Neste ano o Calendário Litúrgico, regido pelo solstício da primavera, antecipou-nos o período da Quaresma, preparatório para os solenes dias da Semana Santa. Ainda ressoavam os hinos jubilosos com que celebramos o último Natal, e já os paramentos roxos dos sacerdotes nos convidavam à reflexão e ao dispor nossas almas para acompanhar a Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Amoroso filho da Igreja, Dr. Plinio sempre honrava as datas litúrgicas, repassado de sentimentos de alma peculiares a cada uma delas. Assim, se o podíamos ver externando inocente alegria por ocasião do Nascimento do Filho de Deus, ou não menos expressiva felicidade pela gloriosa Ressurreição do Senhor, o víamos também particularmente sério e meditativo durante os dias em que recordamos os atrozes sofrimentos de Jesus. Padecimentos que lhe inspiravam graves e belas considerações, algumas das quais temos reproduzido nestas páginas.

Tocava-lhe, de modo especial, o contemplar a figura da Co-redentora, Maria Santíssima, sofrendo junto com seu divino Filho, transpassada de dor, mas igualmente inabalável em sua confiança no triunfo d’Ele sobre a morte e o pecado. Numa dessas reflexões, comentava Dr. Plinio:

“Na hora mais trágica que houve e haverá na história da humanidade, temos o exemplo augusto de alguém que permaneceu fiel, não se entregou, não fraquejou, não traiu, não recuou, e se manteve de pé como uma tocha de oração e de esperança — Nossa Senhora.

“Pelas narrações do Evangelho sabemos que, num momento, o sol se toldou em pleno dia, a terra estremeceu, abriram-se as sepulturas de alguns justos que tinham morrido na Antiga Lei e seus cadáveres se levantaram. Provavelmente, começaram a percorrer a Cidade Santa no meio das trevas, dos estertores do chão que vacilava, sob o silêncio da natureza animal aterrorizada e o gemido das pessoas que choravam. Era, no dizer de Bossuet, o Padre Eterno fazendo as pompas fúnebres de seu Divino Filho.

“Enquanto isso, no alto do Calvário, o horror e o abandono se instalavam junto à Cruz do Redentor. Num dilúvio de dores, Jesus havia exclamado o seu Consummatum est!. Tudo estava consumado. O Cordeiro já imolado, exangue. Nada mais havia a oferecer do seu sacrifício. Estava morto. Diante dos homens restava apenas — para me servir novamente da expressão de Bossuet — um Deus quebrado, roto, aniquilado”. Nesta hora o bom ladrão se preparava para deixar a Terra. O centurião que ferira o lado de Nosso Senhor, golpeava-se no peito. Algumas pessoas recolhidas a um canto do Gólgota choravam.

“Porém, a alegria não desertara de uma alma! A alma mais inconforme com todo aquele horrível espetáculo de dor, a alma que a tanta injustiça mais repudiava, que ao mal mais odiava, a alma que mais amava o Salvador morto, mais esperava, mais certeza possuía: a certeza de todas as certezas! Imbuída de uma fé superior a toda fé que haveria no mundo até o fim dos tempos. Era a alma celestialmente inconformada de Nossa Senhora: Stabat Mater dolorosa, juxta crucem lacrimosa.

“Junto à Cruz, dolorosa, stabat! — que em latim não significava apenas ‘estar ali’, mas quer dizer que estava de pé. Mantinha-se erguida, em toda a força de seu corpo e de sua alma, com os olhos inundados de lágrimas, mas o coração inundado de luz.

“Naquele instante, Nossa Senhora tinha a certeza de que, após a grande tragédia, depois do abandono geral, raiaria a aurora da Ressurreição. Surgiria a aurora da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, nimbada de glória a partir de Pentecostes. E de cruzes em luzes, de luzes em cruzes, o mundo chegaria até o momento bendito que em Fátima Ela prenunciou: Por fim o meu Imaculado Coração triunfará!”

(Extraído de conferência em 16/7/1971)