domingo, noviembre 24, 2024

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No Senhor há copiosa redenção

Concluindo seus comentários ao Salmo 129 — o De Profundis — Dr. Plinio ressalta a beleza da alma arrependida que se sentiu objeto da amplitude do perdão divino. Transbordante de reconhecimento, o Salmista recomenda aos que trilham o caminho da vida: do início da manhã até a noite, confiai na bondade de Deus, pois o Salvador se encarnou no seio de Maria para trazer a todos a sua “copiosa redenção”.

Como já tivemos ocasião de observar em relação aos outros Salmos Penitenciais, também no De Profundis encontraremos uma preocupação com a beleza poética do texto que não o abandona um só instante. Não de uma poesia trivial, mas imbuída de algo encantador.

A contrição fez nascer a alegria

Podemos imaginar cidades daquele tempo pastoril, a maior parte delas pequenas, dominadas pela vida bucólica que as circundava, nas quais os habitantes se sentiam no campo. Fez-se noite. Enquanto quase todos dormiam, um pecador arrependido de suas quedas chorava, elevando ao Céu sua prece entre lágrimas, implorando a misericórdia divina.

Quando os primeiros raios do sol tingem o horizonte e a claridade da manhã principia a entrar pelas frestas da porta e da janela, o pranto dele toma certa nota de alegria. Poder-se-ia dizer que, assim como a noite gerou o dia, a contrição fez nascer a felicidade e trouxe o perdão.

“Confiai na misericórdia e sereis atendidos”

Afirma a seguir o Salmista:

Desde a vigília da manhã até a noite, espere Israel no Senhor.

Desde o despertar até a hora de dormir — em que a luta pela vida de certa forma se interrompe, os olhos se fecham e o sono toma conta do homem — deve ele esperar em Deus, mesmo sobrevindo as coisas mais indesejáveis. Pode até cair sobre um justo a série de infortúnios desencadeados pelo demônio contra Jó, fazendo com que todo o edifício de sua grandeza e felicidade terrena desabe em cima dele. Segundo o texto sagrado (cf. Jó 2, 9), aquele só não perdeu a esposa, que o acompanhou para criticá-lo na miséria. Leproso, Jó sentou-se num monturo de cacos, transformado na cátedra de sua dor. Ainda assim, confiou e esperou no Senhor.

Insisto na preocupação do Salmista de exprimir com pulcritude seus pensamentos, a fim de nos fazer sentir melhor o sabor da realidade.

Infelizmente, a vida moderna não favorece muito o hábito de nos determos a considerar essas belezas e com elas nos deleitarmos. Como essa é uma atitude equivocada! Se Deus realizou tantas coisas magníficas, sublimes, é seu desejo que nos aquietemos para nelas meditar e refletir.

Então o Salmista, como homem que teve a experiência da misericórdia de Deus, oferece este conselho: “Vejam como eu não merecia o perdão, mas chorei, pranteei e o obtive. Vós todos que andais pelo caminho, confiai na clemência divina desde a manhã até a noite e também a alcançareis!”

É o sentido deste Salmo.

Abundância do perdão divino

Porque no Senhor está a misericórdia, e há n’Ele copiosa redenção.

A primeira frase desse versículo — “no Senhor está a misericórdia” —, pode parecer um tanto vaga, porém encerra profundo sentido.

Na verdade, a misericórdia existente no mundo é um desdobramento e um efeito do amor do Altíssimo para com os homens. Porque Ele é misericordioso, há homens misericordiosos sobre a Terra. E as pessoas concebidas no pecado original, esquecendo-se de Deus, podem se tornar hostis umas em relação às outras. Assim, quanto mais uma sociedade tende para o ateísmo, mais se transforma num conjunto de animais selvagens.

…e há n’Ele copiosa redenção.

Isto é, o Deus Filho, encarnado, sofreu e morreu por nós, como nosso Redentor. Os méritos infinitos de seu sacrifício obtiveram do Pai Eterno o perdão de nossas culpas. Então, por sua misericórdia, Ele limpa os pecados dos homens, e o faz copiosamente, com abundância e largueza.

E Ele mesmo redimirá Israel de todas as suas iniqüidades.

Meditando nessas palavras finais do Salmo, é difícil não pensar, uma vez mais, em Nosso Senhor Jesus Cristo como Salvador do mundo. Nesse sentido, revestem-se elas de um caráter profético, pois não apenas uma nação — no caso, Israel — nem estes ou aqueles indiví­duos, mas a humanidade inteira necessitou de redenção. E o Redentor veio, gerado pelo Espírito Santo no seio puríssimo de Maria, padeceu e se imolou por nós, abrindo novamente para os homens as portas do Céu.

No alto do Calvário, aparentemente derrotado, Nosso Senhor ergueu um louro de vitória: converteu o bom ladrão e lhe prometeu a eterna bem-aventurança

Christus Rex Inc.
“Crucifixão” – Ricas Horas do Duque de Berry

Pode-se dizer que Jesus verteu torrentes de sangue; ou seja, o sangue por Ele derramado era de certo modo dor liquefeita, sofrimentos indizíveis, amargados de todas as formas possíveis. Porém, a redenção operada por Ele é também copiosa, jorra aos borbotões.

Clemência paradigmática: a conversão do bom ladrão

Uma das mais tocantes provas dessa misericórdia infinita deu-se no último lance da Paixão, quando Ele, parecendo derrotado, ergueu um louro de vitória: a conversão de Dimas.

Três estavam crucificados no alto do Calvário: o Santo dos Santos, o bom ladrão e o mau. Este último, facínora como era, sentindo que sua vida terminava, inconformado blasfemava contra Nosso Senhor. O outro, ao ver Jesus pregado no madeiro, deixou-se tocar pela santidade do Verbo Encarnado. Dimas compreendeu que sua vida criminosa o tornava merecedor da punição recebida. Porém, havendo em Cristo “copiosa redenção”, sentiu a ação da graça sobre ele, infundindo-lhe a esperança de receber o perdão daquele Homem, não só extraordinário, mas superior a toda cogitação.

Quiçá, antes de morrer, o bom ladrão pensou: “Ele não é um simples ser humano, mas é o Homem-Deus”. Abraçou, então, a fé que por assim dizer emanava de Jesus crucificado, de quem é abundante a clemência, e deve ter dito ao Salvador que O reconhecia e O adorava como Deus. E se Dimas não o declarou com palavras, explicitou essa verdade no seu coração, e Nosso Senhor, sem dúvida, conheceu os desejos e intenções dele.

Por isso Jesus lhe fez uma promessa que era a confirmação de tudo quanto ele sentia no seu íntimo: “Hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43). Ou seja, o Redentor Divino perdoou todos os pecados do bom ladrão e, pouco depois, levava a alma dele para o Céu. Cabe considerar que, enquanto não se operou a Redenção pela morte de Jesus, nenhum homem entrou na bem-aventurança eterna. Nem mesmo São José, pai adotivo de Nosso Senhor, esposo legítimo de Maria Santíssima. E a esse ladrão, ex-miserável, gloriosamente redimido, o Salvador afirmou: “Hoje estarás comigo no Paraíso”.

As almas de incontáveis justos presumivelmente esperavam há dezenas, centenas e milhares anos que o Messias morresse por elas na cruz e lhes franqueasse os umbrais do Céu. Ora, pouco antes do consummatum est, Nosso Senhor quis manifestar esse prodígio: tomou um bandido, transformou-o em santo e proclamou sua santidade ante os homens, dizendo-lhe: “Venha comigo!”

A conversão do bom ladrão se insere, pois, nos fatos que estes versículos finais do Salmo 129, tocantes e proféticos, nos fazem entrever.

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