Dr. Plinio aos 24 anos, quando deputado na Assembléia Constituinte Federal

“Uma epopéia de fidelidade”. Assim definiu Dr. Plinio os longos e fecundos anos de apostolado empreendido por ele e seus discípulos, nos quais sua alma de fundador, a cada minuto, pulsava de devoção a Nosso Senhor Jesus Cristo e à sua Mãe Santíssima, à Santa Igreja e ao Papado.

Ao recordar outras significativas circunstâncias dessa heróica trajetória, Dr. Plinio não deixava de salientar sua profunda gratidão pelo maternal e incansável auxílio recebido de Maria em todas as horas.

Nos [idos da década de 20] havia uma grande e luminosa realidade que se chamava o “movimento católico”. Nessa designação genérica se compreendia o conjunto formado, de norte a sul do País, pelas associações religiosas. É claro que neste, como em todos os vastos conjuntos, havia certa heterogeneidade. Assim, a par de entidades inertes, esclerosadas pelo tempo ou abortadas por fatores vários, havia outras de uma vitalidade incontestável, e algumas até de uma pujança extraordinária. Entre estas últimas refulgiam as Congregações Marianas.

“Foi uma vida inteira de trabalhos para e por Maria Santíssima, sob o amparo de sua maternal misericórdia ”

Fotos: Arquivo revista / S. Miyazaki
8 anos
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20 anos
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30 anos
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40 anos
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50 anos
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60 anos
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70 anos
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80 anos

Candidato mais jovem e mais votado

O movimento mariano, que começara a se expandir no período de 1925 a 1930, chegava então ao seu apogeu. Prestara ele à Igreja o incomparável serviço de — num país como o nosso, em que a religião [quase] só era praticada pelo sexo feminino e por uma minoria de homens de idade madura — atrair para a vida de piedade e para o apostolado legiões inteiras de jovens de todas as classes sociais.

Todo este mundo de associações novas e antigas — pois pela quantidade se tratava de um mundo — caminhava para a frente unido filialmente a um clero no qual eram numerosas as personalidades de valor e prestígio, e a um episcopado coeso e profundamente venerado.

A força do movimento católico se provara em mil conjunturas. Assim, em 1933, [eu era] o mais jovem dos candidatos à Constituinte Federal [e fui] ao mesmo tempo o mais votado do País. Tinha 24 anos, e obtive 24 mil votos (o necessário para se eleger era 12 mil). Tal votação, deveu-se exclusivamente ao apoio das entidades católicas de São Paulo. O teste surpreendeu e impressionou tanto, que a partir desse momento a Liga Eleitoral Católica passou a ser reputada uma das maiores potências do Brasil. (…)

Diretor do “Legionário”

Encerrada minha atuação no cenário legislativo, continuei a militar, como o fazia desde 1928, nas fileiras marianas. Foi-me então confiada a direção do Legionário, órgão da Congregação Mariana de Santa Cecília. No quadro redatorial desse semanário formou-se gradualmente um grupo de amigos, todos congregados como eu, que nos dedicamos de corpo e alma ao jornalismo católico.

O Legionário não se destinava ao grande público, mas tão somente a esse imenso meio, algum tanto fechado, que era o movimento católico. Dentro desse meio, se estendia de norte a sul do país sua influência de representante do pensamento das forças mais jovens e dinâmicas. Realçava ainda essa influência a situação pessoal de meus colaboradores e a minha no movimento católico, [pois] fazíamos parte da direção das entidades mais marcantes da juventude católica de São Paulo, isto é, da cidadela mariana por excelência. (…)

Nuvens, dissensões: sim, o Legionário as encontrou, mas pequenas. Provinham de leitores fascistizantes, irritados com a campanha sem tréguas que o Legionário movia contra o nazismo e o fascismo.

Tudo prometia pois um porvir de trabalhos fecundos e pacíficos.

Sobreveio a noite de um pesado ostracismo

Foi precisamente aí que a tragédia provocada pelos germes “progressistas” estourou. Desde os primórdios da crise, o Legionário foi sutilmente atacado, pois era o porta-voz de uma mentalidade que a urdidura “progressista” queria extirpar (…) Desde os primórdios, também, em nossas reuniões de redação, notamos que o mal vinha espalhado com suma arte, lábia e cópia de prosélitos. Era preciso dar, em meio à desprevenção geral, um brado de alarma, que acordasse a atenção de todos. Assim,  (…) publiquei o livro-bomba Em Defesa da Ação Católica. Era um gesto de kamikaze. Ou estouraria o “progressismo”, ou estouraríamos nós.

Estouramos nós. (…)

Fotos: Arquivo revista
Acima: Dr. Plinio (3º da direita para a esquerda), jovem diretor do “Legionário”, com o Arcebispo de São Paulo, D. Duarte Leopoldo e Silva; à esquerda: como deputado (o 6º de pé, da direita para a esquerda) na bancada paulista; abaixo: ele aos 33 anos, presidente da Ação Católica

Fotos: Arquivo revista
Fotos: Arquivo revista

A noite densa de um ostracismo pesado, completo, intérmino, baixou sobre aqueles meus amigos que continuaram fiéis [aos princípios da doutrina católica que eu defendia no] livro. O esquecimento e olvido nos envolveram, quando ainda estávamos na flor da idade: era este o sacrifício previsto e consentido. A aurora, como veremos, só voltou a raiar em 1947.

“Escondida na terra, a semente germinava”

Nosso período catacumbal durou quatro anos. Mas quatro que traziam constantemente consigo os tristes sintomas de um estado definitivo e sem remédio. Imagine-se um pugilo de líderes já sem liderados, um grupo que já cumpriu sua missão, sobreviveu a ela, e fica sobrando. Esta a nossa situação quando o mais velho de nós tinha 40 anos e o mais jovem 25!

Resolvemos continuar unidos, em uma vigília de oração e análise dos acontecimentos até quando Deus quisesse.

Alugamos uma pequena sede na Rua Martim Francisco [no bairro Santa Cecília, da capital paulista], e ali nos reunimos todas as noites sem exceção. Recordação, sem amargura nem orgulho, das glórias da imolação dos dias idos. Análise solícita e entristecida, da deterioração discreta e implacável da situação religiosa. Estudos doutrinários em comum. Convívio fraterno e cordial. Assim, a Providência colocava as condições ideais para nos unir. Veio daí um tal enrijamento de nossa coesão no pensar, no sentir e no agir, como mais seria difícil imaginar. Escondida em terra, a semente germinava.

A nosso lado, organizava-se a solidariedade preciosa e discreta de um pugilo de moças que conosco lutara na Ação Católica contra o progressismo nascente, e também se retirara conosco para o ostracismo. (…)

Fotos: Arquivo revista / M. Shinoda
Fotos: Arquivo revista / M. Shinoda
Fotos: Arquivo revista / M. Shinoda

Fotos: Arquivo revista / M. Shinoda
Dr. Plinio em 1943; fac-símile da carta de aprovação da Santa Sé ao livro “Em Defesa da Ação Católica”; capa da primeira edição de “Revolução e Contra-Revolução”

Carta da Santa Sé elogia o livro do “kamikaze”

[Dois anos depois, no início de 1949], um religioso muito amigo me entregou uma correspondência vinda do Vaticano para mim. Era uma carta oficial em latim, assinada por Mons. João Batista Montini, [o futuro Papa Paulo VI], que dirigia então a Secretaria de Estado da Santa Sé. Eis seu texto em português:

Palácio do Vaticano, 26 de fevereiro de 1949.

Preclaro Senhor: Levado por tua dedicação e piedade filial ofereceste ao Santo Padre o livro “Em Defesa da Ação Católica”, em cujo trabalho revelaste aprimorado cuidado e acurada diligência. Sua Santidade regozija-se contigo porque explanaste e defendeste com penetração e clareza a Ação Católica, da qual possuis um conhecimento completo, e a qual tens em grande apreço, de tal modo que se tornou claro para todos quão importante é estudar e promover tal forma auxiliar do apostolado hierárquico.

O Augusto Pontífice de todo o coração faz votos que deste teu trabalho resultem ricos e sazonados frutos, e colhas não pequenas nem poucas consolações. E como penhor de que assim seja, te concede a Benção Apostólica.

Desta vez, tudo se tornava cristalino. Pio XII louvava e recomendava o livro do kamikaze.

Dir-se-ia que (…) a situação voltava a ser para nós o que era antes de 1943. Engano. No que diz respeito aos ex-redatores do Legionário, ela ficou inalterada. Surpreendente contradição dos fatos, sobre a qual é cedo para falar. Mas um acontecimento sobreveio, mais ou menos paralelamente a essas vitórias, que marcaria a fundo nosso futuro.

O Pe. W. Mariaux, S.J., fundara, no Colégio São Luís, uma Congregação Mariana brilhante. Destinado o notável jesuíta para a Europa, por seus superiores, parte dos congregados nos procurou solicitando ingresso em nosso grupo. Eram cerca de 15 elementos jovens, de inteligência e capacidade de ação invulgares, [que engrossaram nossas fileiras]. (…)

“Revolução e Contra-Revolução”

Como as circunstâncias do País iam mudando, nosso interesse se ia ampliando cada vez mais para o campo social. Escrevi então, em 1959, um ensaio expondo nossas teses essenciais na matéria. Intitulou-se Revolução e Contra-Revolução. O trabalho teve oito edições: duas em português, uma em francês, uma em italiano e quatro em espanhol.

Fotos: Arquivo revista / G. Kralj
Dr. Plinio com a beca de professor universitário
Fotos: Arquivo revista / G. Kralj
“Sala João Mendes” (estado atual)

Certa ocasião houve greve em toda a Faculdade de Direito, do Largo São Francisco, onde eu lecionava. Quando cheguei, um piquete de grevistas estava percorrendo as classes, a fim de obrigar os estudantes a aderirem à manifestação. Ignorei-os, e comecei a trabalhar, dando aulas na “Sala João Mendes”, um recinto especial, solene, com uma cátedra alta e uma imensa porta de entrada. Em determinado momento, o bedel veio me dizer, aflito:

— Professor, queria avisar ao senhor que está havendo essa greve… Seria mais prudente o senhor desistir de dar a aula hoje.

Minha resposta:

— Desistir de dar aula por causa de greve, não.

— Mas, professor, não sei… Se os alunos baterem aí na porta…

— Arranje-se, porque eu dou conta do caso.

Dali a pouco os grevistas se aproximaram da minha porta, repetindo seu brado de protesto: “Greve! Greve!”. Os alunos começaram a cochichar. Eu continuei como se nada estivesse acontecendo. Ocorreu então o inevitável. Um dos grevistas desferiu um pontapé na porta, e o bedel me pergunta:

— O que faço, professor? Agora estão eles aqui.

— Vá lá e abra a porta. E abra de par em par. Depressa!

Ele foi e fez o que eu pedi. Na sala toda, expectativa: o que irá acontecer? Assim que o bedel abriu a porta, dei-me de frente com os grevistas. Olhando-os de modo fixo, perguntei-lhes num vigoroso timbre de voz:

— Que é?!!

— Professor… nós… estamos fazendo greve…

— Greve?! Fora!!!

Minha recusa era declarada com tal força e decisão que eles compreenderam não havia remédio. Dissolveram-se. Eu disse ao bedel:

— Feche a porta.

Ele a fechou, e eu prossegui a aula. Terminei-a tranqüilamente, e saí pelos corredores, nos quais alguns manifestantes ainda transitavam, insistindo no seu grito de “greve! greve!”. Pensei: “Eles agora vão se vingar de mim e tentarão me vaiar. Posso sair por uma porta do fundo, mas, se perceberem, hão de achar que estou com medo. Isso será pior. Devo enfrentá-los e me distanciar com serenidade”.

E foi o que fiz. Com toda a calma, atravessei no meio deles e nada disseram. Voltei para casa. Tinha chegado ao fim mais um dia de aula na Faculdade de Direito.

Estava criado o campo para se desprender de todos estes antecedentes uma ação de uma natureza diversa, isto é, tipicamente cívica e temporal (…), [em torno da qual se uniriam] todos os amigos que o idealismo, a desventura, a fidelidade, e as recentes alegrias tão intimamente haviam fundido em uma só alma. (Artigos na Folha de São Paulo, de 15 e 22/2/1969)

Razões que justificam nosso apostolado

Não seria despropositado que algum dos membros mais jovens do nosso movimento se perguntasse que motivos tem para se dedicar aos nossos ideais. Julgo que seria uma interrogação compreensível. E creio devesse ele, antes de tudo, olhar ao seu redor e considerar como muito outros, mais velhos, abraçaram a mesma causa quando ele ainda estava nos desígnios de Deus. Ou seja, é oferecido a ele ter contato com pessoas que me conhecem desde o começo de nossa trajetória, iniciada bem antes de ele nascer, e que podem lhe dar testemunho de nossa história, de nossos lances, de nossas ações, de nossa idoneidade naquilo que empreendemos.

Primeiro título de confiança: amor à Santa Igreja e ao Papado

Dos títulos que poderiam ser alegados para que alguém adquirisse essa confiança em mim, tenho a impressão de que dois sobressaem e valem mais do que quaisquer outros. Não faço aqui, pois, o meu próprio elogio, mas o desses títulos — que na realidade são duas graças — misericordiosamente alcançados por Nossa Senhora a meu favor.

O primeiro, na ordem cronológica, é de ter amado com toda a minha alma a Igreja Católica Apostólica Romana. Na medida em que a minha alma foi se abrindo para conhecer e compreender a Igreja, dentro da qual tive a honra e a ventura de nascer, por disposição da Providência, a ela fui aderindo, por ela fui me encantando e enlevando, com aceitação e entusiasmo completos. E, dentro da Igreja, venerando o Papado com todo o amor com que amo a ela.

No primeiro símbolo que idealizamos para nosso movimento figuravam as chaves pontifícias, imagens do poder do Vigário de Cristo nas ordens sobrenatural e temporal, para manifestar nossa inteira submissão ao Papado. Razões pertinentes nos levaram a tirá-las do nosso símbolo, mas, no meu espírito, nunca o vejo sem as chaves do Papado. E as derradeiras palavras que desejo pronunciar antes de morrer serão o meu consumatum est pela Sede de São Pedro.

O Papado é o centro da Igreja. A Igreja é o centro de nossa vida. Logo, o Papado é o centro de nossa existência. Pelo Papa, somos capazes de fazer tudo, todas as imolações, todos os sacrifícios.

“O Papado é o centro de nossa vida; a devoção a Maria é um título especial para se ter confiança em nossa ?issão”

Fotos: G. Kralj / T. Ring

Fotos: G. Kralj / T. Ring
Imagem de São Pedro, Vaticano (Roma), e imagem de Nossa Senhora Auxiliadora que esteve com Dr. Plinio desde o início de seu apostolado

Segundo título: a devoção a Nossa Senhora

Outro título é: entre os meus seguidores, creio que nenhum conheceu o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, de São Luís Maria Grignion de Montfort, sem que fosse direta ou indiretamente por minha causa.

Quando o encontrei, achei o livro de que eu precisava. Foi, pode-se dizer, o livro de minha vida. A tal ponto que, por exemplo, quando eu morrer, se alguém quiser fazer um epitáfio na minha lápide funerária com esta inscrição: “Leu o livro de São Luís Grignion de Montfort e procurou com toda a alma praticá-lo e difundi-lo” — eu considero que a espinha dorsal da minha existência estará perfeitamente descrita.

É um título muito especial para se justificar a confiança em nossa missão, pois pela devoção a Maria Santíssima alcançamos tudo o que nos é necessário para fazer bem às almas e para a nossa própria santificação. Trata-se de praticar essa devoção seriamente, conhecendo seus fundamentos e verdades, observando-os do modo mais fiel possível.

A prova de que tal devoção redunda em frutos de inestimável valor, tenho-a diante de mim. Cada vez que me apresento para uma conferência no nosso plenário, impressiona-me a multidão de filhos e discípulos espirituais que Nossa Senhora congrega em torno de mim, e eu Lhe fico imensamente agradecido. Quantos dos meus seguidores conheceram o nosso movimento ainda pequeno, cujos membros se sentavam em seis ou oito cadeiras numa sala de exíguas proporções! Tempos heróicos aqueles, que preludiavam esses dias — e, creio bem, com inteira confiança na misericórdia de Nossa Senhora, dias futuros ainda melhores — em que nossa obra vai alcançando projeção mundial.

Face a essa expansão tão promissora, pergunto: podia isso ter sido feito por alguém que não a Santíssima Virgem?

O livro que eu difundi, pode-se afirmar, é o livro d’Ela, aquele que A exalta como antes nunca se fez. Jamais me ouvirão explanar a respeito de alguma obra escrita por mim ou por outro, com a veneração, o entusiasmo, o respeito e o interesse com que comento o Tratado da Verdadeira Devoção. Numa palavra, a obra que eu fiz, foi Ela que realizou, é Ela que continua a empreendê-la, é Ela que a conduzirá adiante.

Quatro livros marcaram de maneira decisiva minha vida espiritual, e me foram de inestimável auxílio na conduta de nosso apostolado.

Fotos: Arquivo revista / S. Hollmann / T. Ring
Acima: Dr. Plinio em 1934, ao lado do Arcebispo de São Paulo, D. José Gaspar; abaixo: Dr. Plinio em 1965

Fotos: Arquivo revista / S. Hollmann / T. Ring

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Dr. Plinio (1º à esquerda) em 1938, com o núncio D. Bento Aloisi Masella, que prefaciou o “Em defesa da Ação Católica”

Fotos: Arquivo revista / S. Hollmann / T. Ring
Fotos: Arquivo revista / S. Hollmann / T. Ring
Fotos: Arquivo revista / S. Hollmann / T. Ring
Fotos: Arquivo revista / S. Hollmann / T. Ring

Por volta dos meus 21 anos era eu, e ainda sou, muito devoto de Santa Teresinha do Menino Jesus. Em condições particularmente delicadas, li A história de uma alma, sua autobiografia, e fiquei profundamente impressionado com a idéia que a norteia, segundo a qual não se pode fazer para a Igreja Católica uma coisa mais útil do que ser uma vítima expiatória do amor misericordioso de Deus.

Minha vontade foi de me oferecer a Nosso Senhor, como Santa Teresinha, e morrer como ela: terminando meus dias ainda moço, consumido por uma doença qualquer. Contudo, percebi que não era o momento para isso.

Mais tarde, com a leitura da Alma de todo apostolado, de Dom Chautard, compreendi que eu só poderia realizar a obra para qual era chamado se me empenhasse em me tornar santo: “Levar uma vida despreocupada, sem sofrimento, julgando que conseguirei operar no mundo as transformações que desejo, é mero devaneio. Se espero concretizar meus anelos, cumpre que aspire à santidade!”

Pouco depois, deparava-me com a espiritualidade de São Luís Maria Grignion de Montfort, expressa no seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Essa leitura incutiu-me o desejo de nutrir uma devoção a Nossa Senhora absolutamente hors série, no intuito de avantajar com ela a Contra-Revolução e, sobretudo, pela vontade de amar a Mãe de Deus com todas as veras de minha alma. Terminado o livro, não tive um minuto de vacilação: consagrei-me como escravo de amor a Nossa Senhora, conforme nos ensina São Luís Grignion.

Já noutra difícil conjuntura de minha vida, oprimido por problemas de diversas índoles, encontrei o Livro da Confiança, do Pe. Thomas de Saint-Laurent. Sem saber por onde andavam as vias de Nossa Senhora a meu respeito, li essa frase inicial do livro, da qual nunca me esqueci: “Voz de Cristo, voz misteriosa da graça, vós murmurais no fundo de nossas consciências palavras de doçura e de paz”.

Ao ler essas palavras, senti como se uma atmosfera dulcíssima e cheia de afeto penetrasse em mim, afastando todos aqueles espantalhos e medos, e me dizendo: “Repita meu filho: voz de Cristo, voz misteriosa da graça, vós murmurais em minha alma palavras de doçura e de paz”.

Eu tinha a impressão de que algo fazia desaparecer todas as minhas angústias, e me dava uma certeza de que, realmente, aqueles fantasmas de perspectivas e de preocupações futuras sumiriam, que Nosso Senhor e Nossa Senhora resolveriam bem os problemas que tanto me amarguravam. De fato, pouco depois, sucessivos acontecimentos mudariam o rumo de minha vida e me tranqüilizariam quanto ao futuro, fosse o profissional, fosse, sobretudo, o de meu apostolado. Alguns fardos haviam sido tirados de cima de mim, e eu fiquei entendendo a verdade desta afirmação: “voz de Cristo, voz misteriosa da graça…”

(Extraído de conferências em 10-11/2/1990, 23/6/1990 e 16/7/94)

Fotos: Arquivo revista / S. Hollmann / T. Ring

Fotos: Arquivo revista / S. Hollmann / T. Ring
Acima: Dr. Plinio em 1973; abaixo: ele em 1978. No centro, da esquerda para a direita: Santa Teresinha do Menino Jesus, São Luís Grignion de Montfort, o “Livro da Confiança” e o Abade trapista D. Chautard

Então, convenhamos: quem de tal maneira trabalha para e por Maria, e Ela, na sua insondável solicitude, assim atua em favor dele — esse merece nossa confiança e ao seu lado devemos caminhar. Essa caminhada é uma epopéia de fidelidade. Não nos esqueçamos nunca disso.

(Extraído de conferências em

26/5/1973 e 23/10/1991)