Conforme observava Dr. Plinio, o Natal, por sua natureza, “é uma festa diferente das celebrações da Páscoa, pois não exalta a vitória do Homem-Deus sobre o demônio e a morte, mas é o primeiro passo — quão humilde, quão velado, quão discreto — que o Rei glorioso haveria de encetar nos caminhos de sua dor, de sua luta, de seu triunfo.
“Primeiro passo o mais elementar, pobre e indigente que imaginar se possa.
“Um casal posto em triste situação, considerada a ordem humana dos valores: Nossa Senhora na difícil posição de mãe prestes a dar à luz, montada num burrico, acompanhada por seu esposo, São José, modesto carpinteiro, desconhecido príncipe de uma Casa de David relegada à decadência. Ambos procuram hospedagem em Belém, sem encontrar quem os acolha. Não tendo onde ficar, vão para as montanhas vizinhas, para as grutas que servem de abrigo aos animais. E assim, no interior desse rude refúgio, na mais estrita intimidade, dá-se o fato mais importante da História: o Filho de Deus feito carne no seio puríssimo de Nossa Senhora vem ao mundo.
“Compreende-se, então, como a alegria do Natal é feita de contrastes. Uma grande intimidade, uma grande miséria, mas uma grande elevação. No meio da pobreza extrema, a maior riqueza do universo, o Filho do Onipotente reclinado em tosca manjedoura. O Rei da eterna glória ali está, e ninguém o vê, ninguém lhe dá valor, senão aquele venturoso casal. Glória representada no estado de um Menino débil, frágil, que chora, sente fome e estende seus tenros braços para a Mãe.
“Contraste de esplendor e abatimento! Festejado e adorado nos Céus por toda a coorte de anjos que O louvam num concerto magnífico e O celebram com brilho incomparável, o nascimento do Salvador acontece na Terra de modo tão apagado e despercebido do resto dos homens! Do resto, sim, à exceção da alma que vale mais que todas as almas abaixo da d’Ele, Nossa Senhora, reclinada e rezando ao seu Deus e Filho; à exceção do homem a quem estava reservada a honra de ser o pai adotivo do Unigênito do Altíssimo.
“É, portanto, sob um invólucro de miséria e de pobreza que nasce a maior de todas as glórias. Nasce à meia-noite, num lugar ermo daquelas vastidões do mundo antigo. Ao redor, apenas o silêncio, o abandono, o profundo repouso, tudo imerso nas penumbras noturnas. Dentro daquela gruta, aquele casal único, sob as coruscações de uma pequena fogueira, deitando luz suficiente para se ver o que ali se passava. E havia o Menino que era o Senhor de todos os séculos, o próprio Deus encarnado.
“A contemplação de tal cena nos move ao recolhimento e à quietude, como o Natal se deu na quietude e no recolhimento. Leva-nos a sentir em nosso interior as alegrias do advento de Jesus, mais do que a desejar proclamá-las a grandes sons. Infunde-nos um misto de reverência enternecida de quem toca tão altos mistérios, de quem não sabe agradecer a honra desmedida de partilhar a natureza humana com o Criador, e uma espécie de pena, de comiseração de Deus, porque Deus consentiu em fazer-se tão pequeno…
“Um respeito tão grande que chega ao temor, uma ternura tão profunda que quase nos desmancha a alma. Suma veneração, suma adoração, sumo carinho. Suprema glória, perto da qual não se é nada; suprema humilhação, perto da qual se é tudo.
“É a alegria do Natal, tão delicada que teme se expandir inteiramente, com receio de perder a sua doçura e intimidade. É a luz natalina, tão discreta que aguarda a meia-noite para refulgir dentro dela…”