Dr. Plinio em meados da década de 40

Há 60 anos, o mundo procurava se reerguer e se reorganizar, depois das terríveis conflagrações da Segunda Grande Guerra que o abalaram profundamente. Representantes de povos da Terra inteira se reuniam na ONU e na Conferência de Paris, a fim de traçar novos rumos que ditassem um futuro de concórdia estável e fecunda para a humanidade.

Diante da ausência do Papa nesse concerto internacional, Dr. Plinio, com o ardor e a intrepidez característicos de sua pena, lançou pelas páginas do “Legionário” um verdadeiro apelo ao brio cristão:

Constitui-se a ONU e o Santo Padre a ela não pertence. Este fato se completou, nos últimos dias, por outro ainda mais clamoroso: reúne-se a Conferência de Paris, e o Vaticano dela está ausente. (…) Se bem que o minúsculo Estado Vaticano não tenha a menor importância militar e econômica, tem, contudo, o seu Chefe uma situação mundial que, mesmo laicamente raciocinando, poderia ser comparada sob alguns aspectos ao que é, em ponto menor, o chefe da ONU. Não seria decoroso, razoável, delicado, convidar também o Santo Padre a mandar um Cardeal Legado que, na qualidade de hóspede de honra e observador, acompanhasse os trabalhos?

Entretanto, isto não se fez. (…) O Chefe espiritual do mundo católico está posto à margem… o que os católicos, ao menos globalmente considerados, parecem achar muito natural!

O termômetro por onde se mede o fervor de um católico é sua devoção ao Papa. Só está com Deus quem está com Cristo, só está com Cristo quem está com a Igreja, e só está com a Igreja quem está com o Papa: ubi Petrus ibi Ecclesia. O católico vale, pois, na medida de sua obediência, de seu fervor, de seu amor entusiástico e sem limites para com o Sumo Pontífice. São Francisco de Sales, interrogado certa vez sobre a “medida em que se deve amar a Deus”, respondeu: “é amá-lo sem medida”. Em certo sentido, diríamos o mesmo do amor ao Papa. (…)

Não vamos pretender que nesta indiferença em relação ao Papa existe só tibieza. Há também muita incompreensão. Temos uma idéia tão diminuída, tão deformada, tão reduzida do que é a função do Papado à testa de todas as nações cristãs, como centro (ao menos de certo modo) da própria ordem temporal, que nem percebemos claramente a injustiça e a afronta que representa para o Vigário de Cristo ser ele excluído dos grandes conciliá­bulos mundiais. Mas assim é. E a cegueira do orbe católico para este fato, em lugar de diminuir a afronta, a torna ainda mais dolorosa.

Ninguém sente falta do Papa, porque ninguém sente a falta da moral. No tempo de São Francisco, a “Dama Pobreza” andava muito abandonada, e o Poverello com ela misticamente se desposou. A “Dama Moral” está hoje mais abandonada do que a “Dama Pobreza”. Posta à margem, ela se encolhe melancolicamente ao seu único refúgio natural, isto é, à sombra daquele que é o Vigário de Cristo, Pastor das ovelhas e dos Pastores…1

1) Legionário, de 11 de agosto de 1946.