Quando ainda muito jovem, encontrava-se Dr. Plinio certa vez junto com sua família na Estação da Luz, à espera do trem que os levaria a Águas da Prata, cidade termal do interior do Estado de São Paulo. Em determinado momento deparou-se, numa pequena banca, com uma publicação cuja capa estampava o desenho de um imperador majestosamente sentado, rodeado de vassalos. O conjunto da cena despertou em Dr. Plinio vivo interesse, pois sobressaía ali um misto de força, bondade e heroísmo. O título da publicação era: “História de Carlos Magno e os Doze Pares de França”.

“Fiquei encantado — comentou, décadas mais tarde, Dr. Plinio —, tocado até o fundo da alma e entusiasmado sem saber por quê. Ignorava o que eram os doze Pares de França e nunca tinha ouvido falar de Carlos Magno, ou talvez tivesse uma ideia vaguíssima sobre ele. Nem sabia que a palavra ‘magno’ significa grande, mas li aquele título e tive um choque, achando aquele homem fantástico, como se fosse uma virtude personificada. Entendi que ele representava uma personalidade cujo olhar englobava e dominava tudo, num julgamento lúcido das coisas e numa espécie de poder universal, porque tinha as vistas voltadas para Deus e para as mais altas causas, com um equilíbrio de força, de calma e de entrain.”1

Em seu primeiro encontro com o Imperador “da barba florida”, Dr. Plinio percebeu que, “no fundo, aquela figura de Carlos Magno representava a ideia que eu estava pronto para fazer a respeito de Deus”2.

Carlos Magno foi, por assim dizer, o pretexto utilizado pela Providência para despertar na alma de Dr. Plinio o amor à combatividade, e, por conseguinte, a adoração a Deus por meio desse atributo divino, compreendendo que o Pai misericordioso é também o “Senhor dos Exércitos”3.

A combatividade, um dos mais fascinantes aspectos da Igreja Católica Apostólica Romana, é muitas vezes silenciada. Esquece-se com frequência de considerar o caráter militante da Igreja e da própria vida do homem sobre a Terra. Uma das causas desse silêncio é o medo de proclamar a verdade, indo contra a opinião imposta por um mundo ateu e sincretista.

Com razão denunciava Pio XII na Encíclica Humani Generis: “Existe também outro perigo, que é tanto mais grave quanto se oculta sob a capa de virtude. Muitos, deplorando a discórdia do gênero humano e a confusão reinante nas inteligências dos homens e guiados por imprudente zelo das almas, sentem-se levados por interno impulso e ardente desejo a romper as barreiras que separam entre si as pessoas boas e honradas; e propugnam uma espécie de ‘irenismo’ que, passando por alto as questões que dividem os homens, se propõe não somente a combater em união de forças contra o ateísmo avassalador, senão também a reconciliar opiniões contrárias, mesmo no campo dogmático .”4

Reconciliar opiniões contrárias no campo dogmático, como adverte Pio XII, é anestesiar a espinha dorsal da Igreja, negando-lhe parte de sua vida — que é ser depósito da Revelação Divina —, e de sua missão de Mãe e Mestra da verdade. “Com efeito — dizia Dr. Plinio —, velar pela salvação do próximo implica não só favorecer tudo quanto possa concorrer para levá-lo ao bem, como ainda em contrariar e combater todas as influências que o podem arrastar para o mal.”5

Nessa perspectiva, continuando, diz o Pontífice acima citado: “Se tais propugnadores não pretendessem mais do que acomodar, com alguma renovação, o ensino eclesiástico e seus métodos às condições e necessidades atuais, não haveria quase nada que temer; contudo, alguns deles, arrebatados por imprudente ‘irenismo’, parecem considerar como óbice para restabelecer a unidade fraterna justamente aquilo que se fundamenta nas próprias leis e princípios legados por Cristo e nas instituições por ele fundadas, ou o que constitui a defesa e o sustentáculo da integridade da fé, com a queda do qual se uniriam todas as coisas, sim, mas somente na comum ruína.”6

Eis o perigo da falta de combatividade reinante no espírito moderno, sobretudo em relação aos assuntos inerentes à salvação das almas. Esse pernicioso fenômeno também não passou despercebido por Paulo VI: “a espada do espírito parece repousar na bainha da dúvida e do irenismo. Mas é precisamente por isto que a mensagem da verdade religiosa deve ressoar com maior vigor. Os homens têm necessidade de crer em quem se mostra seguro daquilo que ensina…”7

É esta uma das razões pelas quais afirmava Dr. Plinio: “É muito importante que os contrarrevolucionários, os que travam a guerra de Nossa Senhora contra o demônio, compreendam seriamente a beleza da luta.”8

Se hoje é pouco considerado o caráter militante da Igreja é porque muitas vezes no passado faltou considerá-lo associado à virtude da caridade, criando-se o mito de que a combatividade e a bondade são antagônicas e, por isso, não podem coexistir em harmonia.

Foi, aliás, a conjugação perfeita dessas virtudes o que Dr. Plinio discerniu em Carlos Magno: “Encontrarei ali o equilíbrio entre a força e a bondade, que eu tanto procurava!”9

Nesta edição Dr. Plinio nos aponta outro possante exemplo de guerreiro cheio de bondade10, além de variados aspectos da beleza da luta11, convidando-nos a ter como aliado São Miguel, “escudo e gládio da Santa Igreja”12.

1) CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Notas Autobiográficas. Vol. II. São Paulo: Editora Retornarei, 2010. p. 450.

2) Idem.

3) 1Sm 1, 3.

4) AAS 42 (1950), p. 564.

5) Cf. “O caráter militante da Igreja” in Dr. Plinio n. 53, p. 23.

6) PIO XII. Op. cit., p. 564-565.

7) “Alocução aos párocos e pregadores quaresmais de Roma, 12/2/1964” in Osservatore Romano, 21/2/1964.

8) Ver nesta edição “A beleza da luta – I”, p. 32-35.

9) CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Op. cit., p. 451.

10) “Beato Carlos de Blois: senhor feudal e patrono dos guerreiros”, p. 28-31.

11) “A beleza da luta – I”, p. 32-35.

12) Página 2.