Quinta-feira Santa: após o jubiloso cântico do “Glória”, os instrumentos emudecem, o alegre bimbalhar dos sinos cede lugar aos estalidos das matracas, e a cerimônia se desenrola numa atmosfera que pressagia a tristeza da alma católica por ver o Senhor preso, flagelado, crucificado, morto e, por fim, sepultado.

Terminada a Missa, o Santíssimo Sacramento é conduzido em procissão ao monumento, deixando atrás de Si o sacrário vazio e o templo em penumbras.

Inicia-se o pungente cerimonial do “desnudamento do altar”, enquanto o coro entoa o Salmo 22, em cujas palavras introdutórias ouvimos aquele mesmo brado lancinante proferido pelo Redentor do alto da Cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonaste?”1

Mãe e Mestra, a Igreja escolheu este Salmo para esta cerimônia, pois nele se medita profeticamente não apenas os tormentos da Paixão, mas a glória da Ressurreição. Com isso, ela imita seu divino Fundador e adorável Modelo, que exalou este brado de verdadeira angústia, mas não de desespero, pois se trata de uma oração a Deus seguida pela certeza jubilosa do triunfo final2.

Assim, no pórtico da Paixão já se prenuncia a glória que, como pondera Dr. Plinio, não está apenas na vitória final, mas na própria dor padecida de maneira santa e exemplar.

Com efeito, ao aproximar-se o momento do supremo sacrifício, Jesus declarara: “É chegada a hora em que será glorificado o Filho do Homem. E quando Eu for elevado da terra, atrairei todos a Mim.”3

Do alto do patíbulo, como de um púlpito alçado diante de toda a humanidade, a Sabedoria eterna e encarnada legava, assim, à História este sublime ensinamento: “A verdadeira glória só nasce da dor.”4

Dr. Plinio possuía esta verdade profundamente vincada em sua alma, o que o levou a tecer comentários como os transcritos a seguir5:

Quando a dor chega ao extremo de fazer bradar “meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”, a pessoa, em seu interior, está sentindo que todas as dores possíveis desabaram sobre ela, e padece a plenitude do sofrimento: em todo o seu corpo e em sua alma não há nada que não seja dor, ela toda não é senão dor. Então clama “meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”, como quem diz: “Eu esperava de Vós, ó Deus, um pequeno auxílio que fosse, mas vejo que esse auxílio não vem, porque de todo lado onde o adversário poderia me ferir, ele me feriu; de todos os lados onde poderia me humilhar, ele humilhou, e fez com que eu bebesse inteiro o cálice amargo da dor. Vosso amparo onde esteve, ó Deus?”

Tão trágica situação manifesta uma beleza especial que é o pulchrum fascinante do sacrifício, do holocausto, da dor, da derrota, da humilhação que a pessoa sofre até o fim, resignada e, conforme o caso, até entusiasmada, por ver que se verifica, assim, um princípio da ordem do universo: com o pecado original, a dor e até mesmo a catástrofe tornaram-se uma imposição.

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo toma, neste sentido, uma perspectiva extraordinária: Aquele que era o Inocente e o Perfeito por excelência, ao ser assassinado por ter feito o bem, dá explicação e significado à História. Assim, quando lemos a narração da Paixão, no primeiro momento pensamos: “Como aconteceu, como fizeram isso?!” Mas depois de levar a leitura até o “Consummatum est”6, fechamos a Bíblia e dizemos: “Que coisa ordenada! Que extraordinário! Que bonito!”

Deste modo também o homem deve considerar todo o sofrimento que ele carrega nesta Terra. Quer dizer, se insere numa ordem que é mais bela do que a vitória, debaixo do seguinte ponto de vista: a beleza específica do martírio, que é a renúncia à vida, por onde morrer a favor de um ideal torna-se mais belo do que triunfar com ele. De maneira que, para a glória de Deus, era melhor que o Filho do Homem fosse morto. Vemos nisso o pulchrum do sofrimento e da derrota.

Por isso, quando reflito sobre a glória, penso mais nos heróis que estão resistindo até o último ponto a uma ofensiva inimaginável, do que no desfile depois de terem vencido. Porque quando o herói está nesta posição, a aliança dele com Deus é muito mais evidente, e a presença deste pulchrum em sua alma é muito mais clara do que na hora da vitória. Daí o fato de que, ao longo de toda a História, almas de escol se comprouveram em analisar, descrever e valorizar de modo especial, como sendo as culminâncias da vida, os episódios trágicos.

Nesta perspectiva, até no Céu, onde se diria que a dor não tem mais papel, ela encontra seu significado: ela se reverte em glória, mas não é apenas a glória da vitória, mas a glória da dor.

Não é verdade que, sem isso, o Céu seria menos bonito? E se a dor adorna o Céu, há de adornar também a ordem terrena.

1) Mt 27, 46.

2) Cf. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2013. p. 1756, b.

3) Jo 12, 23; 32.

4) Título de um artigo de Dr. Plinio publicado em Catolicismo, n. 78 – Junho de 1957.

5) Cf. conferências de 13/7/1980 e 10/2/1990.

6) Do latim: está consumado (Jo 19, 30).