Dr. Plinio junto ao altar da Mãe do Bom Conselho de Genazzano (Itália), em 1988

Às vésperas de sua última viagem à Europa, em setembro de 1988, Dr. Plinio formulou a súplica que elevaria à Mãe do Bom Conselho de Genazzano, em cujo santuário iniciaria sua peregrinação através dos esplendores da Civilização Cristã, pela qual devotara o melhor de seu apostolado.

Lá chegando, aos pés da Virgem depositou sua prece, assim como sua reafirmação de uma inteira e filial confiança no maternal amparo de Nossa Senhora. Nesta confiança viveu, nela sempre esperou, e com ela morreu na paz do Senhor.

Esta viagem à Europa tem como finalidade única, num certo sentido, venerar a imagem da Mãe do Bom Conselho de Genazzano, no seu santuário perto de Roma.

Súplica filial a Nossa Senhora

Qual o sentido dessa visita?

Atingindo o processo revolucionário o grau que hoje conhecemos, posta a crise moral e religiosa do mundo contemporâneo, de um lado; e de outro, posto o desenvolvimento da nossa obra ao ponto que chegou, muito maior do que poderíamos conjecturar, nasce no meu espírito uma súplica a Nossa Senhora:

“Minha Mãe, em face dessas circunstâncias, se Vós quereis dizer uma palavra de alento e de coragem intrépida — não, portanto, de qualquer coragem, mas de uma coragem multiplicada pela coragem — aos que são vossos, diretamente ao coração de cada um, fazei-o. Se quereis dizê-la por meu intermédio, fazei-o. Eu aqui vim para me pôr aos vossos pés. Como vosso escravo, minha Mãe, como vosso filho, para fazer a vossa vontade!”

Esse o sentido primordial de minha visita à Mãe do Bom Conselho de Genazzano.

Não posso, por outro lado ainda, ser estranho à circunstância de que o meu octagésimo aniversário se aproxima, e representa uma data memorável na vida de um homem. Não posso ser indiferente ao fato de que, nessas condições, uma pessoa tem atrás de si um longo passado do qual deve prestar contas e, à sua frente, um futuro de duração incerta em favor do qual deve rogar graças e auxílios.

“Dai-me o que sabeis que deveria vos pedir”

Assim, pedirei a Nossa Senhora perdão de toda minha alma por todas as imperfeições e negligências, por todos os meus atos que não foram do agrado d’Ela. Nesse pedido de perdão, incluirei todas as eventuais lacunas e faltas daqueles que Ela me deu. Além disso, essa súplica: conceda-me Nossa Senhora aquilo que eu rogaria se fosse perfeito, no maior arrojo do meu espírito. Não sei o que é, mas Vós, ó Mãe, sabeis o que eu deveria vos pedir. Concedei-me!”

Essa será a minha prece aos pés de Nossa Senhora de Genazzano.

Não se alarmar com a espera em ser atendido

Gostaria, entretanto, de frisar um aspecto importante que envolve essa visita e esse pedido. Ao longo de minha vida, Maria Santíssima me tem alcançado inúmeras graças. Porém, raras vezes me viram dizer que pedi algo a Ela e que me foi imediatamente outorgado. Em geral, entre o meu pedido e a concessão medeia um ziguezague e um “rio chinês”1, semeado de curvas.

Não se pense, pois, que retornarei dessa viagem, dizendo: “Ajoelhei-me aos pés de Maria, olhei para a imagem e esta logo manifestou uma fisionomia embevecedora para mim, pela qual entendi que minhas súplicas seriam atendidas em tal data…”. Não. Se isso se der, ficarei imensamente grato e feliz. Mas, se não se der, não devemos nos espantar, porque esse é o modo como Ela tem agido comigo desde o princípio.

Nesse sentido, recentemente reli o meu primeiro manifesto como jovem congregado mariano, escrito no jornal da Ação Universitária Católica, no meu tempo da Faculdade de Direito. Há exatos 60 anos! Ao ler de novo aquele documento, pensei: “De lá para cá, que incontável sucessão de fatos, de lutas, de batalhas. Como o que eu esperava de triunfo para a causa católica ainda demora! E como tenho navegado no mar das improbabilidades, longamente, longamente, rumo a um porto ao qual ainda não cheguei!”

Assim se põem as coisas, e não devemos nos alarmar. Nossa Senhora saberá quando nos atender.

Chambord

Dr. Plinio diante de Chambord, em 1988

Em Chambord pude perceber restos da graça que soprou sobre a Europa dando origem à Idade Média, e que foi se pondo lentamente como um sol esplendoroso. E o castelo é uma das irradiações desse ocaso da Cristandade medieval, um ocaso magnífico, como magnífica é também a Cristandade.

No fundo, eu contemplava em Chambord cintilações da Santa Igreja Católica, à qual amamos com um amor tão imenso que este se torna a razão e o fundamento de todas as nossas demais benquerenças. E é porque a alma católica me encanta, porque nela discirno o reluzimento do Divino Espírito Santo, que me apraz admirar Chambord.

Fotos: J. S. Dias / S. Hollmann
Igreja de Saint-Laurent-sur-Sèvre, onde Dr. Plinio visitou o túmulo de São Luís Grignion (destaque)

Fotos: J. S. Dias / S. Hollmann

Saint-Laurent-sur-Sèvre

Esse foi o encontro por mim há anos desejado! Desde o dia em que li o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, formei o propósito de ir a Saint-Laurent-sur-Sèvre para venerar os lugares onde viveu São Luís Maria Grignion de Montfort.

Tudo ali nos falava mais densamente do Céu, da ordem espiritual, além de tonificar em nós a idéia de que nossa vocação está ligada à desse mestre, profeta e homem de fogo que foi São Luís Grignion.

Em Saint-Laurent-sur-Sèvre, sentindo-se a presença de São Luís Grignion, conhecemos e desfrutamos algo que vale não sabemos quantos mil Chambords e outros esplendorosos monumentos engendrados pelo genial talento francês!

Visita a tesouros da Civilização Cristã

Após minha estada em Genazzano, tenho o projeto de visitar, entre outras coisas, o Castelo de Chambord, na França. Um castelo que sempre admirei e que desejo muito conhecer. Não só pelo agrado de alma que esse conhecimento me proporcionará, mas, sobretudo, por amor à Civilização Cristã, da qual esse monumento é uma expressão — embora não de uma pureza perfeita — com ricos traços de espírito católico.

De modo especial, pretendo ir a Saint-Laurent sur-Sèvre, onde está enterrado o corpo de São Luís Maria Grignion de Montfort, por tudo quanto este santo e sua doutrina da verdadeira devoção à Santíssima Virgem representam para nosso movimento.

Deus pode dispor de nossa entrega como quiser

Nunca se ouviu dos lábios de Dr. Plinio, mesmo — e sobretudo — nos momentos de maior apreensão pelo futuro de sua obra, qualquer palavra de desânimo ou desencorajamento. Pelo contrário, seus apelos à confiança sem limites em Maria Santíssima só se multiplicaram e se intensificaram, à medida que se aproximava o tempo em que a Providência o chamaria a Si.

“Nunca nos desanimemos, nem abandonemos o verdadeiro caminho, que é o da confiança em Maria”

S. Miyazaki
Dr. Plinio aos 78 anos

Alguém poderia me perguntar: por que razão devemos confiar contra toda a confiança, com serenidade e tranqüilidade numa situação que parece perdida?

Esta é uma questão fundamental em nossa vocação, pois circunstância análoga pode suceder a qualquer um de nós.

A resposta se cifra no fato de que a Providência não pode nos pedir nem alimentar em nossa alma algo de ilógico. Se, ao longo de nossa vida espiritual, dos anos dedicados ao serviço de Nossa Senhora e da Igreja, mantivemos acesos aqueles desejos primeiros, o primeiro impulso, a primeira verdade, aquele primeiro ato de vontade e aquelas deliberações daí decorrentes, jamais desmentidas, jamais diminuídas, jamais derrotadas, tal atitude só pode ter sido por uma ação da graça sobre nós. Se a graça agiu, Deus nos chamou. Se Ele nos chamou, pode dispor de nossa entrega como for da sua maior glória.

Ele não quis de mim o combate direto e final contra os seus adversários, mas eu obterei um jeito de lutar melhor do que se o fizesse em campo aberto. Eu ofereço a Deus o martírio da minha inutilidade. Tornei-me inútil: ó bem-aventurada inutilidade!

Deus permitiu essa minha condição ineficaz, porque o quis. Se é vontade d’Ele, eu me submeto, pois é meu Pai e meu Deus.

Alguém ainda dirá: “Mas, então, por que Ele me concedeu esses desejos extraordinários e me fez progredir na vida espiritual? Para, no fim, não me proporcionar a realização de tudo o que esperei?”

No momento em que este trabalho chega a termo, graves incógnitas rodeiam de todos os lados a Humanidade. (…) Tal quadro seria desalentador para todos os homens que não têm Fé. Pelo contrário, para os que têm Fé, do fundo deste horizonte sujamente confuso e torvo, uma voz, capaz de despertar a mais alentadora confiança, faz-se ouvir: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”*



M. Shinoda
Dr. Plinio autografa um exemplar do seu último livro, “Nobreza e elites tradicionais análogas…”

Que confiança depositar nesta voz? A resposta, que ela mesma nos dá, cabe numa só frase: “Sou do Céu”*.

Há, portanto, razões para esperar. Esperar o quê? A ajuda da Providência a qualquer trabalho executado com clarividência, rigor e método, para afastar do mundo as ameaças que, como outras tantas espadas de Dâmocles, estão suspensas sobre os homens. Importa, pois, orar, confiar na Providência, e agir.

Para desenvolver esta ação, é de toda a conveniência relembrar à nobreza e às elites análogas a missão especial — e primacial — que lhes cabe nas atuais circunstâncias.

Queira Nossa Senhora de Fátima, padroeira singular deste agitado mundo contemporâneo, ajudar a nobreza e as elites congêneres a tomarem na devida conta os sábios ensinamentos que lhes deixou Pio XII. Tais ensinamentos apontam-lhes uma tarefa que o Papa Bento XV qualificara expressivamente de “sacerdócio” da nobreza.

E se elas se entregarem por inteiro a essa extraordinária tarefa, por certo os que hoje as compõem, e subseqüentemente os seus descendentes, algum dia ficarão surpreendidos com a amplitude dos resultados que terão obtido para os respectivos países e para todo o gênero humano. Sobretudo para a Santa Igreja Católica.

(Do último livro escrito por Dr. Plinio, Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana, Livraria Civilização-Editora, Porto, 1993, pp. 153-155)

* Palavras de Nossa Senhora em Fátima, na aparição de 13 de julho de 1917.

É precisamente isso. Em sua insondável sabedoria, Deus determinou que tudo aquilo para o qual me chamava, eu como que queimasse sobre uma pira em louvor a Ele. Dessa forma, o desejo de fazer um bem que eu não pude concretizar haveria de valer mais aos olhos de Deus do que esse mesmo bem que eu poderia ter feito.

J. S. Dias
Dr. Plinio diante da Catedral de Notre-Dame de Paris, em 1988

Portanto, a alma deve ter isso em vista e se conformar com os desígnios divinos.

Nela, a virtude da confiança consiste em ter a certeza de que ascenderá por esse caminho, amparada pela misericórdia de Maria Santíssima. E todos nós temos de estar dispostos a aceitar essa condição. Se assim procedermos, despertaremos em nosso coração sentimentos virtuosos, pois essa é a maneira de considerar a situação em função dos dados da fé católica.

Caminho de confiança e de vitória

Então, nunca nos deixemos abater pelo desânimo, pela revolta, jamais abandonemos o verdadeiro caminho, que é o da confiança.

A trajetória de nossa própria vocação é um dos grandes exemplos dessa forma de confiança inteira.

Com efeito, nossa vida foi uma longa espera com quase nada que a confirmasse e com quase tudo que a desmentisse. Tratava-se de esperar contra toda a esperança, crer apesar de quase todas as razões que levavam a não crer; andar pelos rochedos, pelos abismos, pelos precipícios, pelas grutas, até que raiasse o dia no qual Nossa Senhora nos diria: “Filhos meus diletos, filhos meus caríssimos. Vós esperastes muito, vós recebereis muito. O vosso ‘bilhete de loteria’ é o de acreditar e de confiar. Por vossa confiança, esperastes tudo e agora ganhareis a vitória. Saindo de uma gruta, de repente percebeis o mar magnífico a se desdobrar à vossa frente, formando um panorama esplêndido, o oceano azulado onde as gotas douradas do sol deitam reflexos magníficos. Ide até lá, tomai as embarcações nas quais podeis navegar em direção ao triunfo. As grutas, os morcegos, as cobras, toda a vegetação da derrota, da umidade, da pantanosidade, das trevas, ficaram para trás.

“Para vós, agora, o destino é outro: vencei!”

S. Miyazaki
Dr. Plinio na sua conferência em 19 de agosto de 1995

Há uma decisão de Nossa Senhora de, em determinado momento, fazer pesar [no prato da balança que pende para nosso lado] um peso, que será o peso do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração d’Ela. Será só isso? É o peso do Céu, é o peso de todas as almas que amam a Deus na Terra. É o peso de tudo aquilo que nós, num sentido inadequado da palavra partido, poderíamos chamar o partido do bem.

Depois dessa reunião, no que darão as coisas? Não sei. De uma coisa estou seguro e tenho certeza de que todos os senhores também estão: daqui a “x” anos, sejam eles cinco, cinqüenta ou cem, alguém dirá: “Não sei no que deu, mas uma coisa eu sei: Nossa Senhora venceu!”

(Palavras de Dr. Plinio na última conferência que fez para o plenário do seu movimento, na noite de 19/8/1995)

“Dai-nos, Senhor, o prêmio de vossa glória!”

Assim, naquele anoitecer de 3 de outubro de 1995, quando sua alma católica atravessou os umbrais da eternidade, Dr. Plinio levava consigo, sob o misericordioso amparo de Maria Santíssima, a certeza de ter cumprido sua missão neste mundo. Como ele mesmo já o havia afirmado, algum tempo antes, com essas comovedoras palavras:

Qual o significado da minha condição de fundador da nossa obra?

É uma fundação destinada a ajudar a restaurar [o que deve ser restaurado na Civilização Cristã]. Mas, restaurar nunca é fazer algo com a mesma intensidade que ele teve no seu apogeu. É realizá-lo com uma intensidade maior.

“Serei como Abel, cujos frutos se queimaram oferecendo a Deus um agradável aroma. Mas, serei eu mesmo o fruto! ”

S. Miyazaki
Dr. Plinio na noite de 3 de outubro de 1995: o ápice de um holocausto vitorioso

Assim, se, como eu espero, a [Cristandade] voltar a reluzir, dar-se-á com uma beleza e um esplendor extraordinários. Então, nossa missão é desejar que ela de fato brilhe no maior de seus esplendores. Esse desejo cria o ânimo de trabalhar e de se imolar por esse revigoramento:

“Seja como for, dê no que der, sofra o que sofrer, eu derramarei todo o meu sangue, padecerei todo o meu sacrifício, oferecerei todo o meu holocausto. Serei como Abel cujos frutos se queimaram oferecendo a Deus um agradável aroma. Porém, eu não oferecerei a Deus frutos: serei eu mesmo o fruto!

“Mas quando do meu corpo sair a última gota de sangue, quando os meus olhos verterem a última lágrima, eu poderei dizer com São Paulo: Bonum certamen certavi, cursum consumavi! — Combati o bom combate, percorri todo o caminho que deveria percorrer…! (2Tim 4, 7)

“E com a segurança de quem passa um cheque para o Céu, eu farei a minha cobrança de joelhos e com a alma transbordante de amor: na saraivada das calúnias, dos insultos, das incompreensões, dos esquecimentos, de tudo, Senhor, nós ficamos de pé! Assim como Vós, Senhor, na vossa cruz, também estáveis de pé! Dai-nos agora o prêmio de vossa glória!”

(Extraído de conferências em 20/9/1988 e 17/3/1993)

1) Imagem usada por Dr. Plinio para significar as idas e vindas numa determinada trajetória, até se atingir o objetivo desejado, assim como certos rios chineses que dão muitas voltas antes de alcançar o oceano.