Dª Lucilia (à direita) e Dr. Plinio (de pé, à esquerda), na inauguração das novas máquinas do “Legionário”

Encerrado o mandato de Dr. Plinio na Assembléia Nacional Constituinte, em 1934, seu retorno ao convívio doméstico foi motivo de imenso regozijo para Dª Lucilia, sempre saudosa da presença do filho que ela tanto amava.

Entretanto, novas eleições foram convocadas, agora não só para a Câmara Federal como também para as Câmaras Estaduais. Se Dr. Plinio se candidatasse a deputado federal e fosse eleito — cogitava com certa apreensão Dª Lucilia — isso motivaria nova e bem mais longa separação. No entanto, estava ela disposta a quaisquer sacrifícios. Desta vez, porém, as intenções apostólicas dele foram favoráveis aos maternos anseios. Dado o lugar de destaque que ocupava nas Congregações Marianas de São Paulo, não queria afastar-se do que era seu campo de ação por excelência. E aqui se candidatou a deputado estadual, com grande alívio para sua mãe.

D. Duarte Leopoldo e Silva, Arcebispo de São Paulo

Dr. Plinio teve de enfrentar sérias dificuldades, porque as circunstâncias não eram tão propícias como por ocasião da eleição anterior. O Arcebispo de São Paulo, D. Duarte, determinara a dissolução da LEC, não havendo, portanto, candidatos oficialmente indicados pela Igreja. Grande desvantagem para Dr. Plinio, pois o seu público era o católico. Apesar de tantas adversidades, ele decidiu se apresentar como candidato avulso, em vista de seu prestígio de líder mariano, comprovado no último pleito, e dos benefícios que daí poderia auferir para o apostolado.

Ao fazer o orçamento da despesa de campanha, ele viu que custaria exatamente a quantia recebida por Dª Lucilia como herança de uma tia dela. Depois de bem ponderar os prós e contras, procurou sua mãe a fim de lhe comunicar a decisão de pugnar em defesa da Igreja, como deputado estadual:

— Mãezinha, eu creio que na verdade o melhor para mim seria não me candidatar, mas assumir minha cátedra na Faculdade de Direito e, algum tempo depois, abrir um escritório de advocacia. Com nossa casa razoavelmente arranjada, iríamos normalizando nossa situação. Mas a vantagem da Causa Católica consiste em candidatar-me como deputado avulso. Nessas condições, peço à senhora lançar mão do dinheiro que recebeu para cobrir as despesas de minha campanha.

Dª Lucilia via bem o quanto arriscava nisso, mas sua deliberação também de há muito estava tomada. Com a mesma serenidade de sempre, respondeu:

— O que você quiser, você terá! Todo o meu dinheiro, tudo quanto é meu, você disponha como quiser…

Na difícil situação financeira em que a família se encontrava, Dª Lucilia dava um magnífico exemplo de desprendimento em favor dos interesses da Santa Igreja, e de confiança total na Providência.

Mas, por superiores desígnios da mesma Providência, realizadas as eleições, Dr. Plinio não logrou sair-se vitorioso nas urnas. Os candidatos avulsos eram quatro ou cinco, e o mais votado deles fora Dr. Plinio. Nenhum, porém, atingira um número suficiente de votos para obter uma cadeira.

Nova mudança: a casa da rua Itacolomy

Dª Lucilia participou profundamente do pesar que essa sucessão de fatos haveria de causar a seu filho, mas nem por isso deixou de ter esperança no Sagrado Coração de Jesus. “Afinal — terá com certeza pensado — as vias da Providência são insondáveis, e destas provações não deixará Deus de tirar proveito”. Ao menos a Dr. Plinio restaria mais tempo para se dedicar à vida intelectual e ao apostolado, e para estar junto de sua mãe, tão saudosa de seu “filhão querido” quando este se ausentava.

E assim foi. Assumida a cátedra de História da Civilização no Colégio Universitário da famosa Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, bem como, mais tarde, as cátedras das Faculdades de Filosofia Ciências e Letras de São Bento e Sedes Sapientiae (posteriormente incorporadas à Universidade Católica), Dr. Plinio entregou-se a fundo aos estudos históricos e às atividades das Congregações Marianas, passando também a dedicar mais tempo ao semanário católico “O Legionário” — do qual já era diretor — que nos anos subseqüentes alcançaria repercussão nacional.

O tempo livre para fazer companhia a Dª Lucilia, no entanto, com o correr dos anos tornar-se-ia cada vez mais escasso, o que ela aceitará com toda a resignação de uma alma autenticamente católica.

Após todos esses vaivéns, era preciso, enfim, cuidar da decoração do lar, ou mudar para uma residência melhor. Tendo Dona Rosée encontrado uma casa, em boas condições, próxima à dela, foi radiante de alegria dar a notícia a Dª Lucilia. Pouco menor que a anterior, porém muito mais bem arranjada pelo proprietário, a moradia era um verdadeiro mimo, decorada com belos papéis de parede e vitrais de boa qualidade, e o aluguel bastante em conta. Por tudo isso, para lá se mudaram.

O novo lar — na Rua Itacolomy, 625, no bairro de Higienópolis — agradou enormemente a Dª Lucilia. Dona Rosée encarregou-se da decoração, de forma que em pouco tempo estava tudo pronto, e muito adequado ao modo de ser de sua mãe.

Os hábitos de Dª Lucilia variavam de acordo com a casa e com os imponderáveis do ambiente. Entre as diversas recordações de sua passagem por essa residência, conta-se que, dos cômodos do andar superior, ela escolhera um para quarto de toilette, onde, com tranqüilidade e distinção, todas as tardes tomava chá, servido numa bandeja preparada com esmero por uma fidelíssima empregada portuguesa.

Não tendo alcançado a reeleição para deputado, Dr. Plinio passou a lecionar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, bem como nas de São Bento e Sedes Sapientiae…

Desvelos pelo “filhão” doente

Dª Lucilia, conquanto em nada descurasse as prescrições médicas, nunca impunha um tratamento a quem tinha idade para se governar a si próprio. Seu desvelo por seu filho não diminuíra, pelo contrário, requintara-se ao longo dos anos, passando a representar para ele um autêntico repouso e encorajador consolo, em meio à luta que ele conduzia pela ortodoxia católica. Disso é ilustrativo o episódio seguinte:

… e pôde, ainda, dedicar mais tempo ao seu apostolado, como líder católico e diretor do “Legionário”

Certo dia Dr. Plinio foi acometido por fortíssima indisposição. Dª Lucilia percebeu imediatamente e lhe perguntou:

— Filhão, você está indisposto, não está?

A pergunta, muito afetuosa mas incisiva, deixava claro que ela notara o estado dele e não adiantava esconder. Dr. Plinio respondeu com sua característica franqueza filial:

— Meu bem, realmente estou indisposto, mas detesto medicar-me. Eu não queria contar nada, a fim de evitar que a senhora insistisse comigo para tomar remédios e — pior do que tudo — me recomendasse alguma dieta. Por isso não quero dizer não à senhora, mas sobretudo não quero dizer sim…

A situação era bem difícil para Dª Lucilia. Queria ajudar o filho, porém, não desejava contrariá-lo. Mas nem por isso perdeu a calma. Aproximou-se da cama dele e colocou a mão sobre sua fronte para verificar se ele estava com febre. Nesse pequeno gesto caseiro, já estava dado o primeiro passo para a cura, pois o frescor de suas mãos transmitia uma benfazeja serenidade, reflexo de sua imperturbável paz de alma.

Ela então lhe disse:

— Você está com febre.

Dr. Plinio certamente pensou: “Ela agora vai me pôr o termômetro, e este vai indicar 38 ou 39. Ficará preocupada e vou me meter numa engrenagem que detesto…”

Dito e feito. Com seus pequenos mas ágeis passos, saiu ela do quarto, voltando alguns instantes depois com o fatídico instrumento. Dr. Plinio, para não a contrariar, colocou-o e, passado o tempo necessário, controlado minuciosamente no relógio por Dª Lucilia, o devolveu a sua mãe. Na penumbra do quarto, ela olhou, com certa dificuldade, a temperatura. Porém, em vez de proferir uma sentença, como fazia quando ele era menino, apenas lhe disse:

— Não é nada. O que você quer fazer, meu filho?

Afastada, para alívio dele, a tortura, respondeu:

— Meu bem, eu quero passar o tempo, deitado e quieto.

Dª Lucilia, então, trazendo uma cadeira do quarto dela, colocou-se ao lado da cama do filho e pôs-se a rezar tranqüilamente. Ficou assim algumas horas, até chegar a noite. Em certo momento, Dr. Plinio lhe disse:

— Meu bem, estou com muita fome e a senhora certamente vai querer que eu coma algo.

— Diga o que você quer, que sua mãe lhe traz — foi a pronta resposta dela.

Em seguida, ela mesma saiu a preparar o prato que seu filho pedira. Levou a refeição ao quarto, fez questão de servi-lo e no fim disse:

Com sua inesgotável solicitude materna, Dª Lucilia nunca tomava por “bagatela” os pequenos males que acometiam Dr. Plinio. “Se eu morresse”, dizia este, “ela também morreria. Uma coisa é certa: ela preferiria igualmente partir desta vida…”

— De outras vezes não esconda nada a sua mãe, porque ela percebe e não vai lhe impor nada.

A saúde que, a rogos de Nossa Senhora, a Providência dera a Dr. Plinio, era excelente, e assim na manhã seguinte ele já estava bom. Logo após se levantar, foi ao quarto de Dª Lucilia. Ao vê-lo entrar, lhe perguntou:

— Filhão, como vai?

E a vida de todos os dias recomeçou.

Muitos e muitos anos mais tarde, Dr. Plinio, ao se referir a este pequeno episódio, comentou que só quando sua mãe lhe fez o pedido de nada esconder, percebeu como, para ela, aquele pequeno mal não era uma bagatela. Se a doença se agravasse, Dª Lucilia cuidaria dele com extremos de zelo, até o fim. E — concluiu Dr. Plinio — “é provável que, se eu morresse, ela também morreria. Uma coisa é inteiramente certa: ela preferiria morrer a continuar a viver”.

(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)