a diferença entre a conduta da população de Paris por ocasião das guerras de religião no século XVI, e depois no fim do século XVIII e início do XIX, durante a Revolução Francesa.
No tempo das guerras de religião, a população de Paris foi o grande baluarte da Religião Católica, para impedir que Henrique IV subisse ao trono como rei oficialmente protestante. Porque o problema da guerra era este: se ele, como oficialmente protestante, poderia ser Rei da França. E os católicos sustentavam que não; e uma parte ruim da população, bem entendido, todos os protestantes também, sustentavam que podia.
Paris ofereceu uma oposição invencível ao protestante Henrique IV. Aliás, é preciso dizer, essa oposição foi muito reforçada pelas tropas que Felipe II mandou para Paris. Afinal, vendo esta ultracatolicidade da população de Paris, Henrique IV assistiu a uma Missa — se não me engano em Notre-Dame ou em algum outro lugar público — para dar a entender que ele tinha se convertido. E teve esse dito cínico: “Paris bem vale uma Missa.” Daí por diante ele fingiu estar convertido, o tempo inteiro.
Entretanto, no fim do século XVIII não foi propriamente a população de Paris, mas uns aventureiros com um contributo de uma parte dessa população que fizeram a Revolução Francesa. Mas o grosso da população parisiense assistiu semi-indiferente, intimidada e desagradada a tudo isso até o fim.
Como é que Paris mudou tão enormemente?
A recusa de um convite
Se Luís XIV tivesse aceitado o convite de Santa Margarida Maria, ele restauraria a Paris do tempo das guerras de religião; não se pode pensar numa Revolução Francesa nesse clima. Creio que essa Revolução não teria arrebentado; as águas correriam para outro lado, simplesmente.
Em sentido contrário, a Paris da recusa dele foi a da Revolução Francesa. É uma coisa tremenda!
Nessa Revolução chegaram a promover esta blasfêmia: no dia seguinte ao assassinato de Marat, os revolucionários arrancaram-lhe o coração e ergueram uma espécie de altar improvisado, onde o expuseram, tendo embaixo a seguinte frase: “Sacré coeur de Marat, priez pour nous” — sagrado coração de Marat, rogai por nós. Como a dizer “não é o Coração de Jesus que vale, é o coração de Marat”.
Ora, quando consideramos a figura do Santo Sudário, vemos ali, segundo o dito de Bossuet, un Dieu brisé, rompu et immolé — um Deus ferido, quebrado e imolado —, mas com que majestade!
Embora Jesus esteja deitado, tem-se a noção do que seria Ele de pé. O busto ereto, o Corpo perfeito, o peito largo e o tronco que à medida que se aproxima dos quadris se torna mais estreito; a proporção perfeita entre a cabeça, os ombros e o tronco. Um aspecto que, para mim, aumenta a majestade d’Ele é o tamanho da cabeça. Por constituir exatamente a parte mais nobre, o fato de ser, a meu ver, quase um pouco grande para o conjunto, ainda é uma excelência na majestade e na nobreza.
O nariz, apesar de ter sido deformado pelas pancadas, reflete ainda uma lógica, uma coerência que chega até o último extremo. Toda a fisionomia d’Ele é lógica, coerente e, é preciso dizer, de uma severidade extraordinária!
Aquela boca que emitiu tantos ensinamentos, disse palavras tão carinhosas a Nossa Senhora, proferiu orações tão inexprimivelmente magníficas, não é verdade que, no Santo Sudário, essa boca parece estar fazendo uma censura? Esses olhos fechados estão ou não estão fitando a cada um de nós? É uma coisa evidente! É a majestade do Redentor que, através da face do Homem-Deus, julga quem está olhando e convida ao pedido de perdão e à penitência.
Pois bem, atrás desse peito pulsou um Coração Divino que seria revelado depois aos homens como símbolo do amor e da mentalidade d’Ele, e que fez a Luís XIV o convite que nós conhecemos…
(Extraído de conferência de 13/8/1991)
1) Jornalista e literato francês.
2) Do francês: Antigo Regime. Sistema social e político aristocrático em vigor na França entre os séculos XVI e XVIII.