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Na convalescença, o apostolado de Dona Lucilia

O período de convalescença de Dr. Plinio foi ocasião para se estabelecer entre Dona Lucilia e os membros do Grupo – filhos por ela esperados ao longo da vida – um convívio que, apenas pelo seu modo de ser, tornava-os receptáculos das graças que ela desejava para eles.

Enquanto eu estive diabético, de cama, a minha enfermidade abriu campo a duas graças que haveriam de ter um rio de consequências para o futuro: a primeira foi a “graça de Genazzano”; a segunda foi o contato que nunca me teria passado pela cabeça estabelecer, entre mamãe e os membros mais novos do Grupo, e com isso entre mamãe e o João, e o que se seguiu depois da morte dela. Antes de eu ter essa doença de diabetes em 1967, iam poucos membros do Grupo a minha casa, porque, como era a casa de minha mãe, não podia enchê-la de amigos.

Uma proposta jeitosa

Lembro-me de que quando eu estava em vias de restabelecimento, ia de robe de chambre, apoiado em muletas, sem ela ver, e entrava pelo fundo para jantar com ela. Nunca tomei refeições vestido dessa forma na sua presença, mas ela não dava atenção a isso. Desde que eu pudesse distraí-la um pouco, estava atingido o objetivo.

Um dia, enquanto conversávamos, percebi que ela, jeitosamente, estava querendo propor uma mudança de horários, a qual girava em torno do seguinte – ela não tinha notado que eu estava diabético, com necessidade de regime. Ela imaginava que meu desejo de fazer-lhe companhia me privava de jantar em restaurante, então, estava pensando que eu podia aproveitar para ir jantar fora com os meus amigos, o que levaria mais ou menos meia hora e eu comeria bem. Depois eu voltaria para casa e passaria o resto da noite com ela! Mamãe lucrava tempo com isto.

Eu achei graça, fingi que não percebi, dei risada. Mas aí compreendi que ela não tinha ideia da falta que fazia para o Grupo a minha ausência. Quer dizer, ela julgava seriamente que era uma questão de boa companhia.

Mãe discreta e dotada de uma intuição sobrenatural

De outro lado, ela era tão cauta em não entrar no que notava não ser meu desejo contar, que, vendo-me doente, de cama, com a perna esticada em cima do travesseiro, ela não perguntava. De fato, minha mãe ainda estava viva quando tive de fazer a amputação no pé e quase até o fim da cicatrização dessa intervenção cirúrgica, mas ela não sabia do que se tratava. Inúmeras vezes ela esteve no meu quarto, e conversávamos. Se eu fosse mais moço, ela perguntaria na certa, para prestar assistência. Mas ela via que já não estava em condições de prestar esse auxílio e percebia que minha irmã estava me ajudando, pois era muito capaz; então, ela nem entrava na questão.

Certo dia, alguém lhe perguntou por que razão eu estava de cama, para ver se ela sabia o que havia acontecido comigo. Ela estava parcialmente lúcida nas regiões interiores de seu espírito até o fim da vida, então deu uma resposta meio arquitetada por ela e meio adivinhada.

Eu estive várias vezes na então fazenda Morro Alto, hoje Êremo do Amparo de Nossa Senhora e, naturalmente, quando eu voltava, contava coisas a ela. E eu tinha-lhe dito que o calçamento daquela ladeira é todo constituído por pedras pontudas colocadas no tempo colonial, e que era preciso um certo cuidado para não cair. Porque, sempre continuando as descrições do meu espírito em pequeno, eu era muito propenso a não prestar atenção no calçamento, tropeçar e cair se eu não descesse com certo cuidado aquela rampa, cujas pedras pedem qualquer coisa que microscopicamente poderia ser chamada um minialpinismo.

Então eu contei isso a ela, para comentar qualquer coisa, porque os assuntos dizíveis entre nós estavam esgotados, enquanto os indizíveis não tinham fim!

Arquivo Revista
Dona Lucilia um mês antes de seu falecimento

Mas, conversando com uma pessoa do Grupo, mamãe acabou explicando que acontecera o seguinte: eu tinha estado em Amparo e, andando sobre aquelas pedras, machuquei-me, produzindo um corte muito sério no pé; tinha precisado fazer uma operação, e, por causa disso, a ferida estava cicatrizando com todo o cuidado de minha parte; creio até que ela falou em amputação.

Comentando-se o caso com um conhecido, eu disse:

— Com certeza alguns dos meus amigos que se encontram com ela em casa contaram-lhe alguma coisa.

— Não creio! Eu acho que ela adivinhou isso.

— Mas como poderia ter adivinhado?

Ele deu a seguinte resposta que me pareceu interessante: “São certas ações da Providência… As mães e outras pessoas que desempenham um determinado papel desejado por Deus, às vezes percebem as coisas! E, quando percebem, ninguém as convence do contrário! Pode dizer o que quiser, como quiser… Ainda que alguém mentisse a Dona Lucilia, ela não acreditaria, porque tem certeza de que é aquilo!”

Isso me lembrou muitos outros episódios ao longo da vida de mamãe em que ela tinha adivinhado.

Portanto, vê-se como ela teve, nessa ocasião, uma certa intuição e julgava que estava maîtrisant,1 dirigindo a situação. Mas quando ela entrava no quarto, absolutamente não perguntava nada, o que é a manifestação da confiança multiplicada pela confiança.

Comovedoras manifestações de dedicação

Eu acredito que minha recuperação foi uma graça muito assinalada de Nossa Senhora, que deu lugar também a provas de dedicação verdadeiramente comovedoras. Não só a de muitos membros do Grupo que me cercaram com uma assistência extraordinária, mas toda a paciência e bondade que tiveram com mamãe durante esse tempo. Eu não posso deixar de lembrar com emoção as vigílias noturnas de orações realizadas quer em minha casa, quer nas sedes e que significaram uma manifestação de solidariedade, de afeto e de união da TFP.

Quando eu acordava de manhã, via entrar no meu quarto dois membros do Grupo, trazendo a imagem de Nossa Senhora que está na Sala do Reino de Maria; eu a osculava, e conversávamos um instantinho.

Passado já algum tempo, é bem o momento de exprimir o quanto eu pesei o sacrifício e o trabalho que representou organizar aquilo! Quanto eu pesei o afeto que havia nessa ideia e o valor de todas essas orações! Do fundo da alma e perante Nossa Senhora, eu agradeço tudo isso.

Uma mãe feita para ter muitos filhos

Se é verdade que eu agradeço o que se fez por mim, é verdade também que eu sou mais sensível ao que se fez por mamãe. E é natural.

Toda mãe é mais grata por aquilo que se faz pelo filho do que pelo que se faz por ela. Dona Lucilia costumava citar um provérbio português antigo, que dizia o seguinte: “Quem aos meus filhos agrada, minha boca adoça”. O amor filial é uma réplica do amor materno. A fortiori – porque ela merecia tanto – quem agradava a ela, agradava-me superlativamente.

Antes da minha doença, quando mamãe conhecia ainda poucos membros do Grupo, ela dizia sentir que eles a tratavam de um modo especial, como ninguém a tratava. Depois, durante a convalescença, todo o Grupo começou ir à minha casa para saber notícias. Mamãe então começou, como dona de casa, a recebê-los. Era curioso: o apostolado dela era, sobretudo, de modo de ser.

E eu ficava encantado ao ver uns e outros conversando com ela tanto tempo e levando flores, prestando gentilezas de toda ordem, com o que ela ficava muito contente, muito agradecida. Eles eram de uma cortesia entusiástica em relação a ela, dizendo amabilidades e distraindo a sua solidão, quando já estava, coitadinha, com dificuldade de ouvir.

Ela estava habituada ao sistema dos casarões antigos, nos quais era possível dez ou quinze pessoas almoçarem ou jantarem. Em nosso apartamento cabem, no máximo, umas seis ou sete pessoas à mesa. Então mamãe pedia desculpas a eles por não convidar todos e explicava que a sala de jantar era pequena. Mandava preparar algo para eles, servir café, e assim ficava muitíssimo comprazida.

Via-se que ela era uma mãe que esperava todos esses filhos, os quais conheceu no extremo fim da sua vida. Antes de deixar a Terra, ela tocou com a ponta do dedo no Grupo enquanto representado na pessoa de alguns de seus membros, que seriam receptáculos dessas graças que ela desejava tanto que todos recebessem.

Arquivo Revista
Corredor do Primeiro Andar,. Em primeiro plano, cadeira de rodas de Dona Lucilia

Ação de presença de mamãe

O interessante é o seguinte: se não fosse aquela minha crise de diabetes, não só os membros do Grupo não teriam conhecido Dona Lucilia, mas não teriam tirado as fotografias, das quais eles mesmos não imaginavam a post-história.

Algum vago vislumbre do que ela seria no futuro me passava pela cabeça, mas isso não me autorizava de nenhum modo a tomar as providências que meus filhos tomaram.

Às vezes a enfermeira a levava na cadeira de rodas para o quarto, para dormir. E eu percebia que mamãe falava com ela para fazê-la entrar no meu quarto, pois queria despedir-se de mim. O jogo dela era perguntar: “Onde está Plinio?” Eu achava graça e se a enfermeira não a fizesse entrar, eu a fazia.

Outra coisa engraçada é a seguinte: em certas ocasiões, na hora de Dona Lucilia conversar comigo, alguns faziam uma roda em volta para assistir à conversa. Se não levarmos em conta o que veio depois, isso seria considerado um abuso sem nome.

Ora, mamãe nunca se queixou, nunca se intimidou. Ela permanecia natural comigo como se estivesse sozinha. Mas ela se defendia num ponto: naquele momento ela falava só comigo, como quem diz: “Esta hora é minha; meu filho é meu”. Eu também não dirigia a palavra a ninguém, conversava só com ela. Ela ficava contentinha!

O papel dela, propriamente, foi junto a mim, mas depois foi junto aos filhos que se acumularam em torno de mim a propósito da diabetes. Um deles principalmente: o João.2

1) Do francês, dominando.

2) Cf. conferências de 1/1/1969, 31/10/1978, 20/12/1980, 19/1/1983, 29/4/1983, 5/6/1985, 10/12/1985, 7/2/1990, 29/8/1992.

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