sábado, noviembre 23, 2024

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Sublimidade e pureza

O espírito revolucionário, essencialmente igualitário e impuro, execra tudo quanto é sublime e casto; tem amor ao banal, ao trivial, quando não ao degradado. Por isso grande foi o ódio suscitado nos revolucionários por ocasião da proclamação do dogma da Imaculada Conceição de Maria.

Temos um trecho de uma encíclica de São Pio X1 onde, ao tratar a respeito do dogma da Imaculada Conceição, depois de discorrer sobre a atual negação do pecado original e suas consequências, o Santo Padre diz:

Anarquismo, a mais perniciosa doutrina…

Ora, creiam os povos e professem que a Virgem Maria foi preservada de toda mancha de pecado desde o primeiro instante de sua conceição: desde logo torna-se-lhes mister admitir o pecado original, a redenção da humanidade por Jesus Cristo, o Evangelho e a Igreja, enfim a lei do sofrimento. Em virtude disto, todo racionalismo e materialismo que campeiam pelo mundo são arrancados e destruídos em suas raízes, cabendo à sabedoria cristã a glória de ter guardado e defendido a verdade.

Além disto, é vezo perverso e comum a todos os inimigos da fé, sobretudo em nossa época, proclamar que se devem repudiar todo respeito e toda obediência à autoridade da Igreja, mesmo de todo poder humano, na crença de que logo lhes será mais fácil banir a fé dos corações.

Aqui está a origem do anarquismo, a mais nociva e perniciosa doutrina que possa existir, tanto na ordem natural quanto sobrenatural. Ora, tal peste, fatal tanto à sociedade como ao nome cristão, baqueia ante o dogma da Imaculada Conceição de Maria, pela obrigação que lhe impõe de atribuir à Igreja um poder em face do qual tem que se curvar não só a vontade, mas também a inteligência. Pois é em virtude de uma tal submissão que o povo cristão canta este louvor da Virgem: Toda bela és, Maria, e não há em Ti a mancha original.2 Daí se justifica uma vez mais o que a Igreja afirma da Virgem, dizendo que “só Ela extirpou todas as heresias do mundo inteiro”.

Flávio Lourenço
São Joaquim e Santa Ana com a Virgem Maria – Coleção Granados, Madri, Espanha

…e a extrema ponta da Revolução

Esse trecho é de uma riqueza de conteúdo de pensamento que merece ser explanado e resumido. São Pio X tem em vista mostrar como a aceitação do dogma da Imaculada Conceição, por parte dos fiéis, é um remédio para aquilo que, no ensaio Revolução e Contra-Revolução, nós chamamos a Revolução.

Nessa obra apontamos o anarquismo como a fórmula mais avançada da Revolução. Quer dizer, aquele estado de coisas para o qual o comunismo visa caminhar. Os comunistas dizem que deve haver passageiramente uma ditadura do proletariado. Mas, depois que essa ditadura tenha modelado os homens de acordo com as intenções comunistas, os homens estarão num tal grau de evolução, de “perfeição”, que eles não precisarão mais de leis, de cárceres, não cometerão mais crimes, não farão guerras e não haverá necessidade de governo. E então é uma anarquia. Não no sentido de um pandemônio, de uma desordem, mas de uma ordem sem lei onde todos os homens são reis de si próprios, nenhum obedece a outro e reina uma liberdade, uma fraternidade e uma igualdade completas.

Ora, diz São Pio X – a formulação dele empregada aqui é muito interessante – que não se pode conceber um erro pior do que o anarquismo. Não é uma afirmação de caráter histórico – nunca apareceu um erro tão ruim quanto o anarquismo –, mas de caráter doutrinário. Quer dizer, se um homem mais do que perverso e corrompido procurasse o pior dos erros, na ordem do possível, ele não encontraria um pior do que o anarquismo. Portanto, ele é a extrema ponta da Revolução e, segundo este Papa santo, o pior dos erros concebíveis.

Indignação até em meios católicos

Afirma São Pio X que a admissão do dogma da Imaculada Conceição tem como resultado para os homens a aceitação da autoridade da Igreja, pois o modo pelo qual eles sabem que Nossa Senhora foi concebida sem o pecado original é o ensinamento da Igreja. Ela ensina porque se fundamenta no Evangelho. Logo, é a aceitação do Evangelho e, consequentemente, da Revelação e da ordem sobrenatural. É a submissão a um poder diante do qual se devem dobrar não só os atos externos do homem, mas os internos; não apenas os atos da vontade, mas os da inteligência. Portanto, a atitude mais contrária ao anarquismo que possa existir.

O Pontífice mostra como o ato de fé na Imaculada Conceição é soberanamente eficaz para extirpar da alma humana todas as raízes da Revolução, e aplica a Nossa Senhora aquela frase muito bonita que se encontra na Liturgia: “Tu só é que extirpaste todas as heresias do mundo inteiro.” Ou seja, a Santíssima Virgem, pela sua Imaculada Conceição, calcando aos pés a cabeça do dragão, pai das heresias, eliminou-as do mundo inteiro e luta, através de todos os séculos da vida da Igreja, para a extirpação de todos os erros. Eis a ideia contida nesse esplêndido trecho de São Pio X.

Quando o dogma da Imaculada Conceição foi definido por Pio IX, houve na Europa uma verdadeira tempestade de ódios, protestos, indignação que atingiu não só os não católicos, mas também os católicos. Em muitos meios católicos houve um furor porque esse dogma tinha sido definido. Como explicar essa atitude?

Ódio igualitário

Segundo esse dogma, a Virgem destinada a ser a Mãe de Deus foi concebida sem pecado original desde o primeiro instante de seu ser. Essa indignação contra a Santíssima Virgem, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e Mãe da Igreja, explica-se pelo ódio igualitário por vê-La colocada no ponto mais alto em que uma mera criatura possa estar. Ademais, por ser uma mulher, o arbítrio de Deus se apresenta de um modo muito mais forte, porque toma na ordem humana o elemento geralmente considerado secundário e o coloca no alto de toda a pirâmide da Criação. Isso contunde enormemente o espírito igualitário.

Entretanto, fere muito aos igualitários também o fato de que Maria Santíssima tenha sido objeto de uma exceção a uma regra, para a qual nunca houve exceções. A ideia de uma mulher sem pecado original, quebrando uma regra universal e colocada, portanto, numa altura enorme em relação a todos os seres humanos, dá aos revolucionários um verdadeiro furor.

Mas essa fúria tem também outra causa. Não é só por seu aspecto anti-igualitário que a Imaculada Conceição é odiada. Acrescenta-se a isso um ódio do vulgar em relação ao sublime.

Essas verdades – Nossa Senhora concebida sem pecado original, Virgem e Mãe de Deus –, consideradas no seu conjunto, correspondem à sublimidade de um ser de tal maneira puro, imaculado, elevado acima de tudo quanto se possa imaginar, tão virginal no mais recôndito de si mesmo – por não ter nenhum dos impulsos que, mesmo num santo, podem representar o aguilhão da carne. Nem a isso o ser d’Ela está sujeito, é algo de tão transcendente em matéria de sublimidade, tão alto e requintado em questão de pureza, tão excelso como condição humana, e tão diferente da nossa própria condição, que fica apresentada à nossa admiração uma figura imensamente maior do que nós, pela qual temos uma ideia da sublimidade a que Deus pode elevar a criatura humana, mas à qual nós não fomos elevados.

O requinte da bem-aventurança

Daí decorre para todo o gênero humano uma espécie de honra e de glória que esbarra diretamente no espírito revolucionário, o qual odeia tudo quanto é sublime e elevado, não somente por ser ele igualitário, mas por uma outra expressão do igualitarismo que é o amor ao banal, ao trivial, quando não ao degradado. Por isso os revolucionários têm um verdadeiro ódio à Imaculada Conceição de Maria.

Esse furor contra a Imaculada Conceição encontra outra expressão no ódio que as pessoas, movidas pelo espírito das trevas, têm àqueles que, como nós, procuram praticar a virtude, particularmente no que tange à pureza, compostura e dignidade.

Tais pessoas são capazes de espalhar as piores calúnias a nosso respeito, só porque guardamos a castidade perfeita. A compostura, a nobreza, a distinção de trato, mesmo daqueles que são de uma condição mais modesta, chama a atenção de todos e atrai a simpatia dos bons. Contudo, aos maus causa um verdadeiro ódio à sublimidade da causa que defendemos. Aqueles que gostam da trivialidade nos detestam porque não somos vulgares e procuramos orientar os espíritos para o alto, comunicar às nossas pessoas a atitude e dignidade de filhos de Deus e de Nossa Senhora, no que se reflete algo da realeza da própria Santíssima Virgem. É precisamente isso que os indigna.

Razão para nós de alegria, porque uma das bem-aventuranças é ser perseguido por amor à justiça. Mas dentro desta bem-aventurança há uma especial, que é como o requinte da bem-aventurança: ser perseguido por amor a Nossa Senhora e pelas mesmíssimas razões pelas quais Ela é odiada.

Aproximando-nos da festa da Imaculada Conceição, peçamos a Maria Santíssima cada vez mais essa bem-aventurança de sermos tão unidos a Ela e trazermos em torno de nós de tal maneira a sua expressão, que se possa afirmar ser realmente por causa de nossa semelhança com Ela que somos odiados.

(Extraído de conferências de 2/12/1964 e 6/12/1965)

1) Ad Diem Illum Lætissimum, 2/2/1904, n. 16.

2) Gradual da Missa na Solenidade da Imaculada Conceição.

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