Ao comentar o desponsório da Santíssima Virgem com o Espírito Santo, Dr. Plinio excogita belas hipóteses teológicas acerca dos efeitos da Encarnação operados ao longo da História.
Farei algumas hipóteses teológicas, que me parecem muito prováveis e poderão servir de ponto de partida para um estudo mais aprofundado.
Nosso Senhor é modelo perfeitíssimo
Os possíveis de Deus, ou seja, as coisas que Ele poderia criar, de algum modo existem em Nosso Senhor, pois Este é a segunda Pessoa da Santíssima Trindade e a própria fonte de toda graça.
Na Pessoa divina de Nosso Senhor Jesus Cristo, com duas naturezas, vou considerar sobretudo a humana, pois sua natureza divina já foi bastante estudada. Na sua natureza humana, pelo fato da união hipostática, por ter sido Jesus gerado por Nossa Senhora pela ação do Espírito Santo, Ele é um compêndio de todas as perfeições as quais Deus desejou que a Humanidade tivesse, e em todos os graus possíveis. De maneira que toda a Humanidade, de algum modo, pelo menos no seu aspecto moral, está contida n’Ele.
A riquíssima relação entre a humanidade de Jesus e o gênero humano
Surge, então, uma pergunta linda, luminosa, para cuja resposta, no momento, não me sinto à altura para nem sequer levantar hipótese. A graça, participação de Jesus Cristo nos homens, nós entendemos perfeitamente bem no que diz respeito à natureza divina. Mas restaria saber como se dá quanto à sua natureza humana. Porque é a Pessoa d’Ele que se deixa participar por nós.
Há, portanto, uma relação entre a humanidade d’Ele e o gênero humano, que deve ser uma coisa riquíssima, inexaurível. Seria preciso imaginar uma participação por conaturalidade terrena na graça que Ele obteve, havendo a união hipostática.
Como pode haver uma tal participação entre a natureza humana e o Homem-Deus? E depois, como isso se dá de fato, considerando aquela frase de São Paulo Apóstolo “Não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim1”?
Da relação de Maria com a terceira Pessoa da Santíssima Trindade decorre a geração da humanidade de Nosso Senhor
Ora, para se compreender bem essa questão, é preciso considerar o papel de Nossa Senhora.
De fato, nossa participação em Jesus Cristo far-se-ia um tanto ex abrupto, a ponto de causar um certo mal-estar, se não fosse por intermédio de sua Mãe, cuja perfeição decorre do desponsório com o Espírito Santo.
Nossa Senhora não teve a união hipostática. Mas o que significa a relação d’Ela, de Esposa, com a terceira Pessoa da Santíssima Trindade, para que dessa relação decorresse a geração da humanidade de Nosso Senhor?
Quer dizer, nesse momento houve uma operação divina, uma interferência evidentemente numa ordem toda sobrenatural, cuja repercussão foi produzir a geração. A carne d’Ela ficou em condições de receber a união hipostática.
Então, na Encarnação, a ação do Espírito Santo parece ter precedido cronologicamente a operação da segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Primeiro o Espírito Santo se tornou esposo da Virgem Maria e depois Ela gerou. Houve, portanto, uma forma de união espiritual de todo o ser d’Ela com o Divino Espírito Santo, que preparou a Encarnação.
Porque quem se Encarnou a Si próprio foi o Verbo. Não creio que se possa dizer que o Espírito Santo encarnou o Verbo. Eles são perfeitamente iguais; portanto, não pode um ter Encarnado outro. O Verbo é que se Encarnou.
E, por um princípio ordenativo que banha seu manto nas águas tão terrestres da cortesia, chego à conclusão de que, dada a igualdade absoluta entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, não se poderia fazer uma operação tão alta estando o Pai alheio inteiramente. Seria “descortês” da parte das outras duas Pessoas — o “descortês” aqui vai entre aspas.
Portanto, deve ter havido também ação do Pai Eterno.
Embora insignificantes se comparadas com a visão beatífica, tais considerações conduzem ao Reino de Maria
Depois de termos feito ideia de como é esse périplo, entenderíamos como Nossa Senhora gera os homens em Jesus Cristo, um gerar todo espiritual, de outra natureza. Mais uma vez é Ela quem gera.
Assim, compreenderíamos o “Segredo de Maria”2, o segredo do relacionamento d’Ela com os homens, bem como da ordenação perfeita das relações humanas na Igreja e no plano temporal.
Talvez essas considerações sejam insignificantes em comparação com a realidade que teremos diante dos olhos na Eternidade. Mais ou menos como os primeiros mapas da América, os quais hoje nos fazem sorrir, mas que continham, apesar de tudo, uma figura do continente.
Não estamos descobrindo coisas que nunca nenhum teólogo explicou. Mas, do fundo de nossa ignorância de leigos, estamos redescobrindo o que estudar. E dessa redescoberta seríamos os cartógrafos que fazem esse primeiro mapa canhestro de um estudo, o qual conduziria ao Reino de Maria.
O processo de santificação de Nossa Senhora adquiriu maior profundidade no convívio com o Espírito Santo
Uma vez que Nossa Senhora se tornou esposa do Divino Espírito Santo, qual é a energia dessa condição de esposa, antes de tudo psicologicamente?
Concebida sem pecado original, julgo que Ela foi confirmada em graça desde o primeiro instante do seu ser. Mas, o processo pelo qual Nossa Senhora iria crescendo em santidade tomou uma energia, uma realidade, uma profundidade, num convívio especial com o Esposo d’Ela, o Espírito Santo.
Havia entre ambos uma constante união, onde o Espírito Santo — que não precisa de complementação para nada, porque é Deus — tinha sua glória, ressoando a santidade d’Ele no espírito e na alma de Nossa Senhora, como uma corda de violão que, colocada naquela caixa, ressoa de modo especial. Há um bem para a corda e para o som, e este se amplia. E todas as coisas que o Espírito Santo quereria falar aos homens ao longo da História até o fim do mundo, eu seria levado a achar que Ele disse a Ela, que foi a caixa de ressonância.
E porque houve no gênero humano quem recebesse isso perfeitamente, com tal plenitude, ficamos muito mais enriquecidos pelo fato de Ela ter sido santa como foi.
Qual caixa de ressonância celeste, Maria faz com que as maravilhas operadas em Si repercutam pela História inteira
No processo histórico da Revolução e da Contra-Revolução, compreende-se o progresso incessante da obra e da grandeza de Nossa Senhora, mesmo quando atua nos escombros ocasionados pela Revolução. É o contínuo progresso da união d’Ela com o Divino Espírito Santo, ao longo dos séculos.
A raça da Virgem prossegue em ascensão, até aquele conhecimento perfeito em que o Espírito Santo fale a Nossa Senhora “Eu disse tudo”, e Ela responderá “Compreendi tudo.” E, por esse aspecto, a História do mundo acaba.
Se não fosse isso, Ela concebeu e depois tudo se acabou, pois não tiveram mais nexo nenhum, os desponsórios se esgotaram numa só produção. É claro que sim, porque Nosso Senhor é Filho unigênito do Divino Espírito Santo e de Nossa Senhora. Mas depois há um outro modo de conceber, e tenho a impressão de que todas essas coisas têm continuidades históricas que se refletem na vida dos homens.
E aqui compreendemos bem o papel d’Ela: é a caixa de ressonância celeste, que dá ampliações, fazendo com que tudo quanto foi realizado n’Ela repercuta pela História inteira.
Ao criar a alma de Nosso Senhor no seio de Maria Santíssima, o Pai Eterno elegeu o píncaro de sua ação criadora
Há em Nossa Senhora um papel contínuo com o Verbo, e um outro papel contínuo com o Espírito Santo.
Como será o papel com o Pai Eterno?
As três Pessoas da Santíssima Trindade, una e trina, desenvolvem ao longo da História, em função de Nossa Senhora, um papel que é distinto e, ao mesmo tempo, único, sendo Ela, a um título especial, a Medianeira.
Sem prejuízo da perfeita igualdade entre as três Pessoas da Santíssima Trindade, eu diria que o Pai Eterno representa mais o rude e o Espírito Santo o requintado. O Divino Espírito Santo é a vida, a marcha de todas as coisas, por onde o ato criador se prolonga.
A alma de Nosso Senhor foi criada pelo Pai Eterno no seio de Maria Santíssima e este foi o píncaro de sua ação criadora.
O Pai Eterno criou o Céu e a Terra e depois as almas. À sensibilidade desequilibrada do homem do século XX, a criação do Céu e da Terra parece ser mais importante, porque mais palpável e mais vasta do que a criação das almas dos homens. Mas isso é falso. Aqueles constituem o lado logístico; quando Ele começou a criar almas, sua ação criadora subiu para um patamar mais alto.
Se, por assim dizer, pudéssemos nos colocar no ângulo da visão do Padre Eterno, veríamos primeiro os anjos e depois as almas humanas numa ordem grandiosa. Não numa progressão retilínea, mas variada, circunstanciada, riquíssima, que nos deixaria extasiados.
E o centro dessa obra-prima é a Alma da natureza humana de Nosso Senhor. E essa Alma humana — que é um principium vitae3 d’Ele — seria o píncaro de toda ação criadora de Deus.
Depois das almas humanas viria o plano sobrenatural, a criação da graça às torrentes.
Então, seria a ação criadora que toma dois aspectos: o plano natural e a vida divina, porque a graça é um dom criado, uma espécie de Pentecostes permanente.
Como, nas entranhas da Virgem Maria, se criou a matéria humana para receber a Alma de Nosso Senhor? Por ação do Espírito Santo, a alma de Nossa Senhora deveria estar pronta para que a Alma-píncaro fosse criada dentro d’Ela. Haveria reversibilidades e belos temas para se estudar; por exemplo, a Igreja.
A Igreja é a sociedade em que as almas estão postas entre si numa inter-relação, formando uma espécie de imensa família em que isso tudo circula vindo de Deus. É uma miniatura de Céu.
Tudo isso teve seu píncaro, seu desfecho e sua raiz inicial com a Anunciação na Casa de Nazaré. E para melhor se conhecer a Trindade, seria importante aprofundar o estudo sobre isso.
A ação criadora de Deus Pai, a ação da segunda e terceira Pessoas da Santíssima Trindade, seria continuamente prolongada e reforçada, a seu modo, pela Sagrada Eucaristia.
A Eucaristia no Paraíso para sustar a tendência descendente do homem
A Eucaristia é outro ponto que, de algum modo, se poderia estudar em função disso. Em consequência do pecado original, e talvez mesmo que ele não tivesse ocorrido, haveria Eucaristia.
No Paraíso terrestre, o homem, por natureza, era mortal e possuía imortalidade por um dom preternatural. Portanto, independente de pecado, e pelo fato de estarmos vinculados à carne, algo em nós é descendente. Nossa natureza tem, por assim dizer, uma apetência da morte e da inércia.
E para sustar essas coisas descendentes, um modo maravilhoso, excogitado pela sabedoria de Deus — não quero dizer que fosse o modo necessário —, teria sido de Ele vir habitar periodicamente ou sempre, nestas ou naquelas pessoas, e estar realmente presente, sob as espécies eucarísticas, em igrejas, basílicas, catedrais, dentro do Paraíso. De maneira que essa tendência descendente no homem fosse sustada pela Eucaristia, viático no sentido etimológico da palavra, ajudando-o a percorrer a via.
Então, a ação criadora de Deus Pai, a ação da segunda e terceira Pessoas da Santíssima Trindade, seria continuamente prolongada e reforçada, a seu modo, pela Sagrada Eucaristia. A ação criadora seria prolongada neste sentido: daria ao homem um sustento para evitar as forças de decadência.
A árvore da vida valeria para o corpo. Quem sabe se, instituída a Sagrada Eucaristia, esta seria a árvore da vida para a alma e talvez também para o corpo?
Tudo isso somado, percebo que temos perspectivas de um verum, bonum, pulchrum de uma altura inexcogitável; é um Céu! E ainda que ficássemos reduzidos a não poder fazer nada e estudar só isto, realizaríamos uma coisa colossal.
O conhecimento do Segredo de Maria
O Segredo de Maria, segundo a expressão de São Luís Grignion, não é concebido na pura especulação, mas é algo por onde Nossa Senhora nos salva. É um modo de Ela operar em nossas almas, que pressupõe um conhecimento nosso a respeito de Maria Santíssima, o qual determina em nós uma atitude especial diante d’Ela. Essa atitude é especialmente salvífica. Isso se refere à Fé.
Há depois a esperança, abrindo para nós uma viabilidade da salvação que parece extraordinariamente difícil, comprometida, nesse vale de lágrimas. A salvação se torna mais fácil, desde que tomemos em conta esse segredo, o amemos e procedamos em função dele.
É uma particular excelência do amor de Deus e de Nossa Senhora, à luz das maravilhas que o amor materno consegue especialmente de Deus. Ele quer esse amor materno e nossas almas crescem no amor a Ele, autor dessa Mãe.
(Extraído de conferência de 9/8/1984)
1) Gl 2, 20.
2) Cfr. Dr. Plinio nº 156, p. 27.
3) Princípio de vida.