Quem não se encanta ao contemplar o voo de um beija-flor? Tão pequenino e tão belo, ele nos dá a ideia de uma pedraria voando, uma joia dotada de asas.
Há animais que podem ser muito frágeis, mas na sua fragilidade são também muito ágeis. E a agilidade lhes dá uma capacidade de avançar, de fugir e de voltar, que constitui a sua força. Uma ave que me dá muito essa impressão é o beija-flor.
Analisando um beija-flor
Lembro-me de uma vez em que eu estava trabalhando num terraço e, de repente, um beija-flor parou e começou a sugar o néctar que ele encontrava nas flores de uma trepadeira. Era um beija-flor de muito bom gênio e que se contentava com pouco, porque não parecia haver muito néctar naquelas esquálidas flores. Mas, enfim, o beija-flor sugou flor por flor. Interrompi o que eu estava fazendo e fiquei, em silêncio, olhando o beija-flor, com o cuidado de não o atrapalhar.
O beija-flor não conhece o sentimento brasileiro de saudade: ele abandona cada flor sem rancor, mas também sem saudade. Depois de tirar o último néctar ele fica meio liberado, e então voa e recomeça em outro lugar.
Ele, tão inflexível em voar, na hora de sugar tremia e avançava, com mil movimentos, em torno da flor, tirando todo o néctar que podia e batendo com as asas de tal maneira que nenhum dos movimentos imitava exatamente o outro, e nenhuma das vibrações repetia a outra; parecia um instrumento tocando uma música sempre nova.
Eu pensava: “Ele tem lá suas regras, que não conheço, mas afinal quando ele vai acabar?” Então sugava, sugava, e, de repente, da maneira mais inopinada, tomando conhecimento de que não havia nada, ou quase nada, a aproveitar da flor, deixava-a de um modo tão completo que era como se nunca aquela flor tivesse existido para ele; e, sem vacilação, ia direto para outra flor.
Ele escolhe o que deve querer e acerta o material necessário para fazer aquilo que está na sua natureza fazer. Uma vez que se lança sobre uma flor, tira de dentro dela todo o seu suco delicioso, fica com um aroma de flor e uma beleza de pedra preciosa.
Então eu refletia: “É a própria imagem da decisão. Quando é hora de sugar, faz força e suga; quando é hora de partir, abandona, rejeita e deixa a coisa reduzida a bagaço.”
Aquele beija-flor não conhecia o sentimento brasileiro de saudade: ele abandonava cada flor sem rancor, mas também sem saudade. Eu tinha a impressão de que depois de tirar o último néctar ele ficava meio liberado, e então voava e recomeçava em outro lugar.
Uma joia preciosa criada por Deus
O voo do beija-flor tem certa beleza, mas é tão rápido que não dá tempo de se contemplar. Porém, quando ele para junto a uma flor, movimenta as asas e começa a sugar o néctar, a beleza de suas penugens, a riqueza das penas furta-cor são ainda mais ressaltadas.
Ele fica parecido a uma joia preciosa que Deus criou para o homem poder olhar e nunca segurar, e ter o encanto da coisa fugidia que passa, a qual, neste vale de lágrimas, é para nós uma esperança do Céu.
Uma outra característica do beija-flor é que ele foi feito para ser fugaz. A Providência criou nesta Terra de exílio uma porção de coisas fugazes ótimas — que deixariam de ser ótimas se não fossem fugazes —, para nos dar uma tinta do Céu. Sendo aqui Terra de exílio, elas não podem dar essa impressão estavelmente. Mas Deus teve pena de nós e mandou um vaga-lume do Céu para a Terra, para acender e apagar, fazendo-nos entender algo do Céu.
O momento auge da vida do beija-flor
Quando o beija-flor começa a sugar o néctar de uma flor, em primeiro lugar se percebe o tamanho do bico, o qual é propriamente bonito quando imerso na flor. O ponto máximo, o auge da vida do beija-flor é o momento em que ele suga o néctar de dentro da flor.
De maneira que aquela agilidade de estar o tempo todo voando e absorvendo o néctar, aquele poder de conquista com que ele mete o bico na flor, e, de outro lado, a beleza do movimento de suas asas, fazem dele uma espécie de joia volátil.
É o relacionamento dele com a flor que o põe nessa postura. Quer dizer, no momento em que ele faz aquilo para o que foi criado, todo o seu esforço faz ver o que há de excelente dentro dele e o apresenta no seu melhor aspecto; o mais louvável que há no plano de Deus a respeito do beija-flor se vê ali.
Voo radical
Seu voo é parecido com uma seta: depressa e reto. Dir-se-ia que o bico dele fende os ares, as distâncias, e chega direto ao ponto onde, de longe, o beija-flor já viu o que deve atingir.
Ele se aproxima da flor, enfia o bico na corola e dali tira o que quer. Sai cheio de coisas doces que estão na natureza da flor; e sai vitorioso porque foi radical. Ele voa leve, rápido, forte e depressa: é um voo radical.
Mais ainda: ele escolhe o que deve querer e acerta o material necessário para fazer aquilo que está na sua natureza fazer. Uma vez que se lança sobre uma flor, tira de dentro dela todo o seu suco delicioso, fica com um aroma de flor e uma beleza de pedra preciosa. Uma verdadeira maravilha!
Mais do que tudo, o beija-flor é radical no seguinte: ele dá vários voos a diversas plantas da mesma natureza, em todas elas mete o bico e sai levando as mesmas doçuras para se alimentar, ficar com um colorido mais bonito, um movimento mais ágil. Ele ganha em todos os sentidos da palavra; e ganha à força de radicalidade.
Todo o trabalho do beija-flor — quer o voo, quer a sucção — é feito com tanta leveza, delicadeza e distinção que até parece uma dança. Entretanto, é muito mais do que dança: é um voo. Porque o homem, quando dança, mostra seu encanto com o voo. Mas quem dança mesmo são os pássaros no céu.
(Extraído de conferências de 31/1/1980, 20/1/1990, 5/4/1990 e 28/1/1994 )