jueves, noviembre 7, 2024

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Profundamente católica

Quem não viu Sevilha, não viu maravilha, afirma o conhecido dito popular. E eu tive a oportunidade de comprová-lo pessoalmente.

A cidade é marcada pela presença do Hotel Alfonso XIII, numa linda praça pública, porém não é o seu edifício mais imponente. Antes dele, ergue-se a bela catedral com a famosa Torre da Giralda, reminiscência do estilo mourisco e de um esplendor extraordinário.

Igualmente célebre, levanta-se ali perto a Torre do Ouro, que desde menino me encantara, quando eu folheava as páginas da enciclopédia ilustrada Larousse e, no verbete “Sevilha”, o S inicial aparecia incrustado numa vinheta desse monumento. Uma torre octogonal, às margens do Rio Gualdaquivir, cuja vista me fez recordar aqueles entusiasmos infantis com os quais a admirava num evocativo desenho.

Entretanto, o que me cativou em Sevilha não foram apenas essas construções magníficas, mas também — e quiçá com maior intensidade — o perceber na cidade uma população sobremodo inteligente, de espírito muito variado, capaz de se mover em todas as direções à maneira do ágil espírito brasileiro. E, por isso mesmo, dados a conjugarem com facilidade aspectos e conceitos diversos, tirando deles uma síntese da qual resultava uma composição maior entre a Espanha católica e seu passado mosárabe. Sevilha é, de fato, profundamente católica.

“A vista da bela Torre do Ouro me fez recordar os entusiasmos infantis com os quais admirava seu desenho numa vinheta de enciclopédia!”

Fotos: S. Hollmann
Abaixo, Hotel Alfonso XIII; na página 33, a Torre do Ouro

Fotos: S. Hollmann

Fotos: S. Hollmann
Vista de Sevilha, com a Torre do Ouro e, mais ao fundo, a Giralda; na página 35, pátio sevilhano

Uma de suas belezas próprias colhe o visitante, de modo particular, quando se passeia pelo bairro velho da cidade, onde aspectos do passado ainda dominam, junto com uma forma de pobreza-riqueza pouco habitual para pessoas que habitam grandes centros urbanos.

Trata-se de um bairro constituído de casas no máximo com dois pavimentos e com ruas muito estreitas, cujo charme está precisamente no fato de não serem retilíneas. Entortam-se e caminham em ziguezagues não calculados, dão vueltas y vuelteretas as mais surpreendentes, inesperadas, e desembocam onde não se imagina. Nada possuem de comum com as largas e previsíveis avenidas cosmopolitas. As ruas sevilhanas serpeiam e, a todo momento, topa-se com uma esquina.

Por vezes aparece um cruzamento, e a ruazinha em que vamos dobra-se tanto que já não se sabe qual a nossa, qual a outra, não fossem as placas pitorescas que nos indicam a continuação do caminho desejado. Em tudo, até mesmo nas ruas, paira portanto um certo ar de reserva e de mistério que aumenta nossa admiração.

Curioso notar que, apesar de o espanhol ser tão expansivo, mormente o andaluz — Sevilha está na Andaluzia — a cidade não é nada ruidosa. As casas se conservam em discretos recolhimentos: batidas de sol, as janelas se acham semi-fechadas, veladas por cortinados leves, deixando o interior imerso numa suave penumbra. E a gente percebe, por detrás das venezianas e dos voiles, grandes olhos pretos, alertas, vivos, perspicazes, emoldurados por grossas e escuras sobrancelhas, que observam e acompanham o visitante em seus passos pela rua sinuosa. Como se quisessem avisar ao vizinho do lado ou da frente: “Lá vai o estrangeiro!”

Na verdade, a fachada da casa sevilhana não é a sua parte importante, como se a concebe na maioria das cidades contemporâneas. Ela é quase o fundo da moradia, pois a existência naquelas habitações transcorre, sobretudo, nos seus pátios internos, para os quais abrem-se as melhores salas, os quartos, as varandas, e é todo um eixo vital que cruza por eles. A idéia é de se subtrair às indiscrições dos turistas, dos que não são da família. Daí as janelas e portas voltadas para dentro, à maneira de um claustro.

Em tudo paira um ar de mistério, e a existência nas suas habitações é levada, sobretudo, nos pátios internos, longe dos olhares indiscretos…

Fotos: S. Hollmann

Peculiaridades e encantos dessa Sevilha: quem não a viu, não viu maravilha…

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