Dona Lucilia, sempre muito bondosa e condescendente para com todos, sabia, entretanto, ponderar os defeitos e qualidades de cada um.
Dona Lucilia era muito observadora, mas também muito admirativa. Em geral, quando se diz de alguém que é muito observador, tem-se a impressão de que ele está à procura dos defeitos dos outros. Se encontrou um defeito, fica satisfeito; se não encontrou, fica decepcionado, porque a finalidade da investigação, da análise, é encontrar os defeitos.
Essa é uma posição antipática e que não corresponde à justiça. Diante dos outros não se deve procurar apenas os defeitos nem somente as qualidades, mas deve-se procurar a verdade.
Como é Fulano? Ele tem tais qualidades e eu me alegro; vou ainda examinar melhor para ver se encontro nessas virtudes tesouros ainda maiores. Se encontrei poucas qualidades, devo perguntar o seguinte: se ele andasse bem, que virtudes floresceriam nele?
Posição justa e equilibrada
Quer dizer, se essa planta, que é tal ou qual colega meu, fosse bem regada, bem tratada, se quisesse — planta não tem vontade, mas emprego aqui uma metáfora —, como ela se desenvolveria?
Há vegetais que têm uma como que vontade. Por exemplo, o girassol, que gira constantemente de maneira a estar recebendo a luz do Sol; essa procura do Sol concorre muito para que o girassol tome o aspecto e o modo de ser que o caracteriza. Assim também, os homens adquirem um modo de ser, um aspecto, porque giram muito à procura de tais qualidades ou comprazendo-se com tais defeitos, e gostando de ser daquele jeito.
Então, devemos procurar nos outros essas qualidades e esses defeitos para ter uma visão global verdadeira. Não uma visão deformada por um otimismo idiota: tal indivíduo tem defeitos que saltam aos olhos, e eu, como um bobo, só vou ver os lados bons e não os ruins; mas também não devo ser uma pessoa de uma injustiça, uma antipatia flagrante, que está apenas à procura do defeito e, quando encontra qualidade, fica como que desapontada. É preciso ter a verdadeira posição justa e equilibrada diante das coisas.
Essa era a posição que mamãe procurava ter e que, a meu ver, ela conseguia possuir muito bem, magnificamente, com muita bondade, muita condescendência.
Diante de tudo que se diz neste auditório de útil, de bom, no sentido da Doutrina Católica, se ela aqui estivesse teria muita alegria. Se notasse da parte de um ou de outro algum momento de dissipação, de distração, de indiferença, ela ficaria apreensiva. E conversando depois comigo ela diria:
— Meu filho, aquele enjolras1, que estava com tal pulôver — seria uma característica para descrevê-lo —, como é que vai?
Eu responderia:
— Mamãe, eu penso assim.
— É verdade. Mas olhe, ele também tem tal coisa; preste atenção porque, de repente, pode acontecer alguma coisa.
Ou falaria o contrário:
— Ele é muito bonzinho, mas é fraco e pode ser arrastado por gente ruim para o mal, a qualquer momento. Defenda-o muito, apoie-o muito.
Sobretudo, ela me diria:
— Você, meu filho, quando falar em público fale pouco — isso ela afirmava várias vezes —, porque quem fala em público pensa que os outros estão gostando mais do que o orador imagina. Então, quando você se dirigir aos enjolras, fale pouquinho.
E eu a ouviria de bom grado.
Numa conferência deve-se falar pouco, mas há exceções…
Recordo-me de uma coisa engraçada. Certa ocasião, fui fazer uma conferência e, antes de sair de casa, ela me disse:
— Filhão, lembre-se disso, hein! Falar pouco. Quando você fizer uma reunião e falar pouco, os outros saem tristes: “Foi pena que durou pouco a reunião!” É uma honra para o conferencista terem achado que a conferência dele durou pouco. Mas se, quando você tiver acabado de falar, todo mundo disser: “Que facilidade ele tem para falar, e como fala longamente, hein! Até cansa as pessoas.” Aí é o seu fracasso.
Então fui para a reunião e, pensando no que ela disse, fiz uma conferência breve demais, e estava ali um senhor — eu não sabia — que fora para lá pela primeira vez, para me ouvir falar em público. Terminada a exposição, esse senhor saiu uma fera, dizendo:
— Mas não tem propósito! Eu saio de minha casa à noite — trabalhei o dia inteiro! — para ouvir esse homem falar, e ele me fala uns quinze minutos! Então seria melhor que ele dissesse que não está com vontade de falar, ou está doente, cansado, e não aceitasse fazer a conferência. Mas não obrigue a pessoa sair de casa para ouvir uma coisinha.
E eu vi as contradições: a pessoa precisa pautar com muito cuidado aquilo que faz, porque alguns podem gostar muito, outros podem não gostar. Daí por diante, quando esse senhor estava presente, eu alongava um tanto a conferência. Fizemos bom relacionamento, e quando ele morreu, há alguns anos, as nossas relações estavam inteiramente em paz.
Quando conversávamos, mamãe, se não concordasse com algo, não dizia nada, ficava quietinha e mudava de assunto. Mas levava aquilo para pensar.
Assim as coisas andam e se movem.
Quando conversávamos, mamãe, se não concordasse com algo, não dizia nada, ficava quietinha e mudava de assunto. Mas levava aquilo para pensar. E alguns dias depois, encontrando-se comigo ela me dizia: “Filhão, a respeito de tal negócio, você disse isso, eu falei aquilo; e eu queria saber tal coisa.”
E eu, com todo o respeito, toda a reverência que tinha a ela, fosse qual fosse o assunto, falava e punha os pingos nos is, e a coisa terminava muito bem. Era a concórdia profunda entre mãe e filho.
(Extraído de conferência de 7/1/1995)
1) Denominação carinhosa com a qual Dr. Plinio se referia aos seus jovens discípulos de então, cujas deficiências se mostravam mais acentuadas que as de “geração nova”. Eram, entretanto, igualmente mais propensos ao maravilhamento e a uma maior confiança na graça divina, estando compenetrados de suas fraquezas.