Estabelecido como intercessor intermediário junto a Nossa Senhora, São José ocupa um lugar eminentíssimo no Céu. Sua nobre linhagem, sua santidade e seus excepcionais dons atestam a grandeza ímpar de sua missão.
Por mais poderosa que seja a intercessão de Nossa Senhora, quis a Providência estabelecer intercessores secundários, como São José.
Preparado para ser o pai adotivo de Jesus
São José passou por tremendas perplexidades durante a vida; não conhecemos todas, mas por exemplo, a perda do Menino Jesus no Templo foi para ele ocasião de uma provação terrível.
Assim como Nossa Senhora foi sendo preparada para ser a Mãe de Deus, deveria haver também uma preparação de São José, para que ele estivesse à altura de ser o pai adotivo do Menino Jesus.
Dizer “adotivo”, no sentido comum da palavra, compreende algo de contratual: o pai adota um filho; este, se está em idade da razão concorda com a adoção. Senão, os pais ou os tutores entregam-no ao outro pai. Nenhum vínculo de caráter natural se firma.
Ora, se bem que São José não tenha sido o pai natural do Menino Jesus, ele, como esposo de Nossa Senhora, tinha direito efetivo ao fruto das entranhas sacratíssimas d’Ela. Não era uma paternidade convencional, estipulada, mas de algum modo resultava da ordem natural das coisas. De maneira a ser evidente ter sido a alma dele preparada para tal missão.
Grandeza proporcionada à missão
Neste sentido, consideremos alguns trechos de um sermão de São Bernardino de Sena1 a respeito da grandeza de São José:
As graças de Deus, especialmente em São José, são proporcionadas à sua missão. A respeito de todas as graças particulares concedidas a qualquer criatura racional, é regra: sempre que a graça divina escolhe alguém para algum favor singular ou para algum estado elevado, concede-lhe todos os dons necessários à pessoa assim eleita e à sua missão; dons que a ornam abundantemente.
Isso é evidente quanto aos padres do Antigo Testamento: Moisés, Josué, Abraão, Isaac, Jacó, Davi, Salomão e os outros profetas. É evidente também, no Novo Testamento, quanto à Virgem Santíssima, aos Apóstolos, Evangelistas, Doutores e fundadores de Ordens Religiosas. E realizou-se plenamente quanto a São José, pai adotivo de Nosso Senhor Jesus Cristo e verdadeiro esposo da Rainha do mundo e dos Anjos, o qual foi escolhido pelo Padre Eterno como fiel sustentador e custódio de seus principais tesouros, isto é, de seu Filho e de sua Esposa. Tal missão ele a cumpriu fidelissimamente.
A respeito de São José, diretamente e por fonte histórica, muito pouco sabemos. A única descrição dele na Escritura é que era um “varão justo” (Mt 1, 19). Então, como imaginar as virtudes que o ornavam e qual dado se poderia ter para computar a extensão delas?
São Bernardino de Sena dá aqui um argumento irretorquível: todos os homens dotados de uma grande missão, pela exemplificação histórica, são também ornados de altos dons. Ora, São José teve uma missão excepcional; logo, ele tem que ter tido uma grande profusão de dons.
Durante a noite de Natal, São José recebeu graças extraordinárias. Quem não admite que os pastores, chamados para a primeira adoração, não receberam grandes graças? Ora, se isto se passou com aqueles simples homens que se encontravam por perto, como não admitir que, a fortiori, São José tenha recebido graças muito maiores? Pela sua união com Nossa Senhora, pela sua relação com o Menino Jesus.
Temos uma certeza plena de que ele foi grandíssimo, embora não tenhamos nenhuma descrição concreta de como era essa grandeza. Mas é um silogismo do qual não se pode fugir.
Linhagem nobre: um adorno para Maria
Da nobreza de São José segundo a carne
Primeiro, eis descrito nesse santíssimo varão, o estado da natureza na qual brilha a nobreza de sua geração. Ele foi efetivamente de raça patriarcal, régia e principesca segundo a linha reta de sua nobreza natural. Para melhor compreender, consideremos a nobreza natural de três pessoas: da Esposa, do esposo e de Cristo.
É interessante esta argumentação. Talvez nunca se tenha ouvido um sermão elogiando São José enquanto nobre. Em geral, ele é apresentado como um pobre carpinteirinho, muito coitadinho, que serrava uma madeirinha, que ganhava um dinheirinho para comprar um pãozinho. Esta é a figura oferecida pela “heresia branca”. Fazer uma descrição do Santo Patriarca enquanto príncipe de Casa de Davi, e apelando para sua prodigiosa ascendência, isso não se vê.
Da nobreza da Bem-Aventurada Virgem Maria segundo a carne
A Bem-Aventurada Virgem foi mais nobre que todas as criaturas que existiram, existem e existirão. Pois Mateus, no capítulo 1, 1-16, colocando três vezes quatorze gerações desde Abraão até Cristo inclusive, mostra que Ela é descendente de quatorze patriarcas, de quatorze reis e de quatorze príncipes.
Isso é saber argumentar! E os estudos genealógicos, tão desprezados pelos modernos, inclusive pela esquerda católica, adquirem aqui um brilho extraordinário. Porque bastaria dizer que Nossa Senhora foi Mãe de Deus para estar tudo dito. Está bem, o próprio Espírito Santo, pelas Sagradas Escrituras, quis indicar a grandeza d’Ela, apontando para a genealogia de patriarcas, de reis e de príncipes. São Bernardino de Sena – com imensa dor para o espírito democrático de nosso tempo –, põe isso maravilhosamente em evidência.
Lucas também, descrevendo a nobreza d’Ela, expôs a sua genealogia começando justamente de Adão e Eva até Cristo Deus. Cristo recebeu da Virgem toda a humanidade e as dignidades consequentes d’Ela, a saber: de conhecimento, para que se dissesse “Filho de Davi”; e de consanguinidade, para que se dissesse ter irmãos de nobre linhagem. Tudo isso recebeu de sua bendita Mãe. E também para que fosse o último Príncipe, o último Rei e o último Patriarca de todo o povo de Israel. E isso não teve de nenhuma outra parte, senão da Virgem bendita, para demonstrar claramente que a nobreza corporal concedida ao gênero humano em Adão, foi dada por Deus principalmente para chegar, por meio de numerosas gerações, à Vir gem Maria. E pela Virgem Mãe terminar em Cristo, Filho Bendito de Deus.
Em outros termos, a Providência julgou necessário, para a grandeza de Nossa Senhora, que Ela nascesse e procedesse de um sangue nobre; de tal maneira a nobreza é capaz de ser adorno, até para Aquela que é adorno de todas as coisas, Maria Santíssima.
Consanguinidade de São José com Nosso Senhor
Sobre a nobreza natural de São José
São José nasceu de raça patriarcal, régia e principesca, em linha reta. Pois São Mateus leva em linha reta todos esses pais, de Abraão até o esposo da Virgem, demonstrando claramente que nele se terminou toda a dignidade patriarcal, régia e principesca. E se São Mateus, em vez da genealogia de Maria, deu a de São José, fê-lo por três razões.
Realmente, São José não era o pai natural de Nosso Senhor Jesus Cristo. Então, por que é que se deu a genealogia dele? Vem a explicação:
Primeiro, para se conformar ao uso dos hebreus da Sagrada Escritura, que jamais estabelece genealogia pelas mulheres, ou pelas mães, mas sempre pelos homens e pais, porque a varonia prepondera. Em seguida, principalmente, por causa do parentesco. Maria e José pertenciam à mesma tribo, eram parentes. Além disso, segundo a lei, as mulheres e, principalmente, as herdeiras, como foi a Virgem, só deviam se casar com homens da sua tribo, e até do próprio parentesco, no grau permitido.
Nossa Senhora era herdeira, não tinha homens na sua irmandade; Ela herdava a nobreza que Lhe vinha por meio de São Joaquim, e deveria casar-Se com um homem da mesma tribo e, de preferência, dos mesmos parentes; isso para que a nobreza herdada caísse o mais próximo possível dentro daquela mesma linhagem.
Portanto, sendo São José um justo, como afirma São Mateus, se Maria não fosse de sua tribo, ele jamais A teria desposado. Enfim, recensearam-se ao mesmo tempo em Belém, como descendentes da mesma estirpe. Em terceiro lugar, dá-se a genealogia de José e não de Maria, para mostrar a excelência do matrimônio de Maria e José, durante o qual nasceu Cristo e no qual era tão estreita a união que, por sua causa, José foi chamado, de certo modo e verdadeiramente, o pai de Jesus Cristo.
Convinha que São José, sendo pai apenas adotivo de Nosso Senhor, fosse parente num grau muito próximo d’Ele, para que, de algum modo, a consanguinidade conferisse mais calor vital, ontológico àquele parentesco adotivo.
Da nobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo, de certo modo herdada de seus pais
Cristo foi, portanto, como decorre do que foi dito, Patriarca, Rei e Príncipe, por parte de Mãe e de pai. […] Os Evangelistas descreveram a nobreza da Virgem e de José, para manifestar a nobreza de Cristo. José foi, portanto, de tanta nobreza que, de certo modo, se é permitido exprimir-se assim, deu a nobreza temporal a Deus em Nosso Senhor Jesus Cristo.
É o sumo em matéria de nobiliarquia! Dar sua própria nobreza a Deus, ser tão nobre que Deus quer revestir-Se daquela carne nobre para Se fazer Homem! É uma maravilha. Vejam como um santo sabe tratar com superioridade um tema e tirar dele luzes, que pregações opacas e não santas, durante séculos de pregação, não saberiam tirar. Esse é o esplendor da santidade.
Esposo virgem, à estatura da Virgem-Mãe
Quão santa foi a vida de São José com a Santíssima Virgem e que perfeição ele alcançou
Se na Paixão Cristo confiou sua Mãe somente a um discípulo virgem, não se deve supor que antes da conceição, enquanto jovem, Ele A tenha confiado aos cuidados de um homem virgem? Por isso diz São Jerônimo, que José foi virgem para que de Maria nascesse, de uma união virgem, um Filho virginal.
Depois de mencionar a nobreza de São José, São Bernardino destaca a virtude mais conveniente ao nobre: a pureza; e cuja carência, isto é, a impureza, conspurca as duas coisas mais sublimes que há na Terra: em primeiro lugar, o sacerdócio e, em segundo lugar, a nobreza. Um nobre, ao ser impuro, cai no pecado que mais radicalmente destrói a sua condição.
São José teve de modo supereminente a nobreza e a pureza; a nobreza, devido às razões explicadas; a pureza, pela razão aqui indicada. Ou seja, quando Nosso Senhor Jesus Cristo morreu, quis que sua Mãe Virgem fosse entregue a um Apóstolo virgem. E não teria querido que Ela fosse entregue e estivesse sob a guarda de um esposo virgem? Para alguém ser esposo da Virgem das virgens poderia não ser virgem? É uma coisa inconcebível.
Aqui fica minha lamentação: é uma pena que não haja entre nós um artista que saiba fazer uma imagem de São José de acordo com estas concepções de São Bernardino de Sena. Homem de trajes simples, porque era pobre, mas brilhando, através da simplicidade dos trajes, a dignidade, a categoria, a largueza de visão, a segurança de si, de um homem que é patriarca, rei e príncipe. E, ao mesmo tempo, o fulgor da virgindade iluminando-o todo.
Este seria um São José real, segundo o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria, tão diferente de toda espécie de imagens que conheço: eu ainda estou para conhecer alguma que corresponda à figura que dele faz a piedade do verdadeiro católico e que dele faz essa estupenda descrição de São Bernardino de Sena.
Essa é a grandeza do Santo Patriarca! E assim devemos ver nele um intercessor junto a Nossa Senhora, mas um grandíssimo intercessor entre os intercessores secundários, porque é secundário apenas no que diz respeito a Ela e não aos outros mediadores, em relação aos quais ele ocupa um lugar eminente e talvez o maior de todos.
(Extraído de conferências de 8/10/1966 e 23/12/1968)
1) Ficha retirada da obra: SÃO BERNARDINO DE SENA. Sermo II. In vigilia Nativitatis Domini. De Sancto Ioseph sponso Beatæ Virginis. In: Opera Omnia. Florentiæ: Ad Claras Acquas, 1959, v. VII, p.16-21