Dr. Plinio em meados da década de 80

Como já frisamos em anteriores oportunidades, não menos significativas que seus grandes lances públicos e conferências, foram determinadas exposições de Dr. Plinio para alguns pequenos grupos de jovens em cuja formação deitava particular empenho.

Assim, marcaram época os comentários feitos por ele à biografia do fundador dos Sacramentinos, São Pedro Julião Eymard, dirigidos a filhos espirituais oriundos da nação francesa, tão amada por Dr. Plinio. Naquela data, teve este o ensejo de afirmar como devemos amar a Deus apaixonadamente, ao contrário de certo espírito contemporâneo, assaz propenso à “medida” e ao “equilíbrio”.

Diziam a São Pedro Julião Eymard que sua devoção ao Santíssimo Sacramento era exagerada. Ele escreveu, então: “Mas o que é o amor se não o exagero? Exagerar é ultrapassar além. Pois bem, o amor deve exagerar. Quem se limita ao que é absolutamente de seu dever não ama. Só se ama quando se sente interiormente a paixão do amor. Nosso amor para ser uma paixão, deve sofrer a lei das paixões humanas. Falo das paixões honestas, naturalmente boas. Sem uma paixão nada se alcança. A vida carece de objetivo, arrasta-se numa vida inútil.”

Cumpre considerarmos que esse pensamento do Santo se opõe à errônea idéia de que a verdade é uma posição “responsável” e “adulta” diante dos fatos, e pede a não-paixão. Segundo essa concepção, somente depois de se desapaixonar é que o homem se torna capaz de ver, julgar e agir.

Ora, a afirmação de São Pedro Julião Eymard contunde essa noção, ensinando que existe uma paixão boa, movida pelo bem. E o homem deve utilizá-la para atingir o extremo do amor a Deus. Se ele aplica, portanto, a tal ascese clínica do não apaixonar-se, peca contra a doutrina católica sobre a moral humana, que supõe a paixão boa.

E ao perguntar “o que é o amor se não o exagero?”, São Pedro não sustenta ser a paixão necessariamente um exagero, mas quer assinalar outra coisa: o amor, continuamente, vai além do que o ambiente no tempo dele já classificava de exagero. Noutras palavras, ele assevera: “Que é amar, se não fazer o que vocês entendem como exagero?”

Trata-se de uma espécie de choque do Santo contra essa lei do desapaixonamento, uma lei moral normal para o espírito francês. E acrescenta:

“Pois bem, na ordem da salvação é preciso também ter uma paixão que nos domina a vida, e a faça produzir para a glória de Deus todos os frutos que o Senhor espera. Amai tal virtude, tal verdade, tal mistério apaixonadamente! Devotai vossas vidas, consagrai vossos pensamentos e trabalhos. Sem isso nada alcançareis jamais. Sereis apenas uns assalariados e jamais uns heróis! Todo pensamento que não termina em uma paixão, que não acaba por tornar-se uma paixão, nada de grande produzirá jamais.”

Então, segundo o ensinamento dele, para servir à glória de Deus, a total produtividade da ação humana é esperada da paixão, e da colaboração desta com as outras faculdades da alma. Isto é, aliás, ser realmente humano.

Sempre nos causou horror o costume dos chineses do fim da monarquia, pelo qual cortavam as pontas dos pés para andarem com seus sapatos minúsculos. É um hábito medonho. Porém, não menos pavoroso é cortar uma faculdade da alma e viver sem ela. É ainda mais assustador. O homem desapaixonado é um mutilado.”