Grupo de imagens da Igreja do Coração de Jesus, diante do qual Dona Lucilia (acima, aos 50 anos) costumava rezar por Dr. Plinio e suas pugnas intelectuais em defesa da Igreja

Quando seu filho foi chamado a travar diversas batalhas intelectuais em favor dos interesses católicos, Dª Lucilia cuidou especialmente para que ele não se desviasse do cumprimento das obrigações familiares ou de cortesia, fosse qual fosse o modo de pensar daqueles a quem se devia deferência. Dr. Plinio tinha em sua mãe o melhor exemplo a seguir, posto ser ela exímia observadora dessas normas.

Um dia, durante o almoço, um dos parentes mais chegados de Dª Lucilia anunciou que iria fazer uma conferência sobre matéria científica, ligada à sua profissão. A simpática comunicação significava discreto convite aos presentes, mais concretamente aos homens, visto não se interessarem as senhoras por esse tipo de temas.

Dª Lucilia desejou-lhe bom sucesso na exposição e permaneceu meio distante do assunto, mas seu filho logo percebeu que não escaparia com facilidade do incômodo evento. O tema da conferência, para quem dele não entendia, parecia extremamente árido e aborrecido. Dr. Plinio achou melhor nada dizer. “Quem sabe — pensou com seus botões — mamãe se esquece e não pede que eu vá…”

No entanto, em se tratando de fazer amabilidade a alguém, não havia perigo; esse lapso de memória ela não teria. Poucos dias depois, com toda a suavidade, lembrou a Dr. Plinio:

Dr. Plinio aos 22 anos, quando já ardoroso defensor dos interesses católicos

— Filhão, você se recorda da conferência de seu parente hoje?

Percebendo ser impossível furtar-se da “tortura” intelectual, ele respondeu com toda a submissão:

— Sim, senhora, lembro-me.

Ela continuou:

— Você sabe, filhão, que deve comparecer, não é?

Dr. Plinio tentou um último recurso para conseguir escapar:

— Mas, meu bem, não entendo do tema, não faz sentido eu ir…

Não houve remédio. Os argumentos, envoltos em doçura e jeitosamente apresentados por ela, eram irresistíveis. A palestra se realizou numa pequena sala do edifício Martinelli, no centro de São Paulo. O conferencista mostrou-se uma verdadeira revelação, conseguindo transformar um assunto, de si monótono, em algo atraente e interessante para um auditório de leigos naquela especialidade.

De volta a casa, Dr. Plinio elogiou muito o expositor. A princípio, Dª Lucilia pensou estar ele ironizando, mas ao notar que falava seriamente, ficou contente, pois dali havia resultado um bem, tanto para aquele seu parente, que se sentira satisfeito com a presença de Dr. Plinio, como para este, que havia gostado de ouvi-lo.

A passagem de ano de Dª Lucilia

Dada a profunda seriedade de espírito de Dª Lucilia, possuía ela um modo próprio de comemorar a passagem de ano. Ao chegar o último dia de dezembro, rememorava tudo quanto havia ocorrido em sua vida particular, como também no âmbito de sua família. Era quase um exame de consciência: “Como foi o ano? Foi pior ou melhor que o anterior? Quais as graças que nos foram concedidas pela Santíssima Virgem? Como correspondemos a esses benefícios?…”

Se, como afirma o Divino Mestre, “até os próprios cabelos da vossa cabeça estão todos contados (Mt 10, 30), quanta importância deve ter aos olhos de Deus a existência de qualquer criatura humana? Esta consideração era suficiente para atrair a atenção de Dª Lucilia sobre os acontecimentos do ano que se findava.

Depois de agradecer ao Sagrado Coração de Jesus e a Nossa Senhora todas os dons recebidos, implorava proteção para o novo ano.

À noite, Dr. Plinio ia à igreja, onde os Congregados Marianos, em conjunto, assistiam ao cântico do Te Deum, que naquela ocasião se revestia de especial solenidade. Despedia-se de Dª Lucilia ao sair, e ela o abraçava pela última vez no ano, com todo o afeto, abençoava-o e lhe fazia inúmeras cruzinhas na fronte.

Ao voltar da igreja, já bem depois da meia-noite, ele encontrava Dª Lucilia terminando de preparar uma pequena ceia, sempre mais simples que a da noite de Natal. Ela o recebia com todo o carinho, reservando as primeiras felicitações de Ano Novo ao seu “filhão”. Depois sentavam-se à mesa, Dr. Plinio contava como tinha sido a cerimônia religiosa e ficavam conversando até altas horas, sem se preocuparem com o relógio. Era a primeira “prosinha” do ano…

Escrivaninha e a placa de mármore atrás da qual Da. Lucilia encontrou o “cartão muito amável” que seu filho recebera de uma conhecida…

Um desígnio da Providência que Dª Lucilia intuía

Dª Lucilia parecia discernir algum desígnio da Providência a respeito de seu filho, embora não o compreendesse até o fundo. Certas atitudes dela o exprimiam claramente, como, por exemplo, as orações assíduas que fazia por ele diante do altar dedicado ao Menino Jesus em discussão com os Doutores da Lei, no Santuário do Sagrado Coração de Jesus. Intuía que a vida de Dr. Plinio seria inteiramente consagrada a um alto ideal, e isso talvez exigisse dele alguns sacrifícios, como, por exemplo, o manter-se solteiro.

Ora, ele ainda não se decidira pelo celibato naquela época. Conheceu então uma moça que lhe pareceu simpática e de bom caráter, cuja família pertencia à mais alta sociedade de São Paulo, e tinha muitas posses. Julgando ser um bom partido, começou a se encontrar e conversar com ela em algumas festas. Depois de certo tempo, resolveu levar adiante seu projeto.

Tratando ambos, uma vez, a respeito de música, afirmou ela não conhecer tais e tais discos. Ele disse que lhos mandaria, e efetivamente o fez tão logo pôde. Ao enviar o presente, anexou um cartão de visita. Pelo correio, ela mandou um cartão agradecendo.

Sobre a escrivaninha de Dr. Plinio havia, fixo a uma placa de mármore, um baixo- relevo de metal que representava Nosso Senhor dando a Sagrada Eucaristia a uma criança. A fim de obter de Deus bom andamento para aquela questão, ele colocou atrás da placa de mármore o cartão que recebera. Deixá-lo junto da imagem simbolizava um constante pedido nesse sentido. Mas o incipiente compromisso acabou se desfazendo e ele até se esqueceu de haver ali deixado o cartão.

Algum tempo depois, ao chegar Dr. Plinio de seu escritório, Dª Lucilia abordou-o maternalmente, com ar de quem descobrira um segredo ciosamente guardado:

— Então, hein?! Sua mãe ignorava…

Dr. Plinio, não fazendo idéia do que se tratava, respondeu:

— Mas ignorava o quê, meu bem?

— Eu estava rezando por você, à sua mesa, e vi aparecer por detrás daquele mármore uma pontinha de papel. Fiquei curiosa de saber o que era, virei a placa e encontrei o cartão muito amável de Fulana, agradecendo tão gentilmente um presente… Eu vejo bem o que isso quer dizer…

Dr. Plinio então respondeu jocosamente:

— Mas o que tem isso? A senhora não vê todo o mundo casado? Eu vou me casar um dia…

E riu afetuosamente. Depois disse:

— Ó mamãe, isso já está desfeito, não tem mais nada!

Dr. Plinio notou que um eventual noivado seria uma decepção para ela. Mais tarde, quando resolveu adotar o celibato, não lhe disse nada, porque considerava o assunto muito pessoal. Mas Dª Lucilia acabou percebendo sua resolução e ficou deveras satisfeita.

Outros parentes também intuíram que ele havia renunciado ao casamento para se entregar ao apostolado, e comentavam o fato em conversas de família. Um dia, alguém disse que assim era melhor, pois, pelo seu modo de ser enérgico, ele não daria um bom marido. Dª Lucilia imediatamente respondeu que não concordava com essa afirmação, pois sendo ele tão bom filho, não podia deixar de vir a ser bom esposo. Os parentes, conhecendo já as intransigências de Dª Lucilia, preferiram bater em retirada e não abordar mais o assunto.

Polêmicas de Dr. Plinio em favor da causa católica

Já em 1931, Dr. Plinio — então com 22 anos — escrevia artigos para alguns jornais, tanto do Rio de Janeiro como de São Paulo, crescendo dia a dia seu prestígio como defensor dos direitos da Igreja. Isto era motivo de grande júbilo para Dª Lucilia, que seguia, com discreta atenção, as primeiras escaramuças ideológicas de seu filho.

Exemplo do espírito polêmico de Dr. Plinio em defesa do Catolicismo, encontramos numa missiva por ele enviada a Dª Lucilia em 7 de julho de 1931, durante uma de suas estadias no Rio de Janeiro. Estas se deviam às suas intensas atividades como líder católico. Faz ele referência nessa carta, em tom de afetuosa ironia, às “futricações” e “chuchadas” que corriam como desejava. Porém, procura sossegar sua mãe, assegurando-lhe que seria tudo pacífico:

Minha Queridíssima Mãezinha

É com uma imensidão de saudades, que lhe escrevo. Espero que a Senhora esteja passando bem, a despeito da falta das prosinhas de meia-noite. (…)

Ainda não tive tempo para fazer uma pequena parte, sequer, do que pretendo. No entanto, estou contente, porque as “futricações” e as “chuchadas” estão indo como eu desejava. Estou preparando um “charivari” lingüístico e jornalístico de primeira ordem para a Igreja. Mas será uma coisa muito pacífica e, se Deus quiser, proveitosa.

Tenho comungado diariamente, e rezado pela Sra.

Estou achando deliciosa esta temporada. Até como repouso está sendo maravilhosíssima.

Envie a Rosée e Papai muitos abraços e beijos, e ao Antônio muitos abraços, bem como a vovó e aos demais. Abençoe e receba os mais numerosos e carinhosíssimos beijos de seu filho muito saudoso,

Plinio

Dr. Plinio durante uma de suas estadas no Rio de Janeiro, aonde o levavam as atividades de líder católico. Acima, fac-símiles da carta de Da. Lucilia aqui transcrita

Nada de muita futricação “à enérgica”

Embora Dona Lucilia concordasse inteiramente com a posição de seu filho, procurava edulcorar um pouco a linguagem categórica dele, sem lhe diminuir em nada a intransigência para com o mal. Atitude compreensível numa senhora cujo modo de ser era temperado por uma suavidade indizível.

Filho querido!

Tive o prazer de receber ontem tua carta, que agora respondo.

Li hoje na “Razão”, uma entrevista do Cardeal impressa em volta de um grande retrato seu. Será teu esse artigo? Está muito bom! O que mais tens feito por aí? Nada de muita “futricação” à enérgica.

Divirtam-se o melhor que puderem, e veja que Rosée se alimente bem e tome os remédios.

Acho uma falta enorme em vocês, e tenho muitas saudades de ti, sobretudo antes de adormecer, mas dou graças a Deus, de que tenham podido ir!

Envio muitos abraços a Rosée, Dóra, Antonio, e a você, muitos beijos e abraços e mais muitas bênçãos da Mamãe que tanto, tanto te quer,

Lucilia

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)